O técnico do Bahia, Roger Machado, 44, é uma exceção no futebol brasileiro. O ex-lateral-esquerdo é um dos poucos negros ocupam os principais cargos de gestão dos clubes do país - considerando presidentes, diretores de futebol e técnicos da Séria A do Brasileiro.
— O preconceito no futebol é como o preconceito no Brasil, ele existe, mas é velado. E é tanto relacionado à questão da raça como da classe social — afirma o treinador.
Além de Roger, Deca Nascimento, diretor de futebol do Grêmio, é outro raro exemplo de negro em cargos de chefia no futebol brasileiro.
Roger assumiu o time baiano no começo do mês passado. Antes já havia treinado Grêmio, Atlético-MG e Palmeiras. Ex-jogador, ele se preparou para trocar as chuteiras pela prancheta.
Após uma carreira vitoriosa, ele deixou os gramados em 2008 e, em seguida, cursou educação física. Após obter o diploma, completou os seus estudos com um curso de gestão esportiva.
O técnico defende que um dos caminhos para combater o preconceito racial e social é justamente investir na formação dos ex-jogadores.
— O primeiro passo é a possibilidade de capacitação dos profissionais que passaram pelo campo e um direcionamento para as áreas de aptidão. O segundo é acreditar que o futebol precisa desse profissional devido a sua vivência no campo. E alinhar isso à boa vontade política dos clubes para proporcionar esse espaço — afirma o técnico.
Na NFL, a liga de futebol americano, foi criado em 2003 uma regra para impulsionar a diversidade em posições de chefia. Chamada de "Lei Rooney", ela assegura a diversidade no processo dos clubes para a seleção de técnicos e outros cargos diretivos.
A norma recebeu este nome em homenagem a Dan Rooney, dono e presidente do Pittsburgh Steelers e também presidente do comitê de diversidade da liga. Ele morreu em 2017, aos 85 anos.
Pela regra, os clubes da liga de futebol americano que estiverem sem treinador principal precisam entrevistar ao menos um técnico que não seja branco antes de decidir qual comandará a equipe.
Não há registro de nenhuma iniciativa semelhante no esporte do Brasil. Segundo pesquisa do Instituto Ethos, divulgada em 2016, nas 500 maiores empresas do país, 87,9% dos cargos em conselhos de administração, quadros executivos, gerências e supervisões são ocupados por brancos. Pessoas que se declaravam negras ou pardas representam apenas 10,45% do total desses executivos.
Isso em um país onde os negros são maioria, segundo dados do IBGE. As pessoas negras ou pardas representam 55,7% da população brasileira.
— É uma situação que a gente precisa parar para refletir. Muitos atletas negros desfilaram seu talento dentro do campo, mas na parte administrativa acabam tendo pouco espaço — critica Roger.
Com reflexo disso, o Campeonato Brasileiro teve até hoje somente um time campeão sob o comando de um treinador negro, o Flamengo, em 2009, com Andrade.
À frente de sua sexta equipe em seis anos como treinador profissional, Roger sabe que a cultura de cobrar resultados em pouco tempo do futebol brasileiro pode amplificar a pressão sobre ele.
— Eu me sinto pressionado pelos meus propósitos, pelos meus objetivos, mas não por algo relacionado à minha cor ou à minha raça — diz o treinador nascido em Porto Alegre. — Evidentemente que com bons trabalhos permite que a gente mantenha as portas abertas para que outros profissionais entrem. Mas não que o sucesso ou o insucesso esteja relacionado à minha cor, à minha raça ou à minha classe como um ex-jogador — completa.
Na última semana, Roger conseguiu um importante resultado. No Morumbi, o Bahia venceu o São Paulo, por 1 a 0, no jogo de ida pelas oitavas de final da Copa do Brasil. O duelo de volta será em Salvador, no dia 29. Como técnico, ele busca o primeiro título nacional.