Torcedores, analistas e dirigentes precisam ter bem claro: o próximo jogo do Inter pela Libertadores não será normal. E dessa vez não é uma desculpa ou uma dificuldade "artificial", como pressão de torcida, por exemplo. Uma partida de futebol disputada a mais de 3,6 mil metros de altitude é completamente diferente do que se está habituado a ver no Brasil. La Paz, de fato, é um fator local decisivo para o Bolívar.
Quem diz isso não é só algum jogador que perdeu por lá (e foram tantos). É a ciência. E não só a pesquisa feita na América do Sul, acostumada a lidar com a Bolívia. Na Europa há dezenas de estudos provando os efeitos da altitude na atividade esportiva. No futebol, especificamente, as influências estão nos atletas e na bola.
— É uma vantagem significativa. Equipes baseadas em cidades que não têm esse tipo de altitude não conseguem se aclimatar com essa condição. Elas perdem performance fisiológica — explica o professor Patrick McSharry, da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha.
Ele comandou uma pesquisa que analisou 1460 partidas ao longo de 100 anos para destrinchar o tamanho da vantagem dos times que mandam seus jogos nas alturas. Seu trabalho percebeu que a chance de vitória da equipe da altitude em casa é quatro vezes maior do que quando atua ao nível do mar.
O Bolívar que o diga. A equipe tem 100% de aproveitamento em La Paz. Fora de casa, perdeu três dos quatro jogos que disputou na Libertadores. No campeonato local, é quarto colocado, atrás de outros três clubes que jogam na altitude: The Strongest, Nacional Potosí e Always Ready.
No futebol de seleções não é diferente. A Bolívia foi a primeira adversária a vencer o Brasil em Eliminatórias de Copa (2 a 0 em 1993). Em 2009, contra a Argentina de Messi e Tévez, comanda por Maradona, aplicou 6 a 1. Ambos os jogos foram em La Paz.
Mas por que a altitude faz tanta diferença? O que ocorre com o corpo de um atleta quando tem de jogar futebol a 3,6 mil metros acima do nível do mar? E quais são os efeitos disso também em outros aspectos do esporte, como a bola? É o que tentamos responder a seguir.
Efeitos no corpo humano
No British Journal of Sports Medicine (Revista Britânica de Medicina Esportiva, em tradução livre), o professor Robert Aughey apresentou os resultados de uma pesquisa explicando as dificuldades do corpo. A sensação tem até um nome popular: Mal da Montanha.
É preciso esclarecer: fisicamente, não há diferença na quantidade de oxigênio no ar. Ele continua sendo cerca de um quinto do ar atmosférico. O que muda é a pressão atmosférica: quando é reduzida, diminui também as moléculas de oxigênio.
Isso, sim, é problema. A oxigenação do sangue fica prejudicada e carrega consigo uma redução da capacidade muscular. O desempenho cai mesmo. Isso quando não vem acompanhado de fortes dores de cabeça, dificuldades para dormir, náusea e mal-estar.
No estudo do professor Aughey, a capacidade aeróbica do atleta é 25% menor na altitude do que no local onde está acostumado a praticar esporte, enquanto a ventilação e os batimentos cardíacos aumentam. O reflexo se vê em campo: os jogadores correm menos e erram mais. Em sua conclusão, nem sequer 13 dias são suficientes para atletas não-locais atingirem a aclimatação necessária.
Como não é possível ficar mais de duas semanas em La Paz em meio à temporada, os clubes brasileiros (e argentinos, uruguaios, entre outros) costumam ir apenas momentos antes da partida. É que os estudos comprovam que o pior da altitude se dá entre 24 e 72 horas após a chegada.
Há duas formas de tentar reduzir o prejuízo. Uma é ir "subindo" gradualmente — um dia a 1 mil metros, outro a 2 mil metros e assim por diante. A outra é a que será adotada pelo Inter: o time viaja para Santa Cruz de la Sierra e só sai de lá na terça mesmo, horas antes da partida.
Uma ação curiosa foi feita pelos argentinos, tanto em clubes quanto na seleção. Jogadores foram medicados com um remédio para disfunção erétil e doses de café. A combinação entre eles mais paracetamol ajudam na vasodilatação. Em 2017, não adiantou nada: a Argentina perdeu para a Bolívia por 2 a 0.
Efeitos na bola
Além da capacidade atlética, a outra diferença nítida da altitude é na bola. A menor pressão atmosférica reduz a resistência do ar. E isso influencia diretamente na velocidade e na direção da bola.
O professor doutor Fernando Lang da Silveira, do departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apresentou uma resposta sobre isso. A densidade do ar na altitude é um terço menor do que ao nível do mar. Por isso, aumenta a potência da batida e oferece menos resistência em caso de curva.
Em sua conclusão, "não é desprezível" a diferença de um chute desferido na altitude. "Estas mudanças nas ações do ar sobre a bola podem ser perceptíveis quando as trajetórias nos dois locais forem comparadas", finaliza.