O pentacampeonato da Seleção Brasileira, conquistado há 20 anos, no Japão, teve como marca tática a formação com três zagueiros utilizada por Luiz Felipe Scolari. O sistema era até então visto com desconfiança no país muito por conta do insucesso da equipe comandada por Sebastião Lazaroni em 1990, quando o Brasil acabou eliminado precocemente nas oitavas de final do Mundial da Itália ao ser derrotado pela rival Argentina.
Doze anos depois, porém, Felipão encontrou em três zagueiros a base para formar o time que venceu os sete jogos e conquistou a Copa do Mundo com o melhor ataque, tendo sofrido gols em apenas três das sete partidas do torneio.
Felipão chegou à Seleção Brasileira embalado, principalmente, pelos trabalhos vencedores em Grêmio e Palmeiras na década de 1990, times que tinham como base a defesa com quatro jogadores. No entanto, quando assumiu a Seleção, encontrou uma equipe que estava correndo risco de ficar fora da Copa do Mundo.
Sua intenção, então, a partir dali foi dar consistência defensiva sem perder a capacidade ofensiva típica de futebol brasileiro. Isso foi intensamente aproveitado na Copa do Mundo, com os três zagueiros dando liberdade para laterais da qualidade de Cafu e Roberto Carlos.
O livro “Felipão, a Alma do Penta”, do jornalista Ruy Carlos Ostermann, conta que o sistema com três de Felipão teve alguma inspiração na Argentina de Marcelo Bielsa, que liderou com folga aquelas Eliminatórias para o Mundial da Ásia e tinha como um dos alas Juan Pablo Sorín, jogador do treinador gaúcho no Cruzeiro, seu último clube antes de assumir a Seleção.
Ruy faz as ressalvas entre as diferenças de modelos de jogo de Bielsa e Scolari, mas aponta as semelhanças entre as estruturas baseadas em três zagueiros atrás dos alas e meio-campistas.
— Luiz Felipe Scolari prestou atenção no que os “hermanos” faziam no outro lado. O modelo de jogo não era nem poderia ser o mesmo. Os jogadores eram diferentes, a tradição do futebol argentino sempre lidou com sistemas que operavam com três zagueiros e com uma redistribuição de tarefas do meio-campo que começava pela figura bem definida do ala, mas no papel se pareciam as duas seleções. Sorín era Roberto Carlos, Zanetti era Cafu, Verón era Rivaldo, Ortega era Ronaldinho Gaúcho, e assim por diante — escreveu o jornalista que cobriu a Copa do Mundo de 2002 para o jornal Zero Hora e Rádio Gaúcha.
Mesmo que tenha observado a Argentina e a liberdade para Sorín tenha sido uma forma de inspiração para soltar Cafu e Roberto Carlos, Luiz Felipe Scolari admitiu que tinha dúvidas sobre a aplicação do sistema na Seleção Brasileira. Em 2020, em entrevista ao Estadão, ele contou que o técnico Geninho, na época no Athletico-PR e campeão brasileiro em 2001 com três zagueiros, lhe ajudou a convencer a usar o sistema.
— O Geninho, técnico do Athletico-PR na ocasião, me convenceu de que era seguro e melhor. Então, tínhamos o Roque Júnior, que fazia cobertura como poucos. O Edmilson, que atuou de volante no São Paulo, e o Lúcio, que ia bem quando conseguia dominar a bola — explicou.
No mesmo ano que o Athletico-PR ganhou o Brasileirão, o Grêmio conquistou a Copa do Brasil sob o comando de Tite também usando três zagueiros. O hábito a jogar dessa forma ajudou Anderson Polga a ganhar espaço no grupo de 23 atletas que foi ao Mundial, contou Felipão também a Ruy Carlos Ostermann no livro. O mesmo motivo contribuiu para Kléberson ser convocado. O meio-campista acabou ganhando um lugar de titular durante a Copa do Mundo.
Variação na parte ofensiva
Os três zagueiros: Lúcio, Edmilson e Roque Júnior foram a base de um sistema que variou na fase ofensiva não apenas pela troca de nomes com a entrada de Kléberson no lugar de Juninho Paulista durante o Mundial. Felipão também alterava os posicionamentos dos homens atrás de Ronaldo dependendo das circunstâncias das partidas, como ocorreu durante o primeiro tempo da final contra a Alemanha.
No mesmo livro, Felipão explica para Ruy Carlos Ostermann que tinha dois planos para enfrentar a Alemanha. Após o time ter tido dificuldade no inicial, um 3-4-1-2 que tinha Rivaldo por trás de Ronaldinho e Ronaldo, alterou para um 3-4-2-1, o que na prática significava Ronaldinho virando um segundo meia ao lado de Rivaldo. Para Felipão, essa medida foi determinante para a Seleção Brasileira crescer no jogo e conquistar a vitória de 2 a 0.