O sonho de criança virou realidade e, em Paris, Lorena é a goleira da Seleção Brasileira na busca pelo ouro olímpico. O que começou como brincadeira, na rua com os meninos, a transformou na melhor da posição no país e em um dos pilares defensivos da Canarinho.
Se hoje é realidade, na infância parecia tudo utópico. Quando assistia aos jogos da Seleção com a avó Vera e o avô José, em Ituverava, no interior do São Paulo, já verbalizava o desejo de disputar grandes eventos com a camisa brasileira. Mas, à época, parecia muito distante.
— Eu tinha uns 12 anos e passava alguns jogos do Brasil na televisão e ela (avó Vera) conta que eu estava sentada no sofá e falei: "Vó, a senhora ainda vai me ver jogando na Seleção". Ela sempre foi meu pilar para eu virar jogadora. Me incentivou a seguir meu sonho — relembra Lorena em exclusiva ao Grupo RBS.
Dos anseios de criança à primeira convocação, em agosto de 2021, muitas mudanças na vida de Lorena. Incluindo a posição. No começo, atuava como zagueira e até chegou a jogar como atacante. Mas um imprevisto em um campeonato na rua fez com que tivesse de se arriscar no gol.
— Eu comecei a jogar na zaga e me aventurava no ataque também, jogava na linha. E estávamos jogando um torneio valendo refrigerante, que naquela época era muito importante para a gente (risos): jogar no sabadão e tomar um refri. E no dia da final a mãe do goleiro não quis deixar ele ir. Aí chegou lá e ninguém queria ir pro gol. Então, eu falei: "Eu vou, mas vocês vão lá frente e façam o gol" — complementou, em entrevista ao podcast Resenha das Gurias:
— Aí fiz umas duas, três defesas, eles comemoravam comigo cada uma delas. E eu comecei a sentir uma coisa diferente nessa vibração, nessa confiança deles. No final, fomos campeões. E os meninos não quiseram mais deixar eu sair do gol. Fui jogando, fui pegando gosto, ai peguei meu primeiro pênalti, os meninos pularam em cima de mim e depois disso mudou tudo.
Até hoje, esse é um de seus diferenciais. Nos Jogos de Paris, defendeu duas penalidades. A primeira contra o Japão, ainda na fase classificatória. O segundo diante da França nas quartas de final.
— Ela tem um poder de decisão muito rápido. Apesar de também estudar as cobradoras, às vezes não adianta só isso. Tu precisas estar apto na hora de agir, de ter esse poder decisivo da leitura, do gesto corporal também. Isso é questão de milésimos de segundos. E ela tem esse dom, que a diferencia — avalia a preparadora de goleiras do Grêmio, Sol Farias.
O início da carreira
Seu primeiro clube foi o Bangu, quando tinha 14 anos. Depois, ainda passou por Centro Olímpico e Sport antes de chegar ao Grêmio. E logo que desembarcou em Porto Alegre já chamou a atenção e mostrou que tinha potencial para brilhar.
— Lembro dela, quando chegou aqui, bem tímida. Mas sabe quando tu enxerga que aquela atleta vai te dar bons frutos? Naquela temporada, precisávamos subir (para a Série A-1 do Brasileirão) e conseguimos com a ajuda dela. A Lorena, para mim, é uma atleta exemplar, sempre foi muito compromissada, tanto dentro de campo, quanto fora. Por isso está onde está hoje — ressalta Sol.
Ao longo de seis temporadas com a camisa tricolor, ela conquistou um título do Gauchão. E pela Seleção teve a oportunidade de disputar a Copa América de 2022, ser campeã, terminar sem sequer sofrer gols e ser eleita a melhor da posição.
— Esse troféu de melhor goleira tem um significado muito especial e com certeza eu vou guardar com muito carinho. Só tenho a agradecer, é o primeiro título de muitos — disse depois de ser eleita a melhor goleira da Copa América.
Quando estava no auge, consagrada no Grêmio e segura na Seleção, Lorena passou pelo momento mais difícil carreira: às vésperas da Copa do Mundo, rompeu o ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho esquerdo e ficou fora da competição. Foram cerca de 10 meses até voltar a atuar.
— Para mim foi muito difícil, foi uma lesão que a minha família me ajudou muito a superar, porque veio numa grande fase, então eu não esperava, e acho que foi tudo fruto de um processo de aceitação. Todo atleta que rompe o LCA tem que passar pelo primeiro processo que é de aceitar que tem de ficar um ano parado, porque é muito difícil aceitar que é uma cirurgia que por vários momentos te engana. Tu começas a andar, aí tu pensas que está bem, começa a fazer academia, aí já bate aquela ansiedade de "quero voltar logo", e não é bem assim. Tem todo um protocolo que você tem que seguir — afirmou a goleira.
Aos poucos, Lorena foi reconquistando seu espaço no Grêmio e na Seleção Brasileira. E, agora, tem sido um dos personagens da equipe brasileira em Paris. O sonho de criança será realizado, e as dificuldades passadas serão incentivos para buscar o ouro inédito. O Brasil enfrenta os Estados Unidos, no sábado (10), pela decisão olímpica.