Torcer sem precisar provar nada a ninguém: parece algo simples, mas não é o ambiente encontrado por muitas mulheres que gostam de futebol nos estádios ou nas redes sociais. Em crescente presença nas arquibancadas, elas estão cansadas de explicar a regra do impedimento – ou recitar a escalação da Seleção tricampeã mundial – a homens que questionam a paixão delas pelas quatro linhas do gramado – e que não precisam passar por um quiz toda vez que dizem torcer por um time.
– Alguns homens ridicularizavam coisas que eu dizia, mas concordavam com outro homem que havia falado o mesmo que eu – desabafa Thaís Odorissi Oliveira, 24 anos, integrante do grupo Gurias do Grêmio no Facebook.
Em vez de insistirem na árdua tentativa de afirmação perante o público masculino nas redes sociais sempre que tentavam opinar, três torcedoras decidiram criar um espaço de debate propositivo. Agora, torcer para o Grêmio é – pasmem! – o único requisito para falar sobre o time no grupo Gurias do Grêmio.
– Eu me sentia invalidada em outros grupos. Aqui, a gente se escuta, dá opinião sem medo de julgamento e de virar piada. Em outros espaços com homens, sempre fiquei com pé atrás na hora de postar algo ou até mesmo de comentar. Ficava pensando um milhão de vezes antes de me expor e acabava não me manifestando porque via várias meninas sofrendo preconceito e virando chacota – afirma a estudante Laura Jasper, de 24 anos.
O debate entre as torcedoras vem ganhando força ultimamente, defende Malu Barbará, presidente da Força Feminina Colorada, única torcida organizada formada exclusivamente por mulheres registrada no Estado. Ela destaca que o propósito do grupo mudou com o passar dos anos: antes, as integrantes buscavam, principalmente, companhia para ir ao estádio – ambiente considerado hostil para o público feminino quando a torcida foi criada, em 2009. Agora, elas têm, umas nas outras, o apoio para avançar em discussões sobre futebol.
– Quando nós começamos, diziam que éramos um bando de mulher achando que podia torcer como homem. Já ouvimos muitas barbaridades. Durante muito tempo, nós ficamos quietas. Hoje, a gente revida. Nós não admitimos mais que sejamos diminuídas pelo fato de sermos mulheres – sustenta Malu.
Cânticos entoados por alguns torcedores com expressões machistas como "essa puta eu já comi" e "vem, que vou te passar o peru" eram muito mais frequentes quando a Força Feminina surgiu – e conseguia reunir, com muito esforço, cerca de dez mulheres nas arquibancadas de cimento do antigo Beira-Rio. Hoje, elas são mais de 100 e consideram o estádio um ambiente mais civilizado para a presença das mulheres.
Embora os avanços sejam claros, Malu considera que há muito caminho pela frente e comemora que as redes sociais sirvam como ferramenta de empoderamento para o público feminino. Nesta quinta (8), por exemplo, a torcida lançará a campanha "torce que nem mulher" para reforçar a presença feminina no futebol.
O sucesso da Força Feminina Colorada também inspirou torcedoras do Grêmio a formarem uma torcida organizada. Criado em abril do ano passado, o Comando Feminino Gremista, que já conta com 170 mulheres, se reúne antes das partidas para assar churrasco e fazer o "pagode da mulherada".
– O Grêmio sempre teve núcleos femininos, mas nunca uma torcida organizada só para mulheres. Decidimos criar essa iniciativa, só que nossa presença incomodou. Na estreia da torcida, por exemplo, fomos convidadas a nos retirar da arquibancada norte – lamenta Kelly Plaz, uma das fundadoras do Comando.
O grupo, no entanto, não desistiu no primeiro obstáculo: buscou força, mais do que triplicou o número de integrantes – que, no primeiro encontro era de 50 torcedoras – e reivindica reconhecimento do clube para legitimar o Comando como a primeira torcida organizada feminina gremista.
Debate feminino também ganha força na Serra
Em Caxias do Sul, torcedoras da dupla Ca-Ju se reúnem em um bar para assistir a partidas e botar em pauta o preconceito que sofrem nos estádios. Bar com temática de futebol, o Quintino recebe, mensalmente, o Gurias FC, um evento voltado para o público feminino que se interessa pelo esporte.
– A gente se sente segura para expor a opinião sem precisar provar que sabe do que ta falando. É muito bom poder reunir as amigas em uma mesa de bar pra falar sobre futebol e o que mais a gente quiser, sem se preocupar com qualquer preconceito ou restrição – argumenta a designer Anieli Peverada, 25 anos, torcedora do Caxias.
E está enganado quem pensa que os papos são superficiais: aspectos técnicos, táticos, financeiros, administrativos, além do desempenho dos clubes nas competições são os assuntos mais recorrentes nas conversas, garante Vanessa Belusso, 33, torcedora do Juventude.
– Apesar de termos conquistado um pouco de espaço, ainda somos muito questionadas e desacreditadas quando o assunto é futebol. Parece desanimador, mas hoje já ocupamos um espaço considerável nas arquibancadas. Então, sinceramente, não me importo em ser colocada a prova o tempo todo, pois estamos mostrando que damos conta do assunto – assegurou.