Às vezes a primeira oportunidade surge do nada e a segunda demora a vir. Keiller é um desses casos. E não é que o goleiro do Inter tenha deixado escapar a chance inicial. Pelo contrário. Foi muito bem. Bem provavelmente não seja o adjetivo mais correto. Foi salvador. Mas o futebol tem seus labirintos que por vezes tornam longo o trajeto até o outro lado.
Keiller sempre foi tratado como promessa. Há cinco anos, quando tinha 20, era o terceiro goleiro colorado, atrás dos experientes Danilo Fernandes e Marcelo Lomba. Era um ano de Série B. Vida dura. Uma temporada para ganhar experiência e, quem sabe, estrear no ano seguinte em uma situação menos tensa.
Nada disso. O destino colocou o goleiro no meio da fogueira. Danilo Fernandes se lesionou. A fratura no pé abriu espaço para Marcelo Lomba. O reserva foi essencial para a classificação do Inter na Copa do Brasil contra o Corinthians, em 2017. Keiller acompanhou tudo do banco. Dali parecia que não sairia tão cedo, afinal qual a chance de dois goleiros de um mesmo clube se lesionar ao mesmo tempo?
Era 20 de abril. Três dias depois, o time então comandado por Antônio Carlos Zago tinha o Caxias pelo caminho, pela semifinal do Gauchão. Eis que com sete minutos de jogo o improvável se materializou. Marcelo Lomba sofreu uma lesão muscular. Talvez se Lomba seguisse em campo a história fosse outra.
Keiller entrou e pegou dois pênaltis, um no tempo normal e outro na série de desempate. Foi de herói na estreia a titular na final do Gauchão contra o Novo Hamburgo. O enredo mudou no fim do primeiro jogo da final. O goleiro da base colorada sofreu uma luxação no cotovelo e, no sacrifício, Lomba foi a campo — o clube inscreveu apenas três jogadores da posição para disputar aquele Estadual.
— Ele foi muito tranquilo nessa situação. Essa é uma característica dele. Lembro do Pavan (preparador de goleiros) conversando com ele. Entrou sem problema nenhum. Por isso, fez uma grande partida. Um cara extremamente profissional e concentrado — relata Maurício Dulac, auxiliar da comissão técnica à época.
Enquanto se recuperava de lesão, a situação voltou ao normal. Keiller retornou duas casas na hierarquia da posição. Se passaram 1.739 dias para que voltasse a ter uma chance pelo clube que o formou. Por mais estranho que pareça, o 0 a 0 com o São Luiz, na quarta-feira (2), foi o primeiro jogo completo que Keiller disputou com a camisa do Inter.
Nesses quase cinco anos, ele treinou muito, viu o time jogar tantas vezes pela televisão e sentou no banco de reservas em outro grande número de partidas, mas não calçou as luvas para defender a meta colorada nenhuma vez. Só foi ter minutos em campo ao ser emprestado à Chapecoense no ano passado.
— É um menino com potencial tremendo. Ele chegou lá em um nível, começou a jogar, depois ficou alguns jogos fora. Nesse meio tempo, teve uma evolução violenta. Eu brincava que tinha sido um prazer trabalhar com ele, mas que ele não ia me ver tão cedo, porque do Inter, ele deve ir para fora do Brasil — prevê Felipe Endres, auxiliar da equipe catarinense na temporada passada.
Desde seu primeiro treino como goleiro, Keiller mostrou a coragem que marca a sua trajetória sob as traves. Como contou Leonardo Oliveira em 2017, bastaram duas defesas frente a frente com Yuri Mamute para que fosse chamado para treinar na categoria sub-10 do Grêmio.
— No jogo contra o Corinthians, no ano passado, ele levou uma bolada no rosto, lembrou um goleiro de futsal. Saiu de peito aberto, olhando a bola. No lance seguinte, foi para tomar outra bolada — lembra Endres.
A chegada ao Inter foi somente aos 13 anos. Nos juvenis, quando era titular do time de Clemer, parou a carreira por oito meses para tratar a ruptura de uma vértebra. Nesses anos na base, além de trazer a coragem inata, desenvolveu uma técnica elogiável, uma ótima orientação espacial e uma reposição de bola qualificada.
Sua dedicação nos treino o transformou em um "estraga-prazeres", dando dor de cabeça aos treinadores.
— Ele "estragava" o treino porque não sofria gol. Tínhamos que adaptar a regra da atividade — conta Endres.
— Você olha para o gol sabe que ali tem um cara seguro. A imagem que passa é de que ele não vai tomar gol — complementa.
Agora, não são apenas os adversários que ficam preocupados ao verem o gol pequeno. Daniel, titular da meta colorada, deve olhar para Keiller e ver um forte concorrente pela titularidade.