Por cerca de meia hora, Fernando Reges recebeu a equipe da Rádio Gaúcha e de ZH para uma conversa. Que bem poderia ser chamada de aula. O volante de 37 anos falou sobre Inter, sua posição, experiência na Europa, Guardiola e muito mais.
Veja a entrevista para os repórteres Diori Vasconcelos, Lucas Arruda e Rafael Diverio.
Entrevista com Fernando
O que mudou no Inter, que agora emenda vitórias?
A gente vê essa melhoria muito grande. Apesar de que no começo do Roger os resultados não tenham aparecido tão imediatamente, agora notamos no campo, e esse é mérito dele. Resgatou o Bernabei, colocou Gabriel, que não é fácil, bancar um menino de 16 anos, e consolidou a forma de jogar.
Estamos com mais entrosamento, e lidando com a pressão de um time grande como o Inter, que precisa se impor em casa. Aqui ninguém pode chegar e jogar de qualquer jeito. Para nós ganharmos no Beira-Rio, tem de jogar muita bola. Estamos em um nível muito bom. Claro que precisa melhorar muita coisa, mas estamos no caminho certo.
Uma das mudanças foi seu retorno ao meio-campo, e tem ido muito bem. É a sua posição ideal?
Sempre joguei ali, como primeiro volante. Foram 16 anos na Europa, e eu nunca tinha jogado de zagueiro? Mas Coudet falou que precisava de mim na zaga, porque tinha uma boa saída de bola. Não vou me opor, né? Sou jogador do clube, ele era meu chefe, tenho de fazer aquilo que ele quer. Mas desde a chegada, Roger falou que me utilizaria na minha posição, onde sei o que fazer, até pela minha idade. Depois conseguiu encontrar uma função realmente maravilhosa para Thiago Maia, que está conseguindo se destacar muito bem. Isso é olho do treinador, méritos do Roger.
Roger é muito capacitado, consegue falar a língua do jogador.
FERNANDO, VOLANTE DO INTER
Como é o Roger no convívio, é um estilo mais boleiro ou é mais rebuscado?
O Roger foi jogador, isso facilita muito. É muito inteligente, deve ser formado, pela maneira como fala, a desenvoltura que tem. Roger é muito capacitado, consegue falar a língua do jogador, e passar para vocês da imprensa aquilo que quer. Quando precisa algo mais específico, ele também explica para o jogador ter o entendimento.
Thiago Maia tem atual mais solto realmente. O que muda para você nessa dinâmica?
Estou acostumado a jogar dessa forma, foram muitos anos assim. Thiago está se adaptando aos poucos, porque não era dessa posição. Mas é um jogador que pegou bem ali. Isso facilita também o jogo do Alan Patrick, consegue receber a bola mais perto da área, fazendo gol e dando assistência.
Como se deu a saída de Coudet? Vocês sentiam que o trabalho estava ruim ou que ele estava desmotivado?
A torcida cobra muito títulos, tem uma exigência grande, são muitos anos desde a última conquista, mas sabemos que precisa de tempo, sequência de trabalho. E para isso precisa de paciência com o treinador, ele com os jogadores e muito mais. E isso não é fácil. A derrota do Gauchão frustrou.
Depois veio a enchente, que foi dura não para o futebol, mas para toda a sociedade. Saímos do CT, treinamos em Alvorada, precisamos passar quase um mês em Itu, e isso tudo pesou, inclusive o ambiente. Isso mexe com o psicológico do jogador, e o futebol é muito mental. Foi desgastando, realmente, e as sequências eram difíceis, os resultados não vieram, e futebol é resultado. Sem ele, a torcida cobra. Acho que isso causou a saída dele.
Como tem sido a participação de D'Alessandro nessa retomada do Inter?
Quando olhamos para D'Alessandro, já sabemos que é um cara vencedor, sabe a identificação com o Inter. Quando ele fala, você entende que esse cara foi um vencedor. Ele resgatou isso, agregou bastante, porque entende, sabe falar com o jogador. Não ganhamos nada ainda, foi só uma sequência de três jogos, mas precisamos fazer muito, muito mais. O Inter tem elenco para isso.
A gente tem que ganhar os jogos, dar alegria ao torcedor.
FERNANDO, VOLANTE DO INTER
Apesar da óbvia evolução do Inter, já estamos na 24ª rodada do Brasileirão. O que dá tempo de fazer ainda?
Estava pensando em casa, poderíamos ter começado essa sequência antes, né? É ruim pensar isso, é chato chegar depois de um jogo e falar "Putz, poderia ter feito mais". Precisa dar sempre o seu melhor para não acontecer isso. O que temos de fazer agora é ganhar os jogos. Depois, lá na frente, se o Inter vai chegar, não sei.
Agora temos de repetir o que estamos fazendo, resgatar a alegria. Em sexto, sétimo, se vai chegar mais na frente em segundo, aí é outra coisa, mas a gente tem que ganhar os jogos, dar alegria ao torcedor, a gente vê que está resgatando essa alegria do torcedor, que tem pegado junto.
Essas eliminações deixaram o time com mais tempo para treinar. O quanto isso é importante?
Eu, particularmente não gosto. Prefiro a sequência de partidas, é bom para o elenco, para todos rodarem, pegar ritmo de jogo. O bom é que a gente conseguiu trabalhar mais tempo com Roger, mas seria bom se tivéssemos Copa do Brasil, Sul-Americana, com mais jogos.
Em sua carreira na Europa, trabalhou com Guardiola. O que dá para falar dele?
Quando apareceu a possibilidade de trabalhar com o Guardiola no Manchester City, fiquei naquela expectativa de querer sempre aprender, notar o que ele fazia no Barcelona para ser tão bom. Achei que nosso time seria de toque, discreto, sem ter de correr tanto. Então ele chegou e avisou: "Quem não correr não joga comigo".
O time dele corre para caramba e a gente fazia muito trabalho físico. O time é compacto, mesmo quando perde a bola o time se junta rápido pra depois sair na marcação. Vi também alguns detalhes, como a seriedade no treinamento, dar passes firmes já na perna certa de quem vai receber. É um nível muito alto e esse tipo de coisa faz a diferença.
Que diferença enxerga no futebol brasileiro para os anos de Europa?
O entendimento de jogo é muito diferente, o posicionamento, entender o que seu companheiro vai fazer, as características. Lá na Europa, o pessoal identifica mais rápido. No Brasil ainda falta, mas aqui tem mais talento, o jogador é mais ágil, mais esperto, mais malandro. Lá o pessoal cumpre muito taticamente, e isso está fazendo mais diferença. Aqui, o cara quer dar mais um drible, mostrar individualmente que é melhor do que o outro.
E no comportamento dos atletas, preparação, alimentação?
Ainda precisa melhorar muito, mas noto avanços. Por exemplo, acompanho os meninos aqui, tipo o Gabriel Carvalho. Me surpreendo, porque ele está sempre na academia, comendo bem. Com 17 anos, eu não fazia isso. Isso vai fazer diferença na carreira dele. Hoje parece que não, mas está plantando e daqui a uns cinco, seis anos vai ver que foi bom ter treinado. Criei uma rotina de treinos que me ajuda bastante, vou na academia mesmo que não precise, mas já está dentro de mim, ajuda a prevenir as lesões, a ter força na hora do jogo.
Para um jogador que teve passagens por City, Porto, Sevilha, com grandes técnicos, o que Roger ainda pode ensinar?
Não importa a idade, sempre tem algo para aprender. Roger me surpreendeu, entende muito do jogo, estuda bastante, está sempre buscando melhorar, vê o adversário, isso é muito importante. Facilita o jogo e, individualmente, te explica a função em campo. Na Europa, você encontra muito esses treinadores, mas aqui no Brasil, assim, não esperava chegar aqui e ver um cara com tanta inteligência, que entende tanto jogo igual o Roger.
O povo é bem simpático, acolhedor. É lugar pra ficar.
FERNANDO, VOLANTE DO INTER
Sevilha, Porto, Manchester... Que tal Porto Alegre?
Rapaz, estou gostando muito. As primeiras impressões foram maravilhosas. A comida, o churrasco, gostei bastante. Ainda estamos naquela fase de adaptação, mas estou gostando. O clima é um pouquinho diferente de tudo que já vivi, às vezes tá 33ºC, de repente baixa pra 20ºC. Fiquei doente aí nessa sequência, não joguei contra o Juventude, mas tudo bem. O povo é bem simpático, acolhedor. É lugar pra ficar. Tem mais um aninho de contrato, não sei o que vai acontecer, mas estou contente.
Hoje o futebol é muito exigente fisicamente, e estou conseguindo fazer tudo que os meninos fazem, correr bem.
FERNANDO, VOLANTE DO INTER
Seu contrato é até o final de 2025, quando terá 38 anos. Quer seguir jogando mais, continuar no futebol?
Confesso que pensava em jogar só até os 34, 35 anos, achava que não passaria disso. É difícil conseguir chegar tão longe assim com 37, 38, jogando no alto nível. Hoje o futebol é muito exigente fisicamente, e estou conseguindo fazer tudo que os meninos fazem, correr bem.
Enquanto estiver assim, vou seguir. E precisa ganhar. Falo para os meninos no vestiário, futebol você só desfruta quando ganha. Do contrário, passa raiva. Então hoje estou contente porque vejo o crescimento do Inter, estamos no caminho certo e vejo que o time tem talentos para poder jogar grandes competições como Libertadores e poder competir lá em cima.
E o futuro?
É difícil planejar alguma coisa, porque Deus te direciona para outro lado. Pode ser que fique no futebol, o futebol me deu muito. Talvez ser agente, tentar ajudar os jogadores, explicar que a carreira é muito rápida, que às vezes é preciso poupar também para não fazer falta lá na frente.
Gosta de futebol como hobby, o assiste como diversão ou é só profissão mesmo?
Amo futebol. Minha esposa pega no meu pé, porque às vezes eu estou vendo, sei lá, futebol escocês. Sou meio fascinado pelo futebol. Mas não penso em ser treinador, ser gestor não é fácil.
Considera que tem surpreendido quem não conhecia seu futebol?
Algumas pessoas, que não acompanham tanto, que não conseguem ver futebol espanhol, português, turco, podem ter se surpreendido, achando que eu só marcava ou batia. Percebi que o meu nome no Brasil era pouco falado. Foi um dos meus objetivos, mostrar para o pessoal aqui que tenho alguma coisa, né? Não sou um jogador espetacular, mas tem algumas coisinhas.
Você só marca o torcedor, só vai ficar na memória se ganhar títulos.
FERNANDO, VOLANTE DO INTER
E o que falta?
Você só marca o torcedor, só vai ficar na memória se ganhar títulos. Sem isso, o cara vai falar: "Ah, passou aí, era bom jogador, mas nem lembro". Nosso objetivo é fazer o máximo para ganhar o mais rápido possível. Não sei se vai ser ano que vem, mas precisamos trabalhar para isso.
Como foi trabalhar com esses jogadores de alto nível?
Foi top, bom demais. Quando cheguei no City, pensei: "Cheguei no mais alto nível do futebol, não tem mais pra onde você ir". Aí você olha para trás, pô, saí lá de Alto Paraíso, interior de Goiás, né, uma cidade de 5 mil habitantes, só jogando na terra, nunca joguei em escolinha. Aos 15 anos, comecei a jogar bola no Vila Nova, e fazer uma base no Vila Nova é diferente de você fazer uma base aqui no Inter.
E conseguir jogar com esses caras dividir vestiário com Yaya Touré, Kevin De Bruyne, David Silva, você pensa: "Consegui". Realmente é prazeroso. Quando comecei a jogar futebol, meu objetivo era jogar no Milan, que na época tinha os jogadores que se destacavam. Quando apareceu a proposta do Milan, veio a proposta do City, aí escolhi a Inglaterra. Era o melhor time. Foi maravilhoso.
Como foi a experiência de jogar, e ganhar, um Gre-Nal?
Quando cheguei aqui, o pessoal já veio me falar que era um jogo à parte. Sabemos que o Gre-Nal te dá muito e te tira muito. Se vai bem, o pessoal vai falar muito bem, se vai mal, pode ser crucificado. Nesse jogo tem de estar muito bem, estar 200% concentrado, colocar uma coisinha a mais. É um clássico muito importante para o torcedor.