Outro dia, aconselhei um amigo a ir ao médico para fazer alguns exames. Ele respondeu que se "não ficasse sabendo que possui uma doença, não teria doença para combater". Ou seja, é melhor não saber que possui uma enfermidade a ter de enfrentá-la.
No Rio Grande do Sul, há um pacto, uma crença, de que se não falarmos sobre racismo no futebol, ele não existirá. Basta observar o constrangimento de torcedores, dirigentes, entre outros atores da sociedade para tratar de dois casos que surgiram em menos de um mês no Estado: as denúncias do ex-árbitro e comentarista da RBS TV Márcio Chagas sobre as ofensas que recebe em diferentes regiões do Estado, e o vídeo em que se pode ouvir uma torcedora do Grêmio chamar o jogador colombiano Yony Gonzalez de "macaco" após gol do Fluminense, na Arena.
Bastam os casos surgirem para que todos comecem a se defender, afirmando que as vítimas estão generalizando, que o time vizinho também tem racismo, que querem destruir a imagem do clube, da sociedade gaúcha, até que o debate se apague. Todos perdem quando grenalizamos o racismo.
Não se trata de discutir sobre quem é mais preconceituoso. Como gremista, decepciono-me ao ver a forma morosa com que o clube tenta solucionar este problema. Como negro, sofro a cada grito de macaco cantado no estádio, pois, mesmo indiretamente, ele toma minha direção ou a de um semelhante.
A cada novo caso de racismo nas arquibancadas, a imagem que não me sai da cabeça não é a de Patrícia Moreira, mas a dos torcedores que estavam ao seu redor e não fizeram nada para cessar as ofensas ao goleiro Aranha. Se as próprias pessoas que estão perto de quem comete este tipo de crime não se sentem incomodadas, como tratar esses casos como algo isolado?
O racismo no Brasil é recreativo e é justificado pelo humor. Também é naturalizado pela democracia racial que diz que não há preconceito no país. Quem o comete, algumas vezes, não entende a contradição entre passar
90 minutos chamando o torcedor rival de "macaco" e depois gritar o nome do filho de um jogador negro de sua equipe. Precisamos falar sobre este problema. O racismo é como um câncer. Se não for tratado, pode se espalhar. Mais de um minuto de silêncio já se passou desde o caso Aranha, mas o racismo ainda não está morto.