Nesta sexta-feira, 12 de março, completa-se um ano desde o último jogo profissional em um estádio do Rio Grande do Sul com a presença de público. Talvez tenha sido, naquele momento, a última grande aglomeração de pessoas em um mesmo local desde o início da pandemia. Foram 53.389 pessoas presentes na Arena para acompanhar um duelo histórico, o primeiro Gre-Nal válido pela Libertadores, a principal competição entre clubes do continente.
Dentro de campo, o clássico não empolgou. Foi um 0 a 0 que será lembrado pela briga generalizada nos minutos finais. Até que a situação melhore, aquela foi a última oportunidade que os torcedores de Grêmio e Inter tiveram para ver seus ídolos de perto, vibrar e cantar com os amigos lado a lado nas arquibancadas, cadeiras ou camarotes de um estádio de futebol no Estado.
Desde então, passaram-se 365 dias de incertezas, medo, partidas embaladas pelos sonidos que saem das caixas de som e de distanciamento entre os dois principais personagens do esporte: atleta e torcedor.
Na prática, o fator casa deixou de ser assim tão decisivo. Muitos jogadores, inclusive, chegaram durante a pandemia e nem sequer conseguiram sentir a atmosfera de um Beira-Rio, uma Arena, um Bento Freitas, um Alfredo Jaconi, um Colosso da Lagoa, enfim, de um estádio lotado de torcedores embalando o time durante os 90 minutos em busca de uma vitória. Por isso, GZH conversou com jogadores de clubes gaúchos para saber como eles lidam com essas situações.
Os reforços que não jogaram com torcida
Eles não sabem como é ver a Arena e o Beira-Rio lotados. Nunca sentiram a verdadeira força das torcidas dos clubes que representam. Jamais acompanharam ao vivo a multidão azul ou vermelha cantando, pulando, o estádio tremendo, ecoando. Nem sequer conhecem os cânticos das arquibancadas. Talvez só aqueles que os DJs rodam alguns trechos nos alto-falantes durantes os jogos. Ainda não ouviram o nível dos aplausos (ou vaias) na hora que a escalação é anunciada nos telões, a pressão nos momentos ruins. Nada disso foi sentido até agora por jogadores como César Pinares e Yuri Alberto enquanto jogadores de Grêmio e Inter, respectivamente.
Os dois, assim como alguns outros, chegaram já em meio à pandemia. Foram contratados, apresentados e estrearam sem poder sentir a força das torcidas nos estádios gaúchos. Marcaram gols, deram belos passes, dribles, dedicaram-se para roubar uma bola e nem tiveram como agradecimento os aplausos vindos das arquibancadas. Mas eles entendem, sabem que o momento obriga esse distanciamento.
— Obviamente o atleta quer jogar com torcida, ainda mais nos jogos em casa, com todo o apoio, os torcedores lutando com a gente para que possamos ganhar. Para o jogador isso é muito legal, ainda mais uma torcida tão grande quanto a do Grêmio. Seria muito bom se pudéssemos ter o torcedor no estádio, mas sabemos da situação do país e que agora é impossível ter torcida — destaca o chileno Pinares, que desembarcou em Porto Alegre no início de novembro.
Ainda assim, o silêncio incomoda. Ouvir cada cobrança do treinador à beira do campo e os gritos dos companheiros e rivais dentro das quatros linhas não é algo a que os atletas estejam acostumados. Muito menos jogadores que atuam em clubes gigantes como a dupla Gre-Nal, que sempre leva milhares de pessoas ao estádio.
— Sou um jogador que se sente muito à vontade quando tem público no estádio. Ainda não tive a oportunidade de jogar no Beira-Rio com a torcida, mas estou muito ansioso para que isso aconteça logo. Sem torcida fica um silêncio, a gente só ouve a música que o pessoal coloca nas caixas de som e se escuta bem dentro de campo, ouve o treinador. Mas com a torcida não tem jeito, é bem melhor. Até pelos gols, é uma emoção bem maior — garante Yuri Alberto, anunciado pelo Inter em agosto do ano passado.
Ambos passaram incólumes, ao menos até agora, pelo coronavírus. Nenhum deles contraiu a covid-19 e os dois entendem que os protocolos de segurança adotados pelos clubes são eficientes.
— O departamento médico nos dá a segurança até para que a gente fique mais tranquilo. Duas vezes por semanas fazemos os testes, então estamos muito protegidos. Sabemos que precisamos nos cuidar para que a gente possa continuar jogando sem problemas — diz Pinares.
— O pessoal aqui do clube tem nos ajudado bastante, e temos seguido as recomendações. Fazemos os testes toda semana, minha família também, todas as famílias dos jogadores, então estamos bem tranquilos quanto a isso — completa Yuri Alberto.
Sentimento de segurança
Quem também ainda não teve contato com a torcida foi o volante Bruno Matias, do Brasil-Pel. Contratado pela equipe pelotense para a disputa da Série B, ele estreou com a camisa rubro-negra em agosto. Um dos motivos que o levaram a Pelotas foi, segundo ele, a fama da torcida xavante.
— Quando vim pra cá, um dos fatores foi a torcida, porque eu sabia que era apaixonada, que lota o estádio, que apoia sempre. Ainda não tive a oportunidade de ver isso. Claro que a gente recebe o carinho pela cidade, no mercado, nas redes sociais, mas dentro de campo é diferente. Faz muita falta, agora os jogos são mais neutros, porque isso interfere nos resultados, nas decisões da arbitragem e na motivação dentro do campo — afirma o atleta de 22 anos, que já teve covid-19, mas ficou assintomático.
Seu companheiro de equipe, o goleiro Matheus Nogueira, 34 anos, chegou a jogar no Bento Freitas com torcida. Sentiu a força da massa xavante, mas entende a importância das arquibancadas vazias. Dois de seus ex-treinadores, Marcelo Veiga e Ruy Scarpino, morreram vítima da covid-19. Ele também contraiu a doença, mas não teve sintomas além da perda do paladar e olfato. Ainda assim, defende a continuidade do futebol.
— Tive problemas na família, algumas perdas por conta dessa doença. É uma situação complicada, temos de nos cuidar, mas não trabalhar seria mais perigoso para nós do que no futebol. Temos todo o protocolo, os médicos preocupados com a gente, acho que estamos muito bem protegidos. Se estivéssemos em casa, não teríamos esse suporte todo e poderíamos ter algum problema maior, porque deixamos de ser atletas quando paramos de trabalhar. É preocupante, mas a gente tem de trabalhar — avalia Nogueira.
O sentimento é compartilhado pelo atacante Jean Silva, do Ypiranga, atual líder do Gauchão, e que disputou a Série C da temporada passada pelo clube.
— Me sinto seguro jogando neste momento. Toda semana a gente é testado, os adversários também. Não temos acesso a quase ninguém, é do trabalho para casa, então isso me deixa mais seguro do que se eu não estivesse jogando. Porque aí eu não estaria sendo testado, estaria sem os protocolos certos de segurança — diz, antes de pedir para que as pessoas mantenham a fé e respeitem as normas de segurança:
— Um ano já sem sentir o calor do torcedor. É ruim, mas é preciso nesse momento. Estou sentindo muita falta dessa parte bonita do espetáculo, até mesmo da pressão dos jogos fora. Mas essa onda vai passar. Nunca podemos perder a fé de que, em breve, o torcedor estará junto nos estádios novamente.
É com esses sentimentos de cuidado e esperança que os torcedores devem permanecer. Em algum momento, as arquibancadas estarão cheias novamente. Mas isso só será possível quando houver segurança. Até lá, a torcida segue de casa, assistindo pela TV, ouvindo no radinho e vibrando, cobrando, corneteando, tudo pelas redes sociais.