Recém-lançada em português, a biografia de D'Alessandro traz várias histórias de certa forma inéditas e sua versão sobre tantas outras em sua passagem de quase 13 anos no Inter. No livro "D'Ale: meus sonhos, meu futebol, minha vida, meu legado" (editora Sulina, 336 páginas, R$ 69,90), o eterno camisa 10 colorado deu detalhes sobre sua vida no esporte. E, claro, sobre Porto Alegre.
Sua passagem pelo Inter rendeu capítulos até então inéditos. Ao menos de sua versão sobre alguns fatos, como a briga com Tite, a proposta para jogar na China e a saída em 2016, além do desentendimento com Maicon, do Grêmio, a quem chama de irresponsável, sua relação com as redes sociais, com o Gre-Nal. Não escondeu suas glórias e suas decepções. Também falou sobre sua amizade com Taison e com ídolos como Fernandão, Falcão, Figueroa e Dunga.
A obra, assinada também pelo jornalista argentino Diego Borinsky, aborda a infância do jogador, sua experiência na Europa, a negociação frustrada com o Barcelona, a presença na seleção argentina, o River Plate. Um livro revelador, com linguagem ágil, dividido em capítulos, ótimo para saber mais sobre a carreira de um dos atletas mais marcantes da história do futebol gaúcho.
A seguir, veja alguns trechos, relacionados ao Inter.
Sul-Americana
A primeira sondagem que D'Alessandro recebeu para jogar no futebol brasileiro, quando ainda estava no San Lorenzo veio do... Grêmio. Apesar do interesse, a proposta tricolor, de empréstimo, não agradou aos donos de seus direitos. O Inter, com investimento de Delcir Sonda, pagou para contratá-lo e conversas com Fernando Carvalho, então diretor de futebol, foram decisivas para sua chegada.
Seu começo, já na Copa Sul-Americana, coincidiu com Gre-Nais. E vitoriosos. Superou o rival na competição continental com dois empates (avançou graças a ter feito mais gols como visitante) e fez seu primeiro gol no clássico no 4 a 1 daquele Brasileirão de 2008. D'Ale escolheu esse e o da virada que valeu o título gaúcho de 2011, no Olímpico, como seus preferidos.
Antes do quinto mês de contrato, já havia sido protagonista do título da Sul-Americana, que teve ainda vitórias sobre Boca Juniors, Chivas e Estudiantes.
Tite
Nessa época de sua chegada, Tite era o técnico. Depois de um começo amigável, de confiança mútua, os dois se desentenderam. O jogador contou que ficou contrariado de ter sido, primeiro, conduzido à reserva (afirma ter sentido como se fosse o único culpado por uma sequência sem vitórias) e, na sequência, retirada a condição de cobrador de faltas. Admitiu que, durante um jogo contra o Botafogo, no Rio, discutiu asperamente com o treinador e foi afastado, ficando de fora da viagem para Copa Suruga. Até voltou ao time, mas Tite foi demitido meses depois. Apesar do atrito, o meia do Nacional-URU garante não ter mágoa e que mantém relação cordial com o atual técnico da Seleção. O sucessor, Mário Sérgio, recebeu rasgados elogios do argentino.
William
D'Alessandro lembrou também que, nessa passagem de 2009, brigou com William, zagueiro do Corinthians, na final da Copa do Brasil:
— Sabia que seria expulso e tentei levar um comigo. Mas William foi inteligente, manteve a cabeça fria e se afastava, rindo. Passei uma grande vergonha.
Glória de 2010
O jogador detalhou a conquista da Libertadores de 2010, sua maior glória com a camisa colorada. Relembrou as partidas, a troca de Jorge Fossati por Celso Roth e a briga com o Estudiantes, logo após o gol de Giuliano na fumaça, em Quilmes. Foi nessa época que fez sua maior amizade no Inter, a quem guarda um capítulo especial: Taison. Na sequência, recordou a decepção com a derrota na semifinal do Mundial de Clubes meses depois.
Proposta da China
No começo de 2012, o empresário de D'Alessandro, Matías Aldao, apresentou uma proposta do Shanghai Shenua, da China. O Inter receberia US$ 8 milhões; o jogador, US$ 500 mil por mês (US$ 12 milhões no total, caso cumprisse os dois anos de contrato).
— Passei noites sem dormir. Era uma fortuna. Conversei com Erica (sua mulher) porque gostamos muito de Porto Alegre e seria uma mudança grande, quando se tem filhos, mudamos as prioridades.
Então veio o jogo com o Once Caldas, pela Libertadores. Quando entrou no campo, capitão pela primeira vez, ouviu a torcida cantar "Fica, D'Alessandro". Emocionou-se. Mais tarde, já em casa, ainda morava em um apartamento no 11º andar, quando ouviu barulhos na rua. Pensou ser ensaio de blocos de carnaval, mas o porteiro lhe interfonou: havia mais de uma centena de torcedores na frente do prédio. Desceu e foi conversar. Pediam que não deixasse o clube.
— Foi a peça que faltava. Liguei para o Matías e disse: "Se o Inter fizer um esforço financeiro, eu fico".
O clube lhe propôs um novo contrato e ele desistiu de ir para a China.
Decepção e saída
Sua saída ocorreria quatro anos depois. E por outras razões. A troca de gestão, em 2015, diz ele, apresentou um cenário que não tinha vivido. D'Alessandro afirmou que os novos dirigentes não dialogavam com os atletas, tiveram, em sua visão, tratamento desrespeitoso com Dida e Lisandro López e demitiram Diego Aguirre precipitadamente, lançando Odair Hellmann na fogueira de um Gre-Nal na Arena, que terminou com vitória gremista por 5 a 0. Então capitão, teve um mal-estar com um dirigente quando o grupo de jogadores recebeu apenas metade de uma premiação acertada antes do Gre-Nal do segundo turno, vitória colorada por 1 a 0.
— Ainda bem que tinha as mensagens guardadas no telefone para provar aos companheiros — disse, mostrando uma das tantas justificativas para sair do clube.
Retorno
Seu retorno, em 2017, foi diretamente ligado à mudança de gestão. O relacionamento com o ex-presidente Marcelo Medeiros e o então vice de futebol, Roberto Melo, pesou para que voltasse ao Inter. Mesmo que fosse para a Série B.
Na segunda divisão, falou sobre o jogo com a Luverdense, no acanhado Estádio Passo das Emas, e da declaração de Guto Ferreira, que atribuía exclusivamente aos jogadores o empate. Ele e outros jogadores conversaram com o treinador para que explicasse sua declaração. Mas uma semana depois, Guto foi demitido, trocado por Odair.
O Papito, aliás, seguiu no time no ano seguinte, e D'Alessandro foi responsável por isso. Enquanto estava na concentração, na madrugada, antes da última partida da Série B, recebeu uma ligação de um dirigente, querendo saber sua opinião sobre a efetivação de Odair já que Abel Braga havia rejeitado o convite. Na mesma hora, convocou outros líderes do grupo e todos concordaram. Consolidava-se, assim, outra amizade do argentino, que durou mesmo quando foi reserva.
Briga com Maicon
D'Alessandro odeia redes sociais, especialmente o Twitter. Foi por causa disso que ocorreu uma de suas polêmicas mais famosas. Em seu entendimento, as provocações dos jogadores, de torcedores e de jornalistas haviam passado dos limites, a começar por Sasha e logo após, com Luan. O ambiente estava bélico, e ele, antes de um Gre-Nal, chamou Moledo e Marcelo Lomba para conversar com Geromel, Marcelo Grohe e Maicon. Sugeriu aos companheiros de profissão que, não importasse quem ganhasse, haveria uma diminuição na "corneta".
— As ofensas estavam virando briga na rua. Temos filhos que vão aos mesmos colégios, era exagerado. Grohe é uma pessoa bárbara, me acompanhou em ações sociais, com Geromel nunca houve problema. Cinco pessoas entenderam, Maicon não. Saiu dali dizendo que tínhamos pedido para não debocharem. O fotógrafo deles tirou uma foto sem que autorizássemos. Quis fazer média com a torcida, que tinha ido protestar uns dias antes. Foi um irresponsável — diz D'Alessandro.
A polêmica seguiu no Gre-Nal seguinte, quando ele e Maicon discutiram ainda no cara ou coroa. E, fora do ambiente profissional, D'Alessandro contratou um escritório para processar quem o difamasse ou caluniasse nas redes sociais:
— Ganhei na Justiça. Tiveram que pedir desculpas, fazer trabalho comunitário ou pagar. O dinheiro foi doado a instituições de caridade.
Libertadores 2018
Uma passagem inusitada, que ilustra o "coloradismo" de D'Alessandro foi em um jogo que não envolveu o Inter. Mas, sim, o Grêmio. E sua presença.
Na Libertadores de 2018, o Grêmio enfrentaria o Estudiantes nas oitavas de final. O time de La Plata treinou no CT do Inter e D'Ale foi ao hotel conversar com os jogadores e com Verón. O Grêmio se classificou. Depois, com o Tucumán, a mesma coisa. Torcedores — e até a narração da rádio do Grêmio —, então, passaram a dizer que ele dava sorte ao rival. Calhou que o adversário da semi seria o River Plate. Por óbvio, o time usou as dependências coloradas e o jogador foi visitar seus amigos.
Na hora do jogo, porém, ficou nervoso demais. O Grêmio já tinha vencido a partida de ida e ele resolveu não acompanhar o duelo da Arena:
— Estava jantando e começou uma gritaria no condomínio que morava. Claro, havia gremistas e colorados. A curiosidade foi maior e liguei a TV e Pity Martínez estava comemorando. O placar dizia 2 a 1 e 55 minutos. Estava tão perdido que achei que era o início do segundo tempo. Só depois percebi que eram os acréscimos. Quando acabou, busquei meus amigos que vieram da Argentina e fomos ao hotel do River. Ponzio me deu uma camiseta e ficamos conversando. Foi uma festa dupla, de alívio pela derrota do Grêmio e de alegria pelo River.
Serviço
- O que: Livro "D'Ale: meus sonhos, meu futebol, minha vida, meu legado"
- Onde comprar: versão em português no site da editora Sulina (editorasulina.com.br); em espanhol, em amazon.co
- Preço: R$ 69,90 (impressa), US$ 8,90 (e-book)
- Vendas p/ consulados e grandes volumes: rodolfo@10dalessandro.com e guilherme@10dalessandro.com (contatos dos responsáveis)