"Não existe quem não tenha sido influenciado pelo baque e não recapitule as suas prioridades. Todos perderão. Todos terão prejuízos. Isso é certo, o que ainda não prevemos é como reagiremos com as consequências por dentro de nós. Ofereço o que posso: o meu colo sincero e honesto."
É assim que Fabrício Carpinejar encerra a apresentação de seu 45º livro, Colo, por Favor! – Reflexões em Tempos de Isolamento. Lançada pela Editora Planeta, a obra de 176 páginas está saindo primeiro na versão e-book (R$ 24,90). Até o final deste mês, deve estar disponível em formato físico (R$ 39,90) em lojas online.
No livro, o escritor e poeta gaúcho desenvolve 40 aforismos para os tempos de coronavírus. Tipo: "A esperança é a nossa maior coragem, acreditar mesmo sem saber o que virá" e "Se não posso ir para fora, caminho para dentro de mim".
Para Carpinejar, "é no fundo do poço que encontramos a nossa humildade, as pedras mais bonitas, as palavras mais corajosas". Gentileza será uma arma ("Você, que perde tempo na internet para deixar comentários afáveis nas páginas de quem não conhece, salva o mundo sem saber"), e fazer o certo trará paz de espírito em um momento de turbulência. A família não pode mais ser "um lugar de passagem, um lar-dormitório" – "Que sejam reinaugurados o almoço e o jantar dentro de casa, com direito a sobremesa e cafezinho". E que, num futuro o mais próximo possível, a gente aceite com exclamação infantil os convites para passear, que a gente perca o tempo no bar com os amigos, que a gente se demore nos beijos e nos abraços, que a saudade de tudo nos faça melhor do que antes.
Todos os textos foram gestados a partir do momento que a pandemia se instalou no Brasil.
— Eu fiquei sem nada para fazer, fui interditado — conta Carpinejar, que viu sua agenda de eventos suspensa e, nos últimos meses, conviveu com a ameaça da morte: o pai de sua esposa, Beatriz, está internado em um hospital, por conta de um infarto, e uma tia do escritor, Cléa, de 83 anos, teve covid-19, mas agora já vai se recuperando, em casa.
Nesse contexto, Carpinejar, 47 anos, diz que resolveu fazer o que os escritores fazem:
— Escrever para entender o que está acontecendo. Não temos vacina contra a covid-19, mas podemos ter uma contra o medo.
O autor frisa que seu remédio é caseiro. Foi feito a partir do seu ponto de observação, é um ensaio autobiográfico. Ele não quer generalizar, mas se permite dar alguns conselhos:
— O salto civilizacional seria aderir a higiene física à mental, ou seja, desinfetar as preocupações, passar álcool gel nos pensamentos, manter um metro e meio metro de distância quando as coisas não estão chegando a um consenso, tomar um banho de gentileza.
"Vamos fazer um juízo final individual"
De Belo Horizonte, onde mora há cerca de três anos com a advogada Beatriz, Fabrício Carpinejar concedeu a seguinte entrevista, por telefone:
Como está sendo a sua quarentena?
Eu preencho os dias com as tarefas pequenas. Fazer café, regar as plantas, cozinhar, ler. Ali pelas seis da tarde, jogo umas partidas virtuais de general (jogo de dados) com os filhos (Mariana, 26 anos, e Vicente, 18, ambos morando em Porto Alegre). Comecei a praticar aquilo que a minha mãe já fazia antes da pandemia: a ronda telefônica. De manhã, ligo para meus pais (os escritores Carlos Nejar e Maria Carpi), que acordam cedo. Tenho dois amigos com quem só posso falar depois do almoço, porque o bom humor só aparece de tarde.
Por que estamos precisando de colo?
Muita gente está sofrendo mais, precisa do cafuné também. O colo é a vigília, é a segurança da criança, é a extrema confiança. Deitar nossas reservas e relaxar. Ninguém está conseguindo relaxar. Nem os que estão acompanhados. Porque estamos com arranjos familiares, é apenas parte da família. Não tive tempo de resgatar minha mãe, ela teve de ficar sozinha em Porto Alegre.
A brevidade da vida chama vocações mais sinceras. Será um tempo para mentir menos.
Seu livro está impregnado de otimismo. É possível ser otimista?
A esperança é otimista. Acho que a gente vai se essencializar. Daí a metáfora do poço. Vamos fazer um grande julgamento pessoal, um juízo final individual. Vamos saber que amigo é leal, o que realmente nos agradava. O que nos faltava era tempo? Agora a gente tem todo o tempo do mundo. Era vontade o que faltava. Vamos fazer as nossas tarefas mais por prazer do que para combater as adversidades. Se tu faz aquilo que ama, vai fazer independentemente da circunstância. A brevidade da vida chama vocações mais sinceras. Será um tempo para mentir menos.
Você fala bastante de renúncia, no livro: "Não resistiremos acumulando opções. Não escaparemos sem nos despedir das maiores alegrias". Agora falou de juízo final. A associação com Jesus é reforçada pela ideia dos 40 aforismos, como em 40 dias e 40 noites. Considera-se religioso?
Todos na pandemia são religiosos. É uma religiosidade emocional. Você está preocupado realmente com quem você gosta. Agradece o dia em que não aconteceu nada de ruim, e não mas o dia em que aconteceu algo de bom.
Que ser humano pode emergir da quarentena?
A gente precisa enfrentar a solidão, e enfrentar a solidão é não somente descobrir como você se enxerga, mas como os outros o enxergam. É uma grande diferença. Vivíamos, antes, na vaidade externa. Buscávamos recompensa, conforto, aplauso. Agora, a gente vai precisar de outros estímulos, muito mais resistentes. Como a confiança, a beleza da confiança. Sentir-se bonito e não esperar o elogio. Antes, se você perdia o emprego, você poderia ficar ofendido. Agora não, você sabe que é um problema coletivo. Você não sai mais batendo a porta. Sai se despedindo. A gente vai valorizar mais o trabalho do que o emprego, que é transitivo. É tipo o que são os seriados: trabalham por temporadas. A gente vai ter de pensar por temporadas. Antes, era natural que em um casal os dois tivessem um emprego. Hoje, mais provável que haverá alguém na rua e outro na retaguarda doméstica, que é um trabalho igual.
O título de um dos textos é "Reclamar só atrai os chatos", em que você escreve: "Com a chuva na cara, as lágrimas não serão reparadas". Vamos aprender sobre do que vale a pena reclamar?
Sim! (risos). Você reclama para se sentir diferente, para dizer que está sofrendo mais do que os outros, para sinalizar um peso exagerado nos ombros. Mas acabou essa individualidade. Não tem mais como dizer "Olha o que aconteceu comigo". Aconteceu com todo mundo. A gincana da infelicidade acabou.
Um de seus temas mais frequentes é o amor, os relacionamentos. Como você vê o impacto da pandemia nesse território?
Estamos solitários. mas estamos confinados com outras pessoas. O que é mais grave não é a convivência se desgastar, mas você perder a solidão. Se você está com uma outra pessoa, ela pode te chamar a todo instante. Você precisa criar momentos em que está realmente sozinho. Pode ser qualquer coisa, ler, jogar, até conversar com outras pessoas. A solidão não é necessariamente silenciosa. Depois da quarentena, deve haver uma onda de amor. As pessoas acham que, na hora em que acabar tudo isso, todo mundo vai para a balada. Pode até ser, mas vai já pensando em se preparar para o próximo recolhimento. Haverá uma necessidade de estar com alguém. Como no Baby Boom, após a Segunda Guerra Mundial, as pessoas que queriam ter filhos vão ter filhos. Já que as carreiras estarão em decurso, a parte afetiva ganhará destaque. Em nome de um equilíbrio interno, aquela pessoa que priorizava carreira vai priorizar a família.