Durante as três semanas em que permaneceram internados lutando contra a covid-19, ainda que em leitos próximos, os irmãos Dário Carlos Petersen, 73 anos, e Lila Yelda Petersen Dias da Costa, 87 anos, só tinham notícias um do outro pelas enfermeiras. Na manhã desta quarta-feira (29), após vencer o coronavírus, eles saíram da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre de mãos dadas e aplaudidos pela equipe médica.
O comerciário Dario e a professora Lila, ambos aposentados, moram em Porto Alegre e testaram positivo para a covid-19 no final de março, após terem passado por São Paulo ao retornarem de uma viagem ao Nordeste. Viajaram entre três irmãos e todos apresentaram sintomas juntos no retorno do passeio, mas Neda Petersen, 79 anos, não precisou ser internada.
O trio mora junto e, até a internação, era acompanhado por teleconsulta pelo pneumologista da Santa Casa Luciano Corrêa da Silva. Cinco dias após o diagnóstico, Dário teve piora no quadro e foi hospitalizado. Três dias depois, o mesmo aconteceu com Lila.
— Cheguei a dar antibiótico, mas ele piorou e precisou internar. Dona Lila, quando internou, já sete dias após o diagnóstico, estava nauseada, prostrada e com outra infecção bacteriana secundária — explica o médico.
Dário ficou hospitalizado por 23 dias. Chegou à Santa Casa em 6 de abril e precisou ir para a unidade de tratamento intensivo (UTI) no dia 14, onde permaneceu por seis dias. Lila internou em 9 de abril, e foi encaminhada para UTI no mesmo dia que o irmão, onde ficou três dias.
Durante esse período, ambos estavam internados no Pavilhão Pereira Filho, hospital do complexo da Santa Casa isolado para atender casos confirmados e suspeitos de covid-19. Por não estar entre as duas referências da Capital de atendimento ao coronavírus – Hospital de Clínicas e Conceição –, a Santa Casa tem um fluxo de pacientes menor mas se prepara para ampliar o número de leitos de UTI nas próximas semanas.
Não é tanto o coronavírus que mata, mas a sobrecarga do serviço de saúde. Pacientes graves precisam ter o atendimento que merecem. Isso graças às pessoas que colaboraram com o isolamento social, uso de máscaras e higiene das mãos, tudo isso dá mais condições de atender as pessoas como merecem e a chance de sobrevida é maior.
LUCIANO CORRÊA DA SILVA
Pneumologista da Santa Casa
Ao deixar o hospital ao lado do irmão, Lila agradeceu emocionada à equipe:
— Gratidão para todos vocês que nos ajudaram a passar estes dias com menos dificuldade, com uma palavra de carinho, com uma palavra de conforto e de estímulo. Que vocês sigam conseguindo fazer o bem. Nossa eterna gratidão.
Embora tenham tido diagnóstico da doença ao mesmo tempo, o quadro de saúde dos irmãos era distinto. Dona Lila não tem nenhuma doença prévia, mas ainda assim o vírus atingiu todo seu pulmão:
— Faltou pouco para ela ser entubada. Ficou dias na UTI em oxigênio e depois chegou a ter nova piora — explica o médico.
O caso de Dário era o mais grave, com bronquite crônica e enfisema pulmonar.
— Foi fumante a vida inteira e só tem 20% da capacidade do pulmão. Não precisou ser entubado e foi embora bem — detalha o pneumologista.
Ambos foram tratados com antibióticos e por todo período de internação se mantiveram confiantes. O pneumologista considera uma vitória a recuperação da dupla:
— Foi surpreendente os dois terem saído ao mesmo tempo e bem. É como ver uma pessoa nascer de novo. Nos enche de emoção e alegria. Ainda mais o Dário, com pulmão tão doente, a gente não espera um desfecho tão favorável. É como vencer uma olimpíada.
Para o profissional, o episódio reforça a importância de o sistema de saúde não estar sobrecarregado, o que permite um atendimento adequado:
— Isso faz a diferença. Não é tanto o coronavírus que mata, mas a sobrecarga do serviço de saúde. Pacientes graves precisam ter o atendimento que merecem. Isso graças às pessoas que colaboraram com o isolamento social, uso de máscaras e higiene das mãos, tudo isso dá mais condições de atender as pessoas como merecem e a chance de sobrevida é maior.
Não é brincadeira. É uma sensação que não desejo a ninguém. Só quem passou entende. É uma situação em que você se vê, de numa hora para outra, na UTI. É uma doença que te tira o raciocínio, te deixa completamente fora da casinha. É uma situação muito diferente de tudo que já passei.
LILA YELDA PETERSEN DIAS DA COSTA
Professora aposentada
Já em casa, no final da tarde desta quarta-feira, Lila disse à reportagem, por telefone, que pretende passar uma mensagem de fé, de confiança em Deus e na equipe médica. Também pediu que cada um faça sua parte e procure se proteger.
— Não é brincadeira. É uma sensação que não desejo a ninguém. Só quem passou entende. É uma situação em que você se vê, de numa hora para outra, na UTI. É uma doença que te tira o raciocínio, te deixa completamente fora da casinha. É uma situação muito diferente de tudo que já passei — afirma a professora.
Segundo o médico, os irmãos foram os pacientes que ficaram mais tempo internados na instituição com covid-19:
— Eles tinham uma enfermaria inteira só para eles. Duas, três técnicas de enfermagem em cima deles o tempo todo, observando qualquer piora. Também cuidados de alimentação e fisioterapia pulmonar.
Silva defende a importância da manutenção do distanciamento social e explica que, com um nível de sobrecarga maior no hospital, não há como o médico estar de olho em todos os sinais e sintomas do paciente.
— Se a pessoa chegar hoje na Santa Casa, como nossa taxa de ocupação é mínima, poderá ter certeza de atendimento adequado. Agora, se houver uma grande sobrecarga, não se pode garantir nada. Isso faz toda a diferença. A pior coisa é chegar no hospital e morrer por falta de leito e respirador.
A alta dos irmãos Petersen também espalhou motivação entre a equipe. Para a enfermeira Aimeé Lersch, acompanhar a evolução clínica dos dois pacientes, ambos no grupo de risco, mostra que os profissionais têm exercido a profissão com qualidade e segurança:
— Para nós, representa que conseguimos prestar assistência de enfermagem, médica e fisioterapêutica de eficiência.