Sábado, 29 de julho de 2017, penúltimo dia do Mundial de Esportes Aquáticos de Budapeste. Em menos de duas horas, os fãs de natação assistiriam a uma façanha até então não alcançada nem mesmo por Michael Phelps. Então com 20 anos, Caeleb Dressel conquistaria três medalhas de ouro em um mesmo dia – nos 50m livre (vencendo o brasileiro Bruno Fratus, prata na prova), nos 100m borboleta e no revezamento 4x100m livre.
Ao final da competição na Hungria, o americano contabilizaria sete títulos mundiais, igualando a marca registrada uma década antes pelo compatriota que se consagrou como o maior campeão olímpico da história.
Dois anos depois, também no último sábado de julho, Dressel repetiria a proeza, desta vez em Gwangju, ao subir ao topo do pódio nas mesmas três provas no intervalo de 1h54 minutos (e outra vez superando Fratus na final dos 50m livre). Para incrementar esse incrível roteiro, o nadador – que na véspera havia pulverizado o recorde de Phelps na semifinal de uma das distâncias favoritas do superastro das piscinas, os 100m borboleta – fechou o Mundial da Coreia do Sul com seis ouros e duas pratas, o maior número de medalhas obtidas em uma mesma edição de Mundial.
Somando com as seis medalhas douradas que conquistou no Mundial de piscina curta de 2018, disputado em Hangzhou, na China, em 2018, o nadador já soma 19 ouros e 24 no total. Phelps tem 27 ouros em Mundiais (34 medalhas no total).
Justamente no ciclo olímpico seguinte à aposentadoria de Phelps, ninguém brilhou tanto quanto seu ex-colega de equipe de natação dos EUA, com quem dividiu o espaço no pódio em duas provas de revezamento na Olimpíada de 2016. Se no Rio Dressel ainda era um tímido coadjuvante que foi amparado pelo multicampeão ao se emocionar com os ouros dos 4x100m livre e 4x100m medley, em Tóquio o jovem atleta nascido em uma pequena cidade da Flórida desembarcará no papel de principal candidato a papa-medalhas dos Jogos.
Depois do Mundial deste ano, o próprio Phelps alimentou as expectativas de quem acredita nas chances de testemunharmos em 2020 a reprise de seu feito de 2008, quando faturou oito medalhas douradas em Pequim.
– Ele (Dressel) vai precisar ser perfeito se quiser oito ouros em Tóquio 2020. Se ele não se importar com o quão difícil vai ser, o quanto terá de trabalhar, quanta dor está disposto a colocar em seu corpo, poderemos ver isso – disse à agência de notícias AP.
Comparações
Embora considere inevitáveis as comparações com o ex-nadador, o novo fenômeno do esporte é econômico nas palavras. Ainda em Gwangju, Dressel evitou falar em metas nas piscinas:
– Não vou a competições para contar medalhas.
Há paralelos nas duas trajetórias, é verdade, mas é necessário traçar algumas diferenças entre eles. Phelps era um nadador mais completo, que se destacava em diferentes estilos e distâncias. Em Pequim, por exemplo, conquistou cinco de seus oito ouros em disputas individuais: 200m livre, 100m e 200m borboleta e 200m e 400m medley – nesta última prova, que reúne os quatro estilos da natação, ainda é o detentor do recorde mundial, estabelecido nos Jogos de 2008.
Dressel, por sua vez, desponta nas provas mais rápidas. Em Gwangju, venceu os 50m e 100m livre e os 50m e 100m borboleta. Mas vale lembrar que 50m borboleta não é distância olímpica, Isso ocorre também em outra prova em que "medalhou" nos dois últimos Mundiais, o revezamento misto dos 4x100m livre. Portanto, são dois pódios a menos na contabilidade dos Jogos.
Independentemente das projeções para Tóquio 2020, Dressel impressiona até mesmo quem se habituou a fazer história nas mesmas provas. Perguntei a Cesar Cielo, que colecionou medalhas em Mundiais e Olimpíadas nos 50m e 100m livre (até hoje é recordista nestas duas distâncias) e nos 50m borboleta, o que mais lhe chama atenção no velocista de 23 anos.
O nosso campeão olímpico destacou sua performance em dois pontos cruciais das competições, na partida e na virada da piscina, quando abre vantagem ainda embaixo d'água.
Ele apresenta uma saída e um submerso fora da curva. Tem uma ondulação eficiente e rápida
CESAR CIELO
Sobre Caeleb Dressel
– Ele apresenta uma saída e um submerso fora da curva. Tem uma ondulação eficiente e rápida, e isso carrega para o início do nado um pico de velocidade muito mais alto do que os outros atletas – diz Cielo, que competiu com o americano na final da prova mais veloz da natação no Mundial de 2017, os 50m livre.
Agora resta esperar quantos ouros Dressel será capaz de pendurar no pescoço em julho do ano que vem.
AS MEDALHAS DE DRESSEL
Jogos Olímpicos do Rio 2016
Ouro (2): 4x100m livre e 4x100m medley
Mundial de Budapeste 2017
Ouro (7): 50m livre, 100m livre, 100m borboleta, 4x100m livre, 4x100m medley, 4x100m livre misto e 4x100m medley misto
Mundial de Gwangju 2019
Ouro (6): 50m livre, 100m livre, 50m borboleta, 100m borboleta, 4x100m livre e 4x100m livre misto
Prata (2): 4x100m medley e 4x100m medley misto
Mundial de piscina curta de Hangzhou 2018
Ouro (6): 100m livre, 4x50m livre, 4x100m livre, 4x100m medley, 4x50m livre misto e 4x50m medley misto
Prata (3): 50m livre, 100m borboleta e 4x50m medley
RECORDES
50m livre
1º) Cesar Cielo: 20s91 (18/12/2009)
3º) Caeleb Dressel: 21s04 (27/4/2019)
100m livre
1º) Cesar Cielo: 46s91 (30/7/2009)
3º) Caeleb Dressel: 46s96 (25/7/2019)
50m borboleta
1º) Andrii Govorov: 22s27 (1º/7/2018)
2º) Caeleb Dressel: 22s35 (22/7/2019)
100m borboleta
1º) Caeleb Dressel: 49s50 (26/7/2019)
2º) Michael Phelps: 49s82 (1º/8/2009)
Tradição de multicampeões
A passagem de bastão de um supercampeão para outro é rotina para a natação americana. De Mark Spitz (sete ouros em Munique 1972) até chegar a Phelps (23 ouros em quatro Olimpíadas), nenhuma outra potência olímpica gerou tantos múltiplos medalhistas na modalidade. Na história dos Jogos, 15 nadadores dos EUA (10 homens e cinco mulheres) levaram para casa pelo menos cinco medalhas douradas, em uma ou mais edições do evento.
Apenas a alemã Kristin Otto (seis ouros), o australiano Ian Thorpe e a húngara Krisztina Egerszegi (ambos com cinco) cantaram tantas vezes o hino de outras nações no pódio. No quadro geral histórico da natação nos Jogos, os EUA somam 246 ouros, quatro vezes mais do a Austrália (60), a segunda força.
Um fator que impulsiona o país nas piscinas é o alto nível do Campeonato Universitário Americano, o NCAA, que atrai inclusive talentos de outros países. Como os brasileiros Gustavo Borges e Cesar Cielo, que ganharam bolsas de estudos e representaram universidades de lá.
– O esporte americano tem uma grande cultura competitiva, não é só na natação. A infraestrutura ajuda, todos os Estados têm excelentes piscinas para as pessoas treinarem. Tudo funciona para que grandes atletas saiam de lá – atesta Cielo, que competiu pela Universidade de Auburn, no Alabama.
Ouro em Olimpíadas é com eles(as)
Michael Phelps (2004-2016) 23
Mark Spitz (1968-1972) 9
Matt Biondi (1984-1992) 8
Jenny Thompson (1992-2000) 8
Amy Van Dyken (1996-2000) 6
Ryan Lochte (2004-2016) 6
Outros nove americanos conquistaram cinco medalhas douradas na história dos Jogos:
Aaron Peirsol, Dana Vollmer, Don Schollander, Gary Hall Jr, Johnny Weissmuller, Katie Ledecky, Missy Franklin, Nathan Adrian e Tom Jager.