Após liberar o atacante Taison para o Inter, o Shakhtar Donetsk deu início a um plano ousado para conquistar torcedores no Brasil. Há sete anos jogando fora da sua cidade devido a uma guerra, o clube do Leste Europeu aposta na comunicação digital para conquistar mais simpatizantes fora da Ucrânia.
E como tem 10 jogadores brasileiros no elenco principal, o clube ucraniano prioriza a terra natal dos ídolos Fernandinho, Douglas Costa, Taison e Luiz Adriano.
No último sábado (17), a derrota por 1 a 0 para o rival Dinamo de Kiev, pelo Campeonato Ucraniano, foi transmitida em português em um pay-per-view, ao custo de US$ 3 (R$ 16,80), criado pelo Shakhtar especificamente para atingir o público brasileiro. A iniciativa foi considerada o primeiro passo para o clube de Donetsk firmar raízes no país.
Para entender os planos do Shakhtar no Brasil, GZH conversou com o diretor de marketing do clube ucraniano, Alexandr Mamahyla. Na busca por novos fãs, o dirigente disse acreditar que o acerto de Taison com o Inter pode ajudar o clube a fidelizar os colorados e relatou que o jovem atacante Tetê, ex-Grêmio, já caiu nas graças da torcida ucraniana.
Mamahyla ainda explicou a estratégia do Shakhtar para manter a torcida engajada com o clube mesmo há sete anos jogando fora de Donetsk, devido a um conflito entre o exército ucraniano e milícias separatistas pró-Rússia que ocupam diversos territórios no leste do país.
O Shakhtar cogita disponibilizar aos brasileiros uma transmissão em português de todos os jogos do clube do Campeonato Ucraniano nas próximas temporadas?
Esta é definitivamente uma possibilidade, mas dependerá da análise que fizermos dos números da transmissão do clássico com o Dinamo. Uma limitação que ainda há é o preço, que talvez ainda seja um pouco alto. Se avançarmos com este projeto para o mercado brasileiro, teremos que arrumar uma maneira de a transmissão ser mais barata. Não posso afirmar com certeza que entregaremos este produto, mas é sim algo que nós analisamos. O que é certo é que estamos de olho no mercado brasileiro. A transmissão do jogo foi apenas um primeiro passo, mas vamos tentar entregar algo mais do que apenas um jogo, porque no Brasil já há muitas equipes e muitos jogos. Então, vamos procurar entregar produtos que vão além da transmissão das partidas. Nós precisaremos, por exemplo, levar mais os nossos jogadores ao público brasileiro, senão fisicamente, através das mídias digitais. Mas ainda estamos analisando qual seria uma estratégia ideal para nos aproximarmos ainda mais do mercado brasileiro.
A meta do Shakhtar é conquistar torcedores e simpatizantes no Brasil, como já há de outros clubes europeus, como Barcelona, Real Madrid, Bayern de Munique, Liverpool?
Será muito difícil para o Shakhtar competir com clubes como o Barcelona, que tem um orçamento muito maior. Mas acho que (conquistar torcedores) é uma possibilidade. Acredito que isso dependerá muito dos resultados da equipe. Quanto mais o Shakhtar conquistar resultados esportivos significativos, mais fácil será no futuro obter resultados em outras áreas. Na última temporada, por exemplo, o Shakhtar venceu o Real Madrid duas vezes (na fase de grupos da Liga dos Campeões), um feito que certamente ajuda a criar engajamento com o público fora da Ucrânia. Planejamos ainda competir em outros mercados específicos, como o de e-sports. Esta é definitivamente uma estratégia de longo prazo que iremos apresentar. Temos em mente que, até agora, só transmitimos um jogo. E não é a transmissão de um jogo do Shakhtar que vai fidelizar o público brasileiro. Nós estamos avaliando todas essas possibilidades como um projeto de longo prazo. Temos algumas ideias para as próximas temporadas e tenho esperanças de que ao longo do tempo conquistaremos cada vez mais fãs no Brasil. Quem sabe no futuro os filhos de vocês não gostarão de vestir a camisa do Shakhtar e de escolher o time do Shakhtar para jogar no videogame?
Por que o Shakhtar contrata tantos jogadores brasileiros? E por que você acha que eles fazem tanto sucesso no clube?
Eu não sou um especialista nas questões técnicas do futebol, mas posso dar a minha visão sobre isso. Historicamente, o Shakhtar tem o futebol ofensivo no seu DNA. Nunca vamos ter, por exemplo, um time com sete jogadores na defesa tentando segurar o 0 a 0. Além das vitórias, nós gostamos de proporcionar ao torcedor um futebol atrativo. E isso é algo em que definitivamente os brasileiros se destacam. Acredito que é por isso que os nossos treinadores gostam de contratar reforços brasileiros, pois eles proporcionam um futebol ofensivo para o time. E acredito que a maior parte dos brasileiros do nosso plantel tem uma vocação natural para o ataque. Além disso, desde 2004, quando o Mircea Lucescu assumiu, todos os nossos treinadores falam português. Basicamente, quando trazemos um jogador brasileiro, a adaptação é muito mais fácil, pois não há a barreira do idioma. É diferente da maioria dos clubes europeus, onde há no máximo dois ou três brasileiros e mais vários atletas de diversos países diferentes. No Shakhtar, nós gostamos de formar um vínculo com os jogadores que chegam. Para nós, é muito importante que eles se sintam parte da equipe. E aqui, o jogador brasileiro chega e já encontra vários outros brasileiros e mais um treinador que fala português. Logo, ele se adapta de forma muito mais fácil.
Existe alguma resistência dos ucranianos com a presença de tantos brasileiros no time, seja dos torcedores do próprio Shakhtar ou especialmente dos rivais?
Os nossos torcedores definitivamente admiram a habilidade e o carisma dos jogadores brasileiros. Outros clubes, como o nosso rival Dinamo, também têm muitos atletas estrangeiros. Então, não acho que haja nenhum desconforto em relação a isso. Penso que aqui todos concordam que a presença dos brasileiros impulsiona o futebol ucraniano como um todo, pois eles também crescem jogando com os brasileiros. Então, é uma situação em que todos ganham.
Como é a relação do Taison com os torcedores do Shakhtar? Qual o tamanho dele na história do clube?
Os torcedores do Shakhtar adoram o Taison porque ele teve uma performance excelente pelo clube e foi muito decisivo em grandes jogos. Muitos torcedores o agradecem até hoje nas redes sociais por tudo que ele fez pelo clube. Tenho certeza de que ele terá no Inter o mesmo nível de comprometimento e profissionalismo que ele teve no Shakhtar, além de hoje ser um atleta mais experiente, tendo disputado muitas vezes a Liga dos Campeões e a Liga Europa. A contribuição do Taison ao Shakhtar foi muito grande. Ele conquistou 15 títulos, marcou 55 gols e atuou em 299 jogos. Isso é enorme. É definitivamente um dos melhores jogadores brasileiros da nossa história.
Você acredita que a presença do Taison pode ajudar o Shakhtar neste projeto de conquistar torcedores brasileiros?
Sim. Nós no Shakhtar sempre tentamos manter a maior relação possível com os nossos ex-jogadores e espero que ocorra o mesmo com o Taison. Estamos falando de um atleta que é definitivamente adorado pelos nossos torcedores aqui na Ucrânia. Logo, pode ser sim uma oportunidade para nos envolvermos ainda mais com os torcedores brasileiros. E esperamos que no futuro venham para o Shakhtar ainda mais jogadores brasileiros do nível do Taison.
E como está o Tetê aí no Shakhtar? O garoto, revelado aqui no Grêmio, já caiu nas graças da torcida?
Sim, especialmente após marcar um gol contra o Real Madrid na última Liga dos Campeões. Ele é também hoje um jogador adorado pelos fãs. Quando um atleta tem bom desempenho em uma partida decisiva, os torcedores começam a usar a camisa com o seu nome e número e isso estabelece definitivamente uma conexão do atleta com a torcida. E foi isso que aconteceu com o Tetê. Volto a dizer, não sou um especialista nas questões técnicas do futebol para avaliar as qualidades do Tetê, mas, na perspectiva da torcida, posso dizer que definitivamente os torcedores o adoram.
Como o Shakhtar consegue manter a sua torcida engajada com o clube mesmo há sete anos jogando longe de Donetsk?
É um desafio. Apostamos muito em estratégias digitais e isso ajuda o clube a manter o contato com os torcedores que estão localizados em Donetsk e em outras cidades do país. No último inverno, trouxemos sem custos a Kiev alguns torcedores que compareceram a jogos anteriores em Lviv e em Kharkiv para que eles sigam conectados com o time. Eles adoraram, e o feedback da torcida foi muito bom. Vamos tentar em breve fazer isso de novo. Especialmente durante a pandemia, aumentamos os nossos conteúdos digitais e a participação dos jogadores em ações online. Mas, sendo bem honesto, nada disso substitui o contato local com a torcida na nossa cidade e no nosso estádio. Então, é sim um desafio.
De que forma você acha que o Shakhtar pode ajudar a unir o povo ucraniano após a Guerra Civil que mantém o clube afastado de Donetsk desde 2014?
O Shakhtar mantém projetos sociais em Donetsk e em outras regiões no leste do país. Não sou o responsável por essa área, mas definitivamente são projetos em que o clube está envolvido. Agora, para mim, não há uma guerra civil na Ucrânia. O que existem são movimentos separatistas apoiados pelos russos e que recebem equipamento militar russo. Se não tivesse havido uma intervenção russa no país, é muito provável que nós estivéssemos atuando até hoje em Donetsk. Eu sou da região oeste, e a minha esposa e a maioria dos meus colegas no clube são de Donetsk. Uma coisa que todos nós concordamos é que guerra civil não é a definição correta para o que está acontecendo. Eu sou de um clube do leste, trabalho e ando por toda a região oeste e não vejo nenhum protesto ou distúrbio relacionado a isso. Nos territórios em que nós (ucranianos) não controlamos no momento, as pessoas consomem conteúdo russo e parte da visão de mundo russa. No sentido de reintegrar esses territórios, acredito que o futebol pode ser um dos fatores de unificação. Como clube, nós representamos toda a Ucrânia e estou 100% confiante de que os nossos torcedores nos apoiam em todo o país.