A comunidade esportiva mundial respira em suspense nesses últimos dias de 2019. Segunda maior potência olímpica da história, com 543 ouros e 1.436 medalhas no total (incluindo o legado da extinta União Soviética), a Rússia está seriamente ameaçada de exclusão dos Jogos de Tóquio e também das principais competições de diferentes modalidades nos próximos quatros anos, incluindo a Copa do Mundo do Catar, em 2022.
É mais um capítulo do escândalo que eclodiu em dezembro de 2014, quando um documentário alemão revelou a existência de esquema de doping acobertado por autoridades russas para turbinar o desempenho de seus atletas. Sanções à fraude já esvaziaram um terço da delegação da Rússia no Rio, em 2016, e tiraram a equipe do país das duas últimas edições do Mundial de Atletismo.
O chamado dossiê russo foi uma das principais pautas debatidas pela comissão executiva do Comitê Olímpico Internacional (COI), reunida em Lausanne (Suíça) nos últimos três dias. Na segunda-feira, a Agência Mundial Antidoping (Wada) deve anunciar seu veredito – na semana passada, um comitê independente do órgão recomendou a suspensão ao sustentar que autoridades russas manipularam resultados de exames de atletas flagrados no antidoping.
Se às vésperas da última Olimpíada o COI delegou a decisão de liberar ou proibir os atletas às confederações internacionais de cada modalidade (mesmo com 118 russos impedidos de competir, o país foi o quarto colocado no quadro geral do Rio, com 56 medalhas, 19 delas douradas), desta vez é aguardada postura mais rigorosa do comitê. Mas o tema é sensível e mexe com interesses conflitantes. Por um lado, a trapaça no esporte é repudiada por atores influentes do olimpismo, mas não pode ser desconsiderado a força do lobby de quem encontra na pátria de Vladimir Putin o destino de grandes – e lucrativos – eventos esportivos que poucas nações têm condições de patrocinar.
O presidente de uma federação ouvido pela agência de notícias AFP nesta semana revelou preocupação com as possíveis sanções.
– Temos Mundial de juniores na Rússia em 2020 e profissional em 2021, todos os contratos foram assinados – admitiu o dirigente, que pediu anonimato.
Putin e os principais dirigentes esportivos de lá rebatem as acusações e dizem que o país é vítima de um complô. Vale lembrar que, se a suspensão for confirmada, a Rússia ainda poderá apelar da decisão ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS).
O fato é que, seja qual for o desfecho desse roteiro nebuloso, a ética do esporte já foi derrotada há muito tempo.
Ouro sem hino
Uma das principais forças olímpicas, a Rússia costuma colecionar medalhas em modalidades como ginástica, judô, lutas, esgrima, natação e atletismo, entre tantas outras. Mesmo que o país seja impedido de participar dos Jogos, alguns atletas ainda alimentam a esperança de competir sob bandeira neutra, ou seja, sem representar seu país no evento. Para isso, têm de comprovar que estão "limpos", submetendo-se a programas independentes de controle de doping.
Foi o ocorreu, por exemplo, com Mariya Lasitskene, atual tricampeã mundial do salto em altura. Nas edições dos Mundiais de atletismo de Londres 2017 e Doha 2010, a russa de 26 anos e 1m80cm foi aceita nas disputas e faturou o ouro, mas não pôde ouvir o hino russo no topo do pódio.