A semifinal brasileira da Libertadores 2023 é um duelo conhecido do país. Foram três disputas decisivas entre colorados e tricolores ao longo da história, uma pelo Brasileirão, uma pela Copa do Brasil e uma pela mesma Libertadores.
Inter e Fluminense protagonizaram uma das maiores partidas do Brasileirão da década de 1970, um encontro de modelos que se refletiu para sempre no estilo de jogar por aqui. Foi entre os dois também a final da única Copa do Brasil vencida pelo Inter, ainda hoje a última conquista nacional dos gaúchos. Mas os cariocas comemoraram no último duelo. O time que viria a ser campeão brasileiro, comandado por Abel Braga, eliminou os colorados, dirigidos por Dorival Jr, há 11 anos.
GZH recorda esses confrontos antes do duelo de quarta-feira (27), pela Libertadores.
Os duelos em mata-mata
Brasileirão 1975
O Inter dominava o cenário gaúcho naquela metade dos anos 1970. Era campeão estadual desde 1969, empilhava vitórias em Gre-Nal e se impunha no Interior. Mas, quando passava do Mampituba, parecia sempre faltar alguma coisinha. Seja o suposto impedimento no gol do Palmeiras na semifinal de 1972, a má estreia na fase semifinal de 1973 e o empate com o Cruzeiro em 1974, a campanha ficava por um detalhe. Até o glorioso 1975. O título veio contra o Cruzeiro no Beira-Rio, mas o país entendeu o que estava ocorrendo uma semana antes, no Maracanã. Em 7 de dezembro de 1975, a Máquina Tricolor e o Brasil conheceram a força colorada.
Antes de falar do Inter, é preciso explicar por que Máquina Tricolor. O Fluminense tinha como presidente Francisco Horta. O dirigente teve, na época, uma ideia brilhante: em vez de pagar para contratar reforços, promoveu, principalmente entre cariocas e paulistas, um troca-troca de jogadores. Alguém está mal no seu clube? De repente pode se recuperar em outro. Um craque está há muito tempo no mesmo lugar? Uma mudança de ares ajuda. E foi assim que levou para as Laranjeiras o maior craque do país: Rivellino. Em desgraça no Corinthians, o Reizinho do Parque trocou São Paulo pelo Rio. Ele se juntou a Félix, Carlos Alberto Torres, Marco Antônio e Paulo César Caju (todos presentes no título mundial da Seleção em 1970) e a outros grandes jogadores como Edinho, Zé Mário e Zé Roberto. O técnico era Didi, o Príncipe.
E foi do treinador uma das frases que marcaram o confronto. Conhecido pela elegância, o grande craque perdeu a linha. Em uma entrevista, afirmou que o Fluminense não só era muito melhor do que o Inter como previa uma goleada na semifinal daquele Brasileirão.
— Lembro que quando chegamos, escutei o presidente deles falar que iam precisar tirar os jogadores de helicóptero de tanta gente que tinha preparada para comemorar. Isso nos motivou ainda mais. Queríamos mostrar que éramos capazes de sair de lá classificados — recorda o capitão Elías Figueroa.
O cenário era esse: 97.908 torcedores encheram as arquibancadas do Maracanã para ver o duelo. Rubens Minelli mostraria sua capacidade de estrategista horas antes. Anunciou uma mudança no time: jogaria Caçapava, Escurinho iria para o banco. A orientação ao volante era simples: marcar Rivellino. A lenda diz que o jovem colorado saiu distribuindo pancadas logo no início e que isso intimidou os cariocas.
Mas o que está registrado e não carece de confirmação é o talento colorado. Passava de meia hora quando Falcão recebeu a bola na ponta esquerda e, com o lado externo do pé, bateu com "nojo". O passe encontrou Lula entrando em velocidade na área. O ponteiro pegou de primeira, a bola encontrou a trave e foi para o gol. Atordoado, o Fluminense terminou aos 29 da segunda etapa. Novamente Falcão começou a jogada. Levou uma bordoada, mas a bola ficou com Jair (que havia entrado no lugar de Valdomiro), que entregou no espaço. Carpegiani ingressou, deu um drible desconcertante em Silveira e, na saída de Félix, encobriu o goleiro.
Nas cabines do Maracanã, o então narrador da Rádio Gaúcha Luiz Carlos Prattes bradava:
— Vão para casa, cariocas!
Era o desafogo daquele time. Daquela circunstância. O desafiante derrubava o favorito. Passados 48 anos, o comunicador vê semelhanças entre os cenários:
— O Fluminense pode ser apontado como favorito por quem não conhece. Mas assim como daquela vez, o Inter não vai entrar em campo como perdedor. Se pudesse dar um recado, diria: "Entrem com calma, coração e vida". Espero que os colorados entrem como não-favorito, mas saia com o topete erguido.
É no espírito de 1975 que o Inter crê para, mais uma vez, superar o Fluminense no Maracanã.
Brasileirão — semifinal — 7/12/1975
- Fluminense: Félix; Toninho, Silveira, Edinho e Marco Antônio; Zé Mário (Carlos Alberto Torres), Paulo César Caju e Rivelino; Gil, Manfrini e Zé Roberto (Cléber). Técnico: Didi.
- Inter: Manga; Valdir, Figueroa, Hermínio e Chico Fraga; Caçapava, Falcão e Paulo César Carpegiani; Valdomiro (Jair), Flávio Minuano e Lula. Técnico: Rubens Minelli.
- Gols: Lula, aos 33 minutos do 1º tempo; Carpegiani, aos 29 minutos do 2º tempo
- Cartões amarelos: Valdir e Hermínio
- Local: Maracanã, Rio de Janeiro
- Público: 97.908 (total)
- Renda: Cr$ 1.984.098
- Arbitragem: Dulcídio Vanderlei Boschilla, auxiliado por Milton Jorge e Rubens Maranhão.
Copa do Brasil 1992
Há dois jogos que basicamente garantem alguma glória na década de 1990 para o Inter: o Gre-Nal dos 5 a 2 de 1997 e o domingo, 13 de dezembro de 1992. Naquela tarde/noite, um pênalti no final do jogo convertido por Célio Silva deu aos colorados o título da Copa do Brasil de 1992, no Beira-Rio, diante do Fluminense.
Naquele ano, o torneio ainda mantinha a regra de valorizar o gol marcado como visitante para desempatar placares igualados no saldo. Por isso, tão importante como aquela penalidade fora a pintura realizada por Caíco no jogo de ida. Que, curiosamente, ocorrera nas Laranjeiras. O Maracanã passava por reformas depois de ter desabado parte da arquibancada na final do Brasileirão, entre Flamengo e Botafogo, meses antes.
A derrota na primeira partida da decisão foi a única na trajetória colorada. Mas o 2 a 1 deixava uma esperança: bastava o 1 a 0 no Beira-Rio que o título ficaria em Porto Alegre.
Porém, como demora para fazer um gol quando mais precisa. Mais de 45 mil colorados tiveram 87 minutos de apreensão até que a bola saísse dos pés de Célio Silva arrancando tufo de grama e um tanto de cal até encontrar a rede no meio do gol de Jéfferson. A penalidade havia sido marcada cinco minutos antes da execução, tamanha foi a reclamação do Fluminense. De fato, Pinga teve a sensibilidade de se deixar tocar na área.
— Foi uma decisão duríssima. Nas Laranjeiras, fomos intimidados, pressionados, não tinha nem lugar no vestiário. No Beira-Rio, eles não queriam jogar, passaram todo o tempo fazendo cera. Me lancei para o ataque quase no desespero e sofri o pênalti — recorda Pinga.
O zagueiro vê lições a ser tirada pelo grupo atual pegando como exemplo 1992:
— Tínhamos muitas lideranças positivas que se posicionavam pelo grupo. E levávamos para o campo os treinos que fazíamos durante a semana. A torcida fez a diferença, também. Isso tudo está presente também agora. Peço que todos acreditem.
Copa do Brasil — final (volta) — 13/12/1992
- Inter: Fernández; Célio Lino, Célio Silva, Pinga e Daniel Franco; Ricardo Costa, Élson (Luciano), Marquinhos e Caíco; Maurício e Gérson (Nando). Técnico: Antônio Lopes.
- Fluminense: Jéfferson; Zé Teodoro, Vica, Souza e Lira; Sandro (Carlinhos), Pires, Sérgio Manoel e Bobô; Vágner e Ézio. Técnico: Sérgio Cosme.
- Gol: Célio Silva, aos 43 minutos do 2º tempo
- Cartões amarelos: Marquinhos (I); Sérgio Manoel, Souza, Ézio, Zé Teodoro e Bobô (F)
- Cartão vermelho: Zé Teodoro
- Local: Beira-Rio
- Público: 45.717 (32.722 pagantes)
- Renda: Cr$ 1.261.290.000
- Arbitragem: José Aparecido de Oliveira, auxiliado por Ângela Paula Regis Ribeiro e Edie Mauro Garcia Detófoli.
Libertadores 2012
Claro que nem só de vitórias coloradas seria composta a história desse confronto. Houve uma vez que o Fluminense ganhou, e foi justamente no único encontro entre os dois em uma competição fora do Brasil. Na Libertadores de 2012, os cariocas comemoraram.
A má campanha na fase de grupos deu ao Inter a 16ª campanha geral entre os que avançaram às oitavas de final. Na época, os confrontos eram definidos pelos resultados nessa etapa. Assim, o time de Dorival Júnior teria de enfrentar a melhor equipe desta fase, o Fluminense de Abel Braga, cinco vitórias e uma derrota em seis jogos.
Na partida de ida, no Beira-Rio em reformas, o Inter desperdiçou a melhor das chances. Aos 12 minutos do segundo tempo, Dátolo cobrou um pênalti e Diego Cavalieri defendeu. O 0 a 0 daria ao Flu a possibilidade de avançar com uma vitória simples. Pelo gol fora, servia ao Inter o empate com gols.
E não é que os colorados saíram na frente? Damião, da entrada da área, abriu o placar. Dois minutos depois, a bola aérea daria o recado pela primeira vez. Leandro Euzébio, de cabeça e impedido, empatou. Aos 45, Fred, também por cima, virou o jogo.
O Inter foi para cima, mas não teve forças para buscar o empate. Era mais um sinal do fim da era gloriosa dos anos 2000. O desafio é que 2023 signifique o mesmo que 1975.
Libertadores — oitavas de final (volta) — 10/5/2012
- Fluminense: Diego Cavalieri; Bruno, Leandro Euzébio, Gum e Carlinho; Edinho, Jean, Deco (Valencia) e Thiago Neves; Rafael Sobis (Marcos Júnior) e Fred (Rafael Moura). Técnico: Abel Braga
- Inter: Muriel; Nei, Moledo, Índio e Fabrício; Sandro Silva, Guiñazu (Dagoberto), Tinga (Jô), Dátolo (Jajá) e Oscar; Leandro Damião. Técnico: Dorival Jr.
- Gols: Leandro Damião, aos 13, Leandro Euzébio, aos 15 e Fred aos 45 minutos do 1º tempo
- Cartões amarelos: Rodrigo Moledo (I); Bruno (F)
- Local: Estádio Nilton Santos, Rio de Janeiro
- Público: 33.386 (29.430 pagantes)
- Renda: R$ 1.080.315
- Arbitragem: Wilson Seneme, auxiliado por Carlos Berkenbrock e Marcelo van Gasse