O campeão está de volta. Cinco meses depois da sua última disputa por medalha, Cesar Cielo retorna às competições neste fim de semana (2 e 3 de novembro), em Bolzano, e nos dias 7, 8 e 9, em Gênova, ambas em piscina curta (25 metros), na Itália.
Dono do único ouro olímpico da história da natação brasileira, o paulista de 32 anos está diante de uma encruzilhada: ainda não decidiu se vai ou não dedicar seu tempo e seu dinheiro nos próximos meses para brigar pela classificação aos Jogos de Tóquio 2020.
No Brasil, a seletiva olímpica será realizada de 20 a 25 de abril, no Troféu Maria Lenk, no Rio. São duas vagas por país, no máximo, em cada prova. Em 2016, Cielo não conseguiu se qualificar para os Jogos do Rio de Janeiro.
Na distância e no estilo em que ele é especialista, os 50m livre, o índice estabelecido pela Federação Internacional de Natação é de 22s01. Esse é justamente o melhor tempo da nadador nas duas últimas temporadas, registrado no Maria Lenk de 2018 – foi terceiro colocado, atrás de Bruno Fratus (21s35) e Pedro Spajari (21s82).
Casado com a modelo gaúcha Kelly Gisch e pai de Thomas, quatro anos, Cielo se divide entre São Paulo, sede do instituto que leva seu nome, e Itajaí (SC), onde apoia o projeto social Nadar. O campeão olímpico também promove clínicas de natação no Brasil e no Exterior. Antes de viajar para a Itália, ele conversou com a coluna por telefone. Confira a seguir.
Você tem dito que está em dúvida em relação a sua participação na Olimpíada de 2020. Como está seu estado de espírito neste momento e também quais são suas condições físicas?
Fisicamente, estou bem. Tenho treinado um pouquinho menos do que nas temporadas mais fortes. Agora vou ver (como estou) nessas competições que apareceram, até porque no Brasil não tem competição até o ano que vem.
Dois velhos rivais franceses estão de volta, depois de pararem de competir, Florent Manaudou (28 anos) e Amaury Leveaux (33 anos). A possibilidade de reencontrá-los é algo que você leva em conta?
Cada um teve sua história de uma forma bem diferente. Eles chegaram oficialmente a se aposentar e voltaram. Eu só dei um tempo das competições. A última que participei foi em maio. Então, não faz tanto tempo assim que estou sem competir. A maior dificuldade que vejo é a qualidade de treino. Acho muito difícil fazer uma temporada de altíssimo rendimento aqui no Brasil. O que estou ponderando é se estou disposto a morar fora do Brasil de novo.
As suas atividades empresariais e a sua família são aspectos que pesam nessa decisão?
Mais o aspecto empresarial. A família sempre me acompanhou. Apesar das dificuldades com a logística, sempre viajaram comigo, a gente já morou fora e voltou. É mais com relação ao momento que estou vivendo fora d´água e à motivação de fazer tudo de novo sabendo que será tudo nas minhas costas. Provavelmente não vou ter a ajuda de ninguém para fazer tudo isso. Então estou ponderando se é uma decisão correta.
O que ainda o motiva a disputar a Olimpíada?
Na verdade, ainda não decidi. É uma mudança muito brusca na minha vida, em que todo o investimento vai sair de mim. Desde o pagamento que vou ter de fazer para o treinador lá fora, até a piscina que vou usar. Ser atleta profissional nos EUA não é fácil. Você tem de pagar tudo. Estou ponderando se vale a pena fazer tudo de novo por um sonho que já atingi. Preciso ver se isso é suficiente para mim. O que estou avaliando, agora, é uma questão muito mais racional do que emocional. Emocionalmente dizendo, sou um competidor. Agora, racionalmente, é uma decisão que envolve muito mais coisas hoje, em um momento da minha carreira bem diferente do que quando tinha 18 anos, indo fazer faculdade lá fora. Ao mesmo tempo, a natação (brasileira) passa pelo pior cenário que já vivi. Sei que vai sair tudo do meu bolso.
Você já fez as contas do que precisa para treinar fora?
Vai do aluguel de uma casa aos horários da piscina. Vai precisar de musculação, de treinador, fisioterapia. Não é barato, algo entre US$ 6 mil e US$ 8 mil (R$ 24,1 mil a R$ 32,1 mil) por mês, dependendo do lugar dos EUA.
Você é um campeão olímpico. Mesmo assim, está com dificuldade de encontrar patrocínios?
Com certeza. Hoje, a natação está sofrendo por má gestão da direção anterior e da antiga também. Mas o cenário do Brasil também não ajuda. O país está passando por muitas dificuldades, sinto isso nas propostas que recebo para participar de eventos, de palestras, está todo mundo sofrendo financeiramente. Posso, com certeza, se decidir (disputar a vaga olímpica), tentar buscar um parceiro. Mas ao mesmo tempo preciso atender à demanda que esse parceiro vai ter. Então é preciso achar um meio termo... esse é o grande "x" do patrocínio no esporte. É preciso atender seu patrocinador e conseguir treinar ao mesmo tempo. Então, por enquanto quero fazer o melhor que posso na Itália, ver como me sinto na piscina, ver como me sinto nessa volta, para continuar a rotina (de treinos e competições). Sinceramente, estou levando um dia de cada vez, semana a semana, me mantendo em forma. Por enquanto, a questão é essa, tentar nadar bem na Itália, ver se os resultados me animam.
Então essas competições vão servir de termômetro. Tendo bons resultados, qual seria o prazo para decidir questões logísticas e operacionais de mudança para os EUA e, principalmente, começar a treinar 100% focado para disputar a vaga olímpica na seletiva de abril?
Com relação à parte organizacional, já tenho bem definida. Por já ter morado lá e conhecer as pessoas que preciso para trabalhar junto. Seria uma coisa muita rápida para fazer. No final das contas, está no meu sim ou no meu não (risos). E não estou conseguindo tomar uma decisão, porque estou pesando muita coisa e nenhuma decisão me deixa 100% satisfeito ou triste. Sei que é um decisão impactante para minha carreira e para minha vida, por isso estou dando esse tempo.
Em pouco mais de 10 anos, o Brasil sediou Pan-Americano, Olimpíada e até Mundial Militar. Nem vamos incluir a Copa do Mundo porque o futebol caminha sozinho. Quanto o esporte brasileiro deixou de avançar e de se organizar nesse período tão favorável aos investimentos?
É difícil mensurar. No final das contas, como sempre, o mais prejudicado é o cidadão. Para mim, o esporte é um direito de todo cidadão, e não um privilégio de ninguém. Eu defendo a bandeira da natação. Temos uma das maiores costas litorâneas do mundo e não temos um superprograma de sobrevivência na água, sabendo do número de afogamentos, que é a causa número 1 de acidentes com crianças. Então, num país com uma costa litorânea dessas, a gente ainda trata o esporte como um privilégio.
O que pode ser feito para mudar esse cenário?
Vou me colocar no meio também: não sei se a gente, como população, aceitou essa situação e deixou passar todo esse tempo, e agora parece difícil de revertê-la. Estou trabalhando hoje com o meu instituto, sou padrinho do Nadar Itajaí, que é o maior projeto social aquático do país, com mais de 4 mil pessoas participando de esportes aquáticos. Eu vejo a diferença que faz quando se dá oportunidades. Hoje temos mais de 4 mil pessoas sem cobrar R$ 1 delas. E não só isso: estamos fazendo um mapeamento das capacidades físicas, para saber se vai sair ou não um futuro campeão. A gente faz o que deveria ter sido feito há muito mais tempo por órgãos muito maiores, aproveitado essa onda de 2007 até agora. É difícil mensurar o quanto a gente perdeu. No alto rendimento, estou há 15 anos na seleção brasileira. Posso falar que, nesses anos pós-2016, deu a sensação de ter regredido muito. Porque, de fato, aquele dinheiro que estava sendo maquiado para os eventos acabou mesmo.
Como esse quadro afetou a natação brasileira?
Cheguei a receber passagens aéreas para competições no dia da viagem. Mas o dinheiro continua indo para o alto rendimento. Esse é o nosso maior erro. A gente precisa investir na base. Agora a CBDA veio com a taxa de aluguel de piscina de competição. Então cada atleta, além de pagar tudo o que já paga, ainda vai ter de arcar com mais R$ 26 para poder participar da competição. Seria muito fácil se a solução fosse aumentar taxas e arrecadar mais dinheiro, em vez de ser criativo e buscar novas maneiras de o evento se pagar. O nosso maior problema foi ter parado no tempo e se acomodado com tanto de dinheiro que teve de 2007 a 2016, que todo mundo pensou que iria ser para sempre e agora está escancarado que acabou. E a gente não se atualizou, não se organizou. Estamos passando por um período difícil e preocupante. Vejo hoje a natação como um esporte decadente e infelizmente muito parecido com o tênis, que tem a elite participando porque tem dinheiro, não pela qualidade.
A gente está no lado errado da pirâmide. Estamos largando dinheiro de cima para baixo?
A gente é muito caro, né? Nos EUA, vou custar US$ 8 mil por mês, e pode ser ou não que eu pegue medalha. Mas esses mesmos US$ 8 mil podem significar outra coisa para a base. Passamos por um momento muito difícil. Ao mesmo tempo, se não pega medalha fica difícil para o esporte ir atrás de patrocínio. É um círculo vicioso. Só gostaria que as alternativas fossem mais criativas e se buscasse maneiras de viabilizar o esporte e não deixá-lo cada vez mais elitizado, como está acontecendo com a natação.
Nas últimas três edições dos Jogos Olímpicos, a natação foi um dos esportes de maior audiência no mundo. Mas, no Brasil, talvez pela monocultura do futebol, o interesse é menor. Tem também o sistema de clubes no país, que restringe...
O nosso sistema é complicado. A gente está falando de um campeonato de seis dias de duração. Quem tem dinheiro para manter, por exemplo, uma equipe no Rio para uma competição de seis dias? A resposta é: alguém está se dando bem com isso. Se não tivesse, não continuaria tantos anos dessa forma. Hoje temos campeonatos da categoria infantil que dura cinco dias. Como o menino vai perder uma semana de aula? Como o pai vai mandar o filho de Porto Alegre para Recife e ficar por lá uma semana, uma viagem caríssima?
Estamos em um ano de efemérides para você. O seu recorde nos 100m livre, de 46s91, completou 10 anos em julho, e o recorde mundial nos 50m, de 20s91, vai fazer aniversário de 10 anos agora em dezembro. O que isso representa para você?
Não vou mentir que, do lado pessoal, é uma satisfação muito grande falar sobre os recordes. Agora, para o diagnóstico do esporte, é complicado, porque há 10 anos ninguém bate essas marcas. Sinceramente, não tenho muito apego a recordes. Sou mais apegado a títulos.
Você acredita que, até a Olimpíada, esse recordes possam ser superados?
Creio que sim. Achei que nesse ano eles estariam a perigo. O esporte vai evoluindo, as maneiras de treinamento, a estrutura das piscinas, as balizas vão melhorando, então é inevitável que os tempos comecem a baixar. Os meus dois recordes estão com os dias contados, mas não vou dizer que vou soltar fogos de artifício quando isso acontecer. Quando fiz o recorde dos 100m livre, não tinha aquela rampinha na baliza (apoio para o pé no bloco de partida, ajudando na impulsão). Lá em Roma (no Mundial de 2009), era uma piscina aberta, sem marcação no fundo, sem rampinha...
Dos 20 recordes nas provas masculinas, 10 ainda são do tempo dos trajes tecnológicos (permitidos até 2009). Com os métodos de treinos atuais e com a evolução na estrutura das piscinas, mas sem os supertrajes, você acredita que conseguiria baixar dos 47s nos 100m livre e dos 21s nos 50m livre?
Difícil dizer, viu... Por isso acabo me prendendo muito mais aos títulos, e é o que o pessoal vai acabar fazendo no ano que vem. Na final olímpica, muito mais importante do que qualquer recorde é bater na frente. Acredito que o melhor momento da minha carreira foi aquele período entre 2009 e 2011. Nesses últimos três, quatro anos da minha carreira, os treinamentos já mudaram bem em relação ao que fazia em 2010. Tudo vai mudando. A dieta também vai se adaptando. Fico feliz só de colocar em prática tudo o que podia em 2009, e dentro das regras.
CENAS PARA SEMPRE
Ouro inédito
Ainda em busca de afirmação, o então nadador de 21 anos brilhou em Pequim 2008. Primeiro, Cielo garantiu o bronze nos 100m livre. Dois dias depois, ao fim de 34 braçadas sem respirar, venceu a prova mais rápida das piscinas, os 50m livre, com 20s30, recorde olímpico até hoje. É o único ouro da natação brasileira na história dos Jogos.
Rei de Roma
Nenhuma das 19 medalhas de Cielo em Mundiais (é o brasileiro mais premiado na competição) tem tanto peso quanto o ouro conquistado nos 100m livre em Roma 2009. No Foro Itálico, o brasileiro cravou 46s91, recorde que perdura até hoje _ é o mais longevo da prova mais clássica da natação.
Peixe-voador
Depois de cravar o melhor tempo da história dos 50m livre em Olimpíadas, Cielo fechou 2009 com o recorde mundial em sua prova favorita. Ao bater em 20s91, foi o segundo homem a baixar de 21 segundos na distância. O feito foi registrado, em São Paulo, no Brasileiro de natação.