Ela não fala "bah", nem "tri", muito menos "tchê". Mas gosta de trinchar um autêntico churrasco gaúcho e garante que, sim, toma chimarrão mesmo longe do Rio Grande. Ela nasceu em Porto Alegre, mas prefere ficar no muro quando indagada se torce por Grêmio ou Inter.
Radicada desde bebê em Kauai, a quarta maior ilha do Havaí, Tatiana Weston-Webb, 23 anos, tornou-se a primeira representante do surfe brasileiro a garantir a classificação para Tóquio 2020, que marcará a estreia da modalidade na Olimpíada.
Estrela de um programa do canal por assinatura Off que acompanha suas viagens pelo mundo ao lado do namorado, o paulista Jesse Mendes, também surfista da elite, Tatiana ficou conhecida no Brasil como a havaiana-gaúcha.
A partir de 2018, virou a gaúcha-havaiana das pranchas. Isso porque deixou de defender a bandeira do arquipélago encravado no meio do Pacífico, o mais remoto dos 50 Estados americanos, considerado pátria à parte no Circuito Mundial.
Mas o Havaí não é reconhecido como nação pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Por isso, para se habilitar a uma das duas vagas aos Jogos que cada país tem direito, foi preciso escolher uma nacionalidade esportiva. Com concorrência menor do lado de cá da Linha do Equador, ela optou pela origens de Tanira Guimarães, sua mãe, uma ex-bodyboarder gaúcha casada com um surfista inglês que escolheu o Havaí como lar.
Antes de seguir para Maui (Havaí), onde será disputada a última etapa da temporada, a partir de 25 de novembro, a atual sétima colocada do ranking mundial aproveitou para visitar o Brasil. Na semana passada, fez uma série de testes físicos e médicos na sede do Comitê Olímpico do Brasil (COB), no Rio de Janeiro.
Com carregado sotaque, mas falando português com desenvoltura, Tatiana conversou por telefone com a coluna No Pódio. Leia a seguir os principais trechos.
O que significa a oportunidade de representar o Brasil na estreia do surfe na Olimpíada?
O sentimento de me classificar para os Jogos foi fora do normal. Sempre foi um sonho meu participar de uma Olimpíada. Achava que nunca iria se tornar realidade. Agora, estou muito animada para representar o Brasil e tentar ganhar a medalha de ouro.
O que representa para o surfe fazer parte, agora, do programa olímpico?
Os Jogos Olímpicos são o ponto mais alto do esporte. Nós, surfistas, não acreditávamos que isso iria acontecer tão rápido. Quando foi anunciado, todos levaram muito a sério, porque é um evento muito grande. Todo mundo conhece a Olimpíada e todos querem estar lá, representando o seu país, ser campeão olímpico. É o maior formato de competição do mundo. Então, é algo muito bom para a nossa carreira. O surfe sempre foi um estilo de vida, mas agora está se tornando cada vez mais sério.
Com a restrição de número de representantes por país, você vê mais chances de subir ao pódio na Olimpíada do que vencer uma etapa do Circuito Mundial, em que há mais concorrentes dos Estados Unidos e da Austrália, por exemplo?
O Brasil tem grande chance porque a gente está bem acostumado com qualquer tipo de onda. Por isso, o nosso país tem a vantagem em Tóquio porque as ondas deverão ser menores. Temos chances de ouro tanto no masculino quanto no feminino.
No circuito masculino, os brasileiros têm sido protagonistas. Como você avalia o futuro do surfe feminino do Brasil? O teu sucesso e o da Silvana Lima podem inspirar mais meninas a surfar?
Isso faz parte do meu sonho, ver o surfe feminino crescer no Brasil. Ter mais patrocinadores, mais apoio para as surfistas, para competições amadoras também, que valem muito aqui no Brasil. Com esse movimento na Olimpíada, todas estão acreditando que o surfe pode dar uma carreira de atleta olímpico, que podem viver como surfista. Quero inspirar as surfistas da nova geração do Brasil a acreditar nelas.
Você decidiu adotar a nacionalidade brasileira no Circuito Mundial no ano passado, de olho na vaga olímpica. Isso gerou críticas, para alguns foi oportunismo. Você sente que ainda há resistência?
Sempre tem o lado bom e o lado ruim para todos os aspectos da vida. Sempre vai ter algumas pessoas que não gostam das coisas que você faz, e vai ter pessoas que acreditam e curtem o que você faz. Quando escolhi o Brasil, foi um fato. Porque sou brasileira. Cresci surfando no Havaí, cresci competindo lá. Mas nunca tive a (necessidade de) escolha (no circuito profissional). Quando tive essa escolha, eu disse: "Vai ser a melhor coisa para mim, já tenho um apoio gigante no Brasil". Quando você olha a capa de um livro, você não sabe a história. Tem de ler o livro inteiro. Às vezes as pessoas não me entendem muito bem, não sabem minha história, mas essa é a minha história. Sou brasileira e queria escolher o país onde nasci.
Quando você vem ao Brasil para participar da etapa do Circuito, qual é o ambiente que você encontra? Qual é a diferença de surfar aqui?
Nossa, aqui a torcida é a melhor do mundo. Sério. Sendo (surfista) brasileiro ou não, sempre foi uma torcida gigante. As pessoas já conheciam a minha história, sabiam que nasci aqui. Antes mesmo de eu virar representante brasileira, sempre tive essa torcida gigante para mim, porque eles sabiam da minha história. Então, quando eu virei (representante brasileira), a torcida ficou 10 vezes maior.
Quais as tuas lembranças mais remotas de Porto Alegre? Tirando o fato de não ter praia, o que você mais gosta da cidade?
O que mais lembro de Porto Alegre era estar com minha vó (Beatriz, falecida em fevereiro de 2018). Era a melhor pessoa do mundo, inteligente, sempre contava histórias para mim. Sinto muito falta dela. E o que sempre lembro... Churrasco (risos). Nossa, o churrasco que rola lá é o melhor da história. Meu tio (Cristiano) faz o melhor churrasco do mundo. Fico muito feliz quando vou lá para comer churrasco. Também lembro que nossa família sempre ia para a fazenda, do lado de Porto Alegre, no Natal. Essas memórias são as melhores da minha vida, nunca vou esquecer, passeava com meus primos, a cavalo. Era muito especial.
Então você cultiva algumas tradições gaúchas. Chimarrão, você também toma?
Nossa, chimarrão, sempre rola, né? Até lá na minha casa, em Kauai. Minha não toma tanto, mas meu tio e minha tia sempre bebiam.
Colorada ou gremista?
Então... É uma "briga" da minha família, né? Não sei... Acho que não dá para escolher porque minha família vai ficar... Essa briga vai levar uma vida inteira, não vou escolher porque não gosto de ficar (no meio dessa) briga.