Há exatos 10 anos, o Inter pintava a América de vermelho pela segunda vez e consolidava-se como um dos grandes do futebol sul-americano. Não há colorado que esqueça o que aconteceu naquela Libertadores de 2010: as batalhas com o Banfield, a classificação na fumaceira de Quilmes diante do Estudiantes, o reencontro com o São Paulo na semi e a decisão contra os mexicanos do Chivas Guadalajara. Está tudo gravado na memória.
— O espírito que aquele time e aquele grupo transmitiam era o de coletividade acima de tudo. Pegar junto. Não desistir antes do apito final. Foi uma caminhada sofrida, com classificações heroicas e, até, improváveis. Mas se teve final feliz, foi porque houve essa entrega dos jogadores. E, claro, qualidade. Em todos os setores do campo. Não se vence um título desse tamanho sem qualidade — ressalta o colorado Lelê Bortholacci, comunicador do Grupo RBS.
Tudo começou ainda no ano anterior, quando a equipe foi vice-campeã brasileira, atrás do Flamengo. A chance do título esvaiu-se na última rodada, quando o time dependia de uma vitória do Grêmio sobre os cariocas para ultrapassar o rubro-negro. Assim, o Inter entrou em 2010 mirando uma grande conquista. De preferência, a que acabou conquistando: a Libertadores.
Para isso, contratou o uruguaio Jorge Fossati, que havia sido campeão da Copa Sul-Americana e da Recopa no ano anterior, pela LDU. Com ele, a equipe passou com três vitórias e três empates como líder do Grupo 5, deixando para trás Deportivo Quito e Emelec, do Equador, além do Cerro do Uruguai. Depois, nos mata-matas, não faltou emoção.
Nas oitavas, o Inter precisou passar pelo Banfield de James Rodríguez, que quatro anos depois seria o artilheiro da Copa do Mundo no Brasil. O meia colombiano era um dos destaques do time, que havia sido campeão do Torneio Apertura da Argentina em 2009 e classificado em segundo no Grupo 6 da Libertadores, mas com o melhor ataque da competição.
No primeiro confronto, em Buenos Aires, 3 a 1 para o time de James Rodríguez — que fez o primeiro gol da vitória marcada por polêmicas de arbitragem. Na volta, no Beira-Rio, um Inter pressionado pela perda do Gauchão para o Grêmio precisava fazer um jogo sem erros. E, com o apoio de 35 mil torcedores, conseguiu. Venceu por 2 a 0 e, pelo gol fora, garantiu a classificação no que ficou conhecido como "o dia em que Walter foi melhor do que James Rodríguez", já que o atacante colorado, à época com 20 anos, marcou o segundo gol, que valeu a vaga para o Inter.
Na fase seguinte, uma pedreira ainda maior: o Estudiantes, atual campeão da Libertadores. Apesar da vitória por 1 a 0 em Porto Alegre, na ida, o segundo jogo foi o símbolo daquela campanha. Não houve torcedor que não tenha dito: "depois dessa vitória, seremos campeões". Quem não recorda, vai entender por quê.
O Inter perdia por 2 a 0 no final do primeiro tempo e os argentinos seguiam pressionando, sob o comando do capitão Juan Sebastián Verón. Assim o jogo permaneceu até os 43 minutos da etapa final. A torcida do Estudiantes acendia sinalizadores no estádio Centenário, em Quilmes, e cantava a vitória até que o improvável aconteceu. Em meio aos gritos vindos da arquibancada e da fumaça dos fogos de artifício, Andrezinho lançou Giuliano, que bateu na saída de Orión para colocar o time na semifinal.
— Faz 10 anos que é celebrado o gol da fumaça. Um gol que ficou marcado para a torcida do Inter, mas especialmente para mim. Eu era muito jovem na oportunidade. O Inter estava sendo eliminado. Entrei e, aos 43 minutos, fiz o gol da classificação. Isso muda meu caminho como jogador de futebol, muda o caminho do Inter na Libertadores — recordou Giuliano em entrevista ao ge.globo em maio deste ano, ao recordar os 10 anos deste gol.
Pausa para a Copa
Se as quartas de final foram em maio, as semis foram apenas no fim de julho, depois da Copa do Mundo da África do Sul, vencida pela Espanha. Neste meio tempo, muita coisa mudou no Inter. A começar, pelo treinador. Apesar das classificações no torneio continental, a direção colorada optou pela demissão de Fossati. Para seu lugar, foi contratado Celso Roth.
— Nós respeitamos o Fossati, que é um excelente treinador e tinha uma boa relação com todos. Mas o nosso time tinha muita dificuldade para jogar fora de casa, e time que não vence fora, não ganha título — explica Fernando Carvalho, vice-presidente de futebol em 2010 e presidente dos títulos da América e do Mundo em 2006.
Além disso, o clube repatriou nomes importantes como o goleiro Renan, o volante Tinga e o atacante Rafael Sobis para a reta final da Libertadores. Inclusive, para inscrever os três a tempo de jogarem a semifinal, contra o São Paulo, o Inter pediu à CBF a antecipação da janela de transferências. O trio pôde ser inscrito a tempo, em 20 de julho, e todos foram a campo nos duelos com o tricolor paulista.
No primeiro jogo, vitória do Inter no Beira-Rio por 1 a 0, novamente com gol de Giuliano — que acabou escolhido o melhor da Libertadores daquele ano e viu D'Alessandro ser eleito o Rei da América em 2010. Na volta, apesar da vitória são-paulina por 2 a 1, classificação para o Inter, que chegava à final com vaga garantida no Mundial de Clubes, já que o adversário seria o Chivas Guadalajara, do México, e os clubes mexicanos não podiam garantir lugar no torneio da Fifa via Libertadores.
Assim, o Inter caminhava para o segundo título da América. Mas, antes, teria de superar o time mexicano e seu estádio com grama sintética. O Chivas Guadalajara, aliás, havia entrado direto nas oitavas de final da Libertadores de 2010, já que foi eliminada no ano anterior nesta mesma etapa da competição devido ao surto de H1N1 no país da América Norte, o que impediu jogos por lá. Assim, o time foi eliminando os adversário na fase eliminatória até encontrar os colorados na final.
— Foi uma final muito esperada por nós. Queríamos fazer coisas importantes pelo clube. Tínhamos a experiência de quatro Copas Libertadores anteriormente, em que conseguimos bons resultados, mas ainda não havíamos chegado a uma final — relatou o zagueiro e capitão do time, Héctor Reynoso.
Mas não adiantaria de nada a vontade dos mexicanos. Venceria a qualidade, aquela lembrada por Lelê no início do texto. Com gols de Giuliano e Bolivar, o Inter venceu os donos da casa no Estádio Omnilife, recém-inaugurado e com gramado artificial. Na volta, no Beira-Rio, coube aos mais de 50 mil colorados presentes no estádio empurrarem o time para nova vitória, esta por 3 a 2, com gols de Sobis, Damião e novamente Giuliano.
Assim, como dizia a crônica publicada em Zero Hora após o triunfo naquele 18 de agosto de 2010, "o Inter passou a segunda demão de tinta vermelha no continente". Agora, 10 anos depois, fica a lembrança e a expectativa do torcedor sobre quando os longos traços da América serão, mais uma vez, pintados de vermelho e branco e libertados — com perdão do trocadilho — pelo Inter.