Mesmo que não supere, em Tóquio, o número de medalhas de ouro de Londres 2012 (21), os brasileiros estão a uma de igualar a quantidade de primeiros lugares e já se consolidaram no top 10, no Japão. Campanhas similares se repetem desde Pequim 2008, quando entrou pela primeira vez no hall das nações que mais vezes sobem no pódio — na ocasião, foi 9º.
Ficar nas primeiras posições do ranking era uma das metas do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). A ambição se repetirá nas próximas Paralimpíadas, em Paris 2024, e Los Angeles 2028. As perspectivas só mudam para Brisbane, em 2032, quando existe a pretensão de adentrar o top 5. A diferença em Tóquio para a Ucrânia, a quinta colocada, até o momento, é de quatro medalhas de ouro.
Mas como o Brasil conseguiu se firmar como uma potência paralímpica enquanto, há anos, patina para ter um crescimento significativo nas Olimpíadas? A explicação pode ser baseada em quatro pilares que permeiam o esporte paralímpico brasileiro: suporte financeiro, estrutural, da mídia e na formação de novos atletas.
A Lei Agnelo/Piva, responsável por reger o esporte olímpico do Brasil, também é a principal fonte de renda do CPB. Através dela, 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais do país são repassadas ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e ao CPB. Atualmente, o percentual já aumentou 0,7% e o Comitê Paralímpico tem direito a 37,04%. Isso acontece desde 2003, um ano antes de Atenas. Na Grécia, o país entrou pela primeira vez no top 15, o que começou a alavancar os brasileiros a ascenderam no quadro de medalhas.
— Eu considero que a parte financeira seja a principal razão para a transformação do Brasil em potência paralímpica. O dinheiro proveniente da Lei Agnelo Piva possibilita um trabalho de muita qualidade. No entanto, não é só receber o recurso, mas também saber gerir esse valor que entra nos cofres. Agregado a isso tem o Bolsa Atleta, que é um suporte financeiro que traz qualidade e faz o atleta se preocupar apenas com o necessário — explica Vinicius Denardin, doutor em ciências do movimento humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro pesquisador da Academia Paralímpica Brasileira.
Um dos maiores programas de auxílio financeiro para atletas no mundo, as bolsas citadas por Vinicius foram implementadas em 2004. Elas buscam estimular a manutenção dos esportistas de alto rendimento em todos os níveis. Foram criadas categorias para determinar qual o valor será pago para cada atleta.
O planejamento garante condições mínimas para que os atletas paralímpicos se dediquem com exclusividade aos treinamentos e competições. Conforme levantamento do pesquisador, 95,7% da delegação brasileira em Tóquio é beneficiada pela Bolsa Atleta, e 57,2% dos atletas têm direito à Bolsa-Pódio, categoria que paga o maior valor.
Aliado a isso, existe o patrocínio de empresas privadas, algo incomum até pouco tempo atrás, quando o esporte paralímpico ainda não era entendido pelos patrocinadores "comuns" como uma atividade de alto desempenho.
— Estamos no caminho certo. Falando em crescimento, a minha modalidade cresceu bastante, principalmente após o meu resultado em Londres, depois veio o Rio e agora Tóquio. Depois de um período complicado (pandemia), a importância do patrocínio, do investimento, é fundamental. Isso nos ajudou muito para chegar nas Paralimpíadas. Se não existe o apoio, fica difícil chegar na classificação para os Jogos. Tudo é muito caro, material, viagem. Atleta de alto desempenho tem que ter um suporte e graças a deus isso está se refletindo nos nossos resultados — explica Jovane Guissone, medalhista de ouro em 2012 e de prata em Tóquio, na esgrima em cadeira de rodas.
Somado ao incentivo financeiro maior há quase 20 anos, a estrutura para o paradesporto brasileiro ganhou um importante componente. Inaugurado em maio de 2016, o Centro de Treinamento Paraolímpico Brasileiro tem instalações esportivas indoor e outdoor que servem para treinamentos, competições e intercâmbios de atletas e seleções em 15 modalidades. O local é conceituado como um dos melhores do mundo quando se fala a respeito do esporte de alto rendimento. Também é considerado um dos maiores legados das Paralimpíadas do Rio de Janeiro.
— Com certeza, isso é peça-chave no bom desempenho brasileiro nos Jogos. As seleções treinavam em lugares diferentes, a logística era sempre muito complicada, mas agora ali no CT tudo fica reunido, todas as fases de treinamento — completa Vinicius.
O bom desempenho e o legado são reconhecidos pelo presidente do Comitê Paralímpico Internacional (CPI), o brasileiro Andrew Parsons.
— A campanha do Brasil é incrível, uma renovação muito boa, com atletas em sua primeiro Paralimpíada, ganhando medalhas de ouro, mais modalidades ganhando medalha, mais modalidades ganhando ouro, um desempenho extraordinário. É um orgulho, minha posição exige neutralidade, mas claro que aqui bate um coração verde e amarelo, fico orgulhoso por ter a continuidade do trabalho, com mais recursos, com o centro de treinamento, mostrando um legado de que o movimento paralímpico aproveitou muito bem a oportunidade dos Jogos em casa, no Rio de Janeiro, em 2016 — disse com exclusividade à reportagem de GZH.
O cenário ganha ainda mais elementos com uma união muito conhecida no Brasil. Com a maior divulgação de modalidades e de atletas na mídia, mais interesse se cria relacionado ao esporte paralímpico e mais jovens, com deficiência, percebem que podem ter um caminho como um esportista de alto desempenho.
A exclusão social sofrida pelos deficientes também desempenha um papel importante. Para driblar a pouca inserção na sociedade, muitos buscam no esporte uma maneira de ter sucesso, reconhecimento e aceitação. O trabalho da imprensa ganha mais notoriedade nesse sentido e na formação de novos atletas, como são os casos de Gabriel Bandeira, de 21 anos, e do xará Gabriel Araújo, de 19, que se inspiraram em Daniel Dias, maior medalhista paralímpico da história do Brasil e que se aposentou em Tóquio.
— A gente trabalha na construção de referências, de dar cara à dimensão que o Brasil tem nas Paralimpíadas, de fazer conhecer os nomes. Daniel (Dias) parou, mas quem vem para substituir ele? Ah, tem o Gabriel Bandeira, o Araújo, a Carol Santiago. Aos poucos, você vai criando profundidade no esporte e criando narrativas sobre esses atletas — explica Sérgio Arenillas, narrador do Grupo Globo que trabalhou durante os Jogos Paralímpicos.
O interesse despertado pela maior divulgação faz com que as competições de base no Brasil tenham um aumento nos participantes. Em 2019, as Paralimpíadas Escolares receberam cerca de 1,2 mil estudantes de todo o país. O evento teve a sua primeira edição em 2009. Este é a maior competição mundial para crianças com deficiência em idade escolar, conforme o CPB. Talentos do paradesporto brasileiro já passaram pelas Escolares, como os velocistas Alan Fonteles, ouro em Londres 2012, Verônica Hipólito, prata no Rio 2016, e Petrúcio Ferreira, recordista mundial nos 100m e atual bicampeão paralímpico na mesma prova (classe T47).
O caminho pode ser longo (a primeira participação brasileira nas Paralimpíadas foi em 1972, quando não conquistou nenhuma medalha), mas, com investimento e incentivo, os resultados surgem e podem ser cada vez mais aprimorados. Que Paris seja ainda melhor do que foi e está sendo Tóquio.