Cinco anos atrás, em um braço do Rio Araguaia, na cidade de Aruanã, em Goiás, Fernandão deixava o nosso convívio diário, físico, terreno, mortal, e se transformava em lenda. Na verdade, ele já era a história vencedora do Inter. Em um Mundial cada vez mais inacessível aos clubes sul-americanos, a icônica imagem do capitão colorado erguendo a taça da Fifa, sob os olhares ainda estupefatos de gigantes como Ronaldinho, Xavi, Deco, Iniesta e companhia, é eterna.
Hoje, Fernandão vive na memória afetiva dos colorados, que o reverenciam em forma de estátua, no pátio do Beira-Rio, e nos gêmeos Enzo e Eloá. E cada vez mais Fernandão, Inter e Porto Alegre estarão próximos. Fernanda Bizzotto Costa, viúva do camisa 9, pretende fazer da capital gaúcha a morada final de Fernandão. O translado do corpo, de Goiânia para Porto Alegre, já está nos planos da família. Para os colorados, o culto ao capitão de Yokohama poderá agora se transferir para Enzo, atacante de 16 anos de idade, que dá seus primeiros passos na equipe sub-17 do Inter.
— Enzo está progredindo, ele trabalha muito. Em campo, lembra muito o pai. Em casa também, mas com o jeitinho dele. Ele é muito dedicado, acho até engraçado porque ele tem 16 anos e já viaja, já concentra um dia antes do jogo. É muita dedicação e muita vontade. Ele abre mão de muita coisa para estar ali o tempo todo. Está crescendo, falta muita coisa ainda, mas ele está merecendo — aposta Fernanda, que brinca lembrar mais ainda de Fernandão ao ver Enzo correndo "remando", com os braços ao lado do corpo, como eram as arrancadas do pai.
Ainda que nem família, nem Inter desejem colocar uma injusta pressão sobre Enzo, impossível não ver Fernandão no garoto. Dos traços do rosto, ao corpo longilíneo, passando pelo chute e o cabeceio, Enzo lembra muito o pai. A sua estreia na equipe do técnico Gabriel Carvalho ocorreu um mês atrás, quando o Colorado goleou o Tamoio, de Viamão, pela terceira rodada do Gauchão da categoria. Enzo deu duas assistências e marcou um gol — de centroavante, pegando um rebote.
— Trata-se de um atleta que atua como centroavante, é inteligente, com ótimo entendimento tático, tem bom poder de conclusão e uma visão de jogo bastante interessante. Temos trabalhado para melhorar sua mobilidade e intensidade de jogo para que consiga se adaptar o mais rápido possível a nova categoria — diz Gabriel Carvalho. — Não gosto de estabelecer este tipo de comparação (com Fernandão). O que posso dizer é que o cabeceio é uma das qualidades do Enzo, e que estamos trabalhando ao máximo para que ele continue evoluindo como atleta. É o desejo de todos — completa o treinador.
No que depender de mentores, Enzo está cercado de talentos. Entre eles, estão Iarley e Ortiz, ambos professores do Projeto Aprimorar, que ensinam e lapidam os fundamentos da garotada da base do Inter. Iarley foi um dos principais confidentes de Fernandão na turma de 2006. Amigos dentro e fora de campo.
— Logo que cheguei na base, a minha relação com ele foi para o lado do parceiro e do amigo. De estar treinando-o, de estar corrigindo-o — comenta Iarley. — No início, ele perguntou algumas coisas sobre o pai, como era jogando e tal. Mas eu disse: "Cara, você é completamente diferente. Tu é o Enzo e joga desta maneira. O Fernando joga de outra e tu vai ter sucesso se for determinado nos treinos. Tens o dom, agora, tens que transformar isto dentro do campo". São dicas que eu dou para ele, como eu dou para o companheiro de time dele — acrescenta o camisa 10 do Mundial de 2006.
Aos 14 anos, Enzo assinou o seu primeiro contrato com o Inter. Na época, dois anos atrás, um vínculo de formação, com validade de três anos. Agora, ele já pode assinar seu primeiro contrato profissional com o clube. Gilmar Veloz administra sua carreira, e Marcelo Campos, um dos grandes amigos de Fernandão, coordena a gestão de imagem do jovem atacante.
Mas Enzo não é único da família a tentar seguir os passos do pai. O ditado clichê de que o fruto não cai longe do pé não se aplica somente ao jovem centroavante. Sua irmã, Eloá, também encara os primeiros passos, ou melhor, passes no futebol.
A gêmea de 16 anos era bailarina. Também dança jazz, mas já avisou que quer jogar bola. A mãe conta que a paixão da jovem começou na escola.
— Agora, ela começou a jogar bola. Está jogando na escola, gostando muito e já me pediu para levá-la na escolinha da Duda (Luizelle, ex-jogadora do Inter). Já fui lá com ela, ainda não consegui terminar a organização, mas ela já me pediu para levá-la no Inter. Ela também é muito dedicada. Não fazia três balõezinhos, e agora acho que já faz uns 30. Passa o dia treinando — diz orgulhosa, Fernanda.
Em breve, Enzo assinará seu primeiro contrato profissional. E, quem sabe, Eloá não siga o mesmo caminho? Momento que será simbólico, para o garoto, para a garota, para o clube, e certamente para o espírito de Fernandão.