Fundamental para conter a disseminação do coronavírus, o isolamento social é prerrogativa de poucos: estudos mostram que mais da metade dos brasileiros não têm como trabalhar de forma remota durante a quarentena estipulada pelas autoridades. Se por um lado o home office parece um privilégio, por outro a ansiedade gerada pelo confinamento pode atingir em cheio quem não tem desculpas para sair à rua.
Como forma de ocupar o tempo prolongado em casa, algumas pessoas têm aproveitado o período para investir em novas atividades ou retomar outras, deixadas de lado pelas imposições da rotina. Há quem tenha descoberto novos hobbies, como ir para a cozinha, começado um curso à distância, organizado documentos ou passado a cuidar melhor das plantas da casa.
Ato instintivo para a maior parte das pessoas, esse movimento tem viés terapêutico. Na psicologia cognitivo-comportamental, é chamado de ativação social, técnica que foca em mudanças comportamentais, estimulando atividades prazerosas como forma de lidar com a ansiedade. E pode, de fato, ajudar as pessoas a atravessarem a fase estressante.
— Esse tipo de atividade é prescrita para prevenir sintomas depressivos. Nesse momento, em que as pessoas estão super ansiosas, é saudável se envolver com as atividades deixadas na gaveta, fazer planos e retomar de pequenos prazeres — avalia a psicoterapeuta cognitivo-comportamental e professora da Unisinos Ilana Andretta.
Para Ilana, é importante que as pessoas busquem o equilíbrio entre as atividades profissionais e os novos projetos, para não acabarem sobrecarregadas. A especialista destaca, ainda, que o isolamento também é propício para reflexões, e pode servir para que reavaliar as relações e restabelecer laços importantes que tenham se rompido por alguma razão.
Conheça cinco histórias de pessoas que aproveitaram a quarentena para se dedicar a novas atividades:
Voltei a praticar yoga
Fahen Carvalho, 26 anos, gerente de marketing
"Comecei a praticar yoga em 2017, porque queria fazer exercício e não morava perto de academia, não queria me deslocar nem gastar muito. Como é algo simples, barato e fácil de encontrar aulas na internet, incluí na minha rotina e comecei a praticar todos os dias em casa. Em 2018, mudei de apartamento e acabei deixando a yoga de lado. Me liguei em outras coisas com a mudança, fiquei um tempo ser fazer nada depois comecei a ir na academia. Com o início da pandemia, passei a me sentir ansiosa. Acordava e já ligava o jornal, querendo ver quantos morreram, quantas pessoas tinham ficado doente. Queria ficar 24 horas por dia monitorando a situação. Tive dificuldades para me concentrar no trabalho, coisa que nunca tinha acontecido. Pensei em retomar a yoga porque me fazia bem e me acalmava, além de ser um exercício. Voltei a praticar pela manhã, com o apoio do YouTube e de aplicativos. Foi tranquilo, porque não exige muito equipamento, e também foi um teste, porque eu sabia que teria dificuldade em retomar depois de tanto tempo parada. Mas foi muito bom, porque também retomei a meditação, que ajuda a organizar os pensamentos. Para mim, tem ajudado bastante. Freou meu consumo de informação. Agora começo o dia mais centrada."
Virei youtuber
Vandi Angelim, 36 anos, professora
"Quando começou a quarentena, pensei em fazer alguma coisa para me manter ocupada. Nunca ficamos tanto tempo em casa, está tudo meio confuso, e minha terapeuta disse que me faria bem. Trabalho em uma escola particular, com crianças de Educação Infantil, e sempre gostei muito de contar histórias, o que também faz parte da minha rotina. Estou desde o dia 18 em trabalho remoto e, com esse tempo a mais, comecei a gravar algumas histórias para mandar para os meus sobrinhos e alguns alunos. Olho o livro que me agrada no momento e conto do mesmo jeito que faço na escola. Costumo usar livros da Ruth Rocha, do André Neves, com histórias bem lúdicas, mas curtas e objetivas. Nos primeiros dias, fiz com meu celular e postei no YouTube. Depois comprei um kit com tripé e microfone de lapela e pesquisei alguns tutoriais de iluminação da internet para melhorar a luz. Meu esposo me ajuda a editar, que é a parte mais demorada, e minha filha também participa, separando as coisas. Estou aprendendo, e está sendo bem legal. Já dá para ver a diferença de um vídeo para o outro. Alguns alunos deram retorno e disseram que estão gostando. Fiquei feliz, não estava esperando. Agora que tenho um pouco mais de prática, minha ideia é continuar fazendo. Acho que está fazendo bem para outras pessoas também."
Retomei o desenho artístico
Gabriel Bittencourt Fagundes, 24 anos, designer gráfico
"Sempre desenhei, desde que tinha 12, 13 anos. Mas, depois que me formei, perdi o hábito de fazer isso de forma mais livre. O design é muito metodológico, e eu crio para marcas, então são coisas mais calculadas. Por conta do trabalho, não conseguia conciliar o desenho artístico. No ano passado, fui morar sozinho, estava trabalhando muito, e entrei numa estafa. Foi um período ruim, queria deixar o design. Comecei a fazer terapia e, nesse processo, surgiu a questão de buscar coisas que me inspiravam. Um dos pontos era fazer essa reaproximação com o desenho como terapia. Entrei nesse processo em janeiro, mas era bem espaçado. Moro na Cidade Baixa e trabalho na Avenida Carlos Gomes, só para ir e voltar do trabalho dá quase duas horas. No fim de semana, sempre quero sair. A quarentena obriga a ficar em casa. Estou em home office, e os trabalhos de freelancer diminuíram. Por ficar mais tempo em casa, tenho conseguido desenhar com mais frequência. Geralmente uso papel e caneta preta, como eu fazia quando era mais novo, e estou explorando coisas mais subjetivas, não premeditadas. Quando flui, consigo me identificar com o que faço, e fico num estado de bem-estar. Tenho ansiedade, e desenhar ajuda bastante. Quero manter quando a rotina voltar ao normal e compartilhar os desenhos que estou fazendo nesse processo."
Voltei a ler livros
Lucas Schmitt, 34 anos, comerciário
"Fazia uns dois anos que não lia nenhum livro. Temos uma biblioteca cheia em casa, mas eu não tinha tempo. Trabalho com revenda de carros, saio de casa de manhã, começo às 8h30min e vou até as 18h. Depois, vou para a academia ou para a faculdade. Chegava cansado, comia algo, tomava um banho e queria dormir. Desde que começou a quarentena, passo informações por telefone e só saio quando alguém quer ver um veículo, o que só aconteceu uma vez até agora. Então ganhei mais tempo para algumas coisas particulares. No primeiro dia que fiquei em casa, pensei: "Tenho que fazer alguma coisa". E fui olhar os livros. Achei um do (Charles) Bukowski que eu queria ler há um tempão. Terminei em três dias. É um livro de cerca de 180 páginas, e li mais ou menos 50 por dia. Já comecei outro, e estou lendo todos os dias. Acho importante conhecer ideias de outras pessoas. Também estou fazendo um curso de inglês que tinha ganhado no começo da faculdade e nunca havia começado. Mandaram um e-mail avisando que ele estava disponível, e agora estou fazendo as aulas dia sim, dia não."
Reformei um cômodo da casa
Cristiana Felicio, 43 anos, bióloga
"Gosto de transformar as coisas da casa. Acho um desperdício jogar fora coisas que ainda podem ter utilidade. Tinha separado algumas cadeiras para trocar o forro nas férias de dezembro, mas fui viajar e elas ficaram lá, empilhadas. Durante a quarentena, meu trabalho reduziu bastante e pude terminar o que tinha começado. Limpei, tirei o forro e pintei as cadeiras. Como agora meu filho está em casa o tempo todo, resolvi transformar um ambiente que uso como home office para que ele tivesse mais espaço, e eu também. Procurei vídeos que ensinavam a colocar rejunte nas cerâmicas, que estavam antigas, pintei a parede e instalei uns varões para cortina. Não tem muito mistério. No YouTube, tem muita coisa boa, e de graça, só tem que procurar as fontes confiáveis. Olhava sempre mais de um vídeo, colocava uma música, fazia um chazinho. E assim os dias vão passando. Percebi que é bom ter alguma coisa que gaste energia para suprir um pouco a falta da rua. Nós sempre saímos muito, para correr, para caminhar, para ir ao parque. Fazer isso é uma forma de se movimentar em casa, subindo e descendo, limpando as coisas. E, sem gastar muito, consegui fazer uma coisa que deu resultado."