Interior de Santa Cruz, primeira metade dos anos 1990. Uma criança bem clarinha, cabelos quase brancos de tão loiros, fardado dos pés à cabeça, cria um cenário. Na propriedade da família, em um terreno acidentado, em aclive/declive, imagina o vestiário, a arquibancada, a trave, o gol, a festa com a torcida e até a entrevista depois do jogo. A única coisa de verdade era a bola, companheira para cima e para baixo. Em 2023, Pedro Henrique transformará em realidade a fantasia da infância. Aos 32 anos, vestindo a camisa do Inter, estará em campo pela primeira vez no jogo mais tradicional do Rio Grande do Sul, a partir das 20h deste domingo, na Arena.
— Isso teve a ver com meu pai, avô dele, Osvaldo. Ele ouvia os jogos, era uma época que não tinha tanta transmissão na TV, né? O Pedro ficava na volta, e o que não entendia, perguntava — conta Edgard Pedro Konzen, o Neka, tio e padrinho do atacante colorado.
Os avós e o tio, na verdade, foram pais do jogador. É que, quando tinha seis anos, Pedro Henrique sofreu o pior abalo que uma criança pode ter. Sua mãe, Dulce, morava em Novo Hamburgo durante a semana, por causa do trabalho. Voltava para casa assim que possível. Pois em uma segunda-feira dessas, a família recebeu uma ligação ainda de manhã, poucas horas depois de ela ter saído: a mãe havia sofrido um aneurisma cerebral e não resistiu. O menino não tinha relação com o pai, então foi amparado pelos Konzen.
Eles aceleraram o processo de adoção inclusive por uma questão legal, ligada ao futebol. Pedro era da base do Santa Cruz e não pôde ser inscrito no início de um Gauchão porque seu documento não tinha assinatura de pais ou responsáveis.
Com a guarda do guri, coube ao tio Neka a missão de mantê-lo colorado. Nas agruras dos anos 1990, o padrinho prometia ao afilhado que valia a pena esperar e aguentar as derrotas. As glórias viriam. Pedro tinha 16 anos quando o Inter ganhou a América e o mundo, em 2006. Mas enquanto a redenção não veio, o negócio foi representar o time do coração nos Gre-Nais da escola.
— Ele voltava cheio de roxão, porque jogava com os mais velhos. E não se importava. Dizia: "Apanhei, mas ganhamos" — reforça Neka.
Mas agora isso tudo é passado. Assim, já começou a concentração, quase não sai de casa e fica fechado. Fala com a família, mas muda o tempo da conversa, o assunto.
Porque quando Leandro Vuaden der início ao jogo de domingo, importa menos, quase nada, o que fazia na infância. Ele mesmo mostrou essa consciência, quando concedeu entrevista ao Grupo RBS:
— Só dizer que sou colorado não ia adiantar nada, iam me falar: "Então vem para a arquibancada com a gente". Precisava agregar qualidade, coisas boas.
Algo como repetir o que tem feito em 2023. Após nove rodadas, é o artilheiro do Gauchão, com oito gols. Também deu um assistência. A cada 66 minutos, participa de um gol do Inter. Jogou pendurado contra o Aimoré e segurou a onda. Nem no gol exagerou na comemoração— e foi um golaço. Tudo para evitar o cartão. Desde antes, já havia dito que sabia da importância da partida em São Leopoldo, mas depois dele viria o Gre-Nal.
Qualquer criança sabe o peso desse clássico. Ainda mais que as glórias do time do coração, agora, são parte de sua responsabilidade. Ele é inspiração para os "Pedro Henriques" que imaginam jogos por aí Rio Grande do Sul afora. Inclusive os que escutarão em família e sonharão fazer um gol importante em clássico.
Pedro Henrique em 2023
- 9 jogos
- 600 minutos
- 8 gols
- 1 assistência
- 66 minutos para participar de gol