As praias de Lima têm ondas altas e, em sua maioria, em vez de areia fina, pedra e cascalho. Guerrero foi criado no distrito de Chorrillos, ao sul da cidade — um pouco mais adiante, saindo da área central, fica San Isidro, onde vive sua família. O encontro do Oceano Pacífico com as montanhas é uma atração de Chorrillos, que costuma atrair muitas pessoas no verão.
Camisa 9 da seleção nacional, ídolo dos peruanos, Guerrero deu os primeiros chutes a gol no estádio municipal local, conhecido como "Cancha de los Muertos", pois foi construído onde antes havia um cemitério. Um dos funcionários que trabalham na manutenção do estádio, Carlos de Carpio, 59 anos, lembra até hoje do menino Paolo:
— Eu o conheço desde que ele era garoto. Sempre foi uma pessoa humilde. Lembro que ele adorava ir à praia, gostava de pescar com os amigos e, principalmente, de jogar futebol aqui no campo. Todos os "chorrillanos" o adoram.
Aos cinco anos, Guerrero foi levado pela família para jogar no Águilas de Barranco, um clube pequeno de Lima. Ali, o garoto conheceu Julio Cullao, que se tornou o seu primeiro técnico.
— Treinei-o dos cinco aos 13 anos. Ele era incrível. Tinha uma velocidade tremenda. Naquela idade, já era um camisa nove perfeito. E ele sempre jogava contra meninos maiores. Quando tinha oito anos, jogava contra os de 10. Quando completou 10, competia contra os de 11 ou 12 — relata Cullao, hoje com 63 anos.
Boto a mão no fogo por ele. Ele não tomava nem álcool. Nunca o vi beber
GABRIEL REAÑO
Ex-colega de Guerrero, sobre a punição por doping
A ligação familiar levou Guerrero para as divisões de base do Alianza Lima, um dos clubes mais tradicionais do Peru. José "Caíco" González, tio do atacante, era goleiro e ídolo da equipe. Morreu em 1987, em um trágico e célebre acidente aéreo que vitimou todos os jogadores e toda a comissão técnica do time. No Alianza, o reconhecimento de Guerrero veio rapidamente.
— Ele sempre se destacava. Era tecnicamente um ganhador. Sempre foi profissional e pontual. Nunca faltava aos treinos — recorda juan Pedro Guevara, um dos técnicos que o atacante teve à época.
Diretor das divisões de base do Alianza, Constantino Carvallo, já falecido, era também proprietário de um dos melhores colégios de Lima, o Los Reyes Rojos. Para ajudar os meninos do clube, o empresário deu bolsas de estudos para 40 garotos promissores do clube. Guerrero estava entre eles.
— Todos os meninos que vieram do Alianza para o colégio eram bons, mas o Paolo era o melhor deles. Quando o vi dominar uma bola pela primeira vez, já vi que seria profissional. Nos tornamos amigos, eu ia na casa dele, e ele, na minha. Falávamos muito sobre futebol. Naquela época, já me chamava atenção a habilidade dele em aprender idiomas. Hoje, ele fala inglês, alemão e português. É um rapaz muito inteligente — relembra o publicitário Gabriel Reaño, 36 anos, contemporâneo de Guerrero no colégio.
As lembranças do comportamento de Guerrero naquele tempo também fazem Gabriel duvidar de que o amigo seja culpado no caso de doping.
— Isso é impossível. Boto a mão no fogo por ele. Ele não tomava nem álcool. Nunca o vi beber. Quando já éramos maiores de idade, saímos algumas vezes. Eu bebia, e ele, não — relata.
O Colégio Los Reyes Rojos fica no bairro Barranco, um dos mais turísticos de Lima. Habitado pela classe média-alta, situa-se entre Chorrillos e San Isidro e se destaca pelas atividades boêmias, as cores vibrantes do casario histórico e a vista para o Pacífico. A escola é uma instituição tradicional do lugar. Há 35 anos trabalhando lá, a faxineira Candelária Iglesias, 65, recorda até hoje do "menino" Paolo.
— Ele era muito respeitoso com todos. Como todos garotos, adorava jogar futebol. Eu gostava muito dele. Sempre teve um comportamento muito bom — afirma Candelária.
Nos campeonatos intercolegiais, muito tradicionais em Lima nos anos 1990, Guerrero fazia a diferença para Los Reyes Rojos.
— Não estávamos acostumados a ganhar. Em 1998, chegamos à final contra o Jose Maria Eguren, um colégio bastante tradicional no futebol de Lima. Precisávamos empatar para sermos campeões. O Paolo era melhor do que todos, mas, como tinham que jogar os maiores, ele ficou no banco. Durante o jogo, eu e outro jogador do nosso time fomos expulsos. Ficamos com dois a menos. o Constantino ia nos matar. Mas aí o Paolo entrou. E ele valia por dois. E isso que quase todos tinham 16 anos, e ele, só 14. Conseguimos segurar o empate e fomos campeões. Paolo salvou a minha pele — relembra Gabriel.
Em 1999, ano em que jogava pelo colégio e também atuava nas categorias de base do Alianza Lima, Guerrero pela primeira vez foi chamado para a seleção peruana, na categoria sub-15. Naquela época, ele se tornou companheiro de Jefferson Farfán, outro ídolo nacional, hoje jogador do Lokomotiv Moscou. Os dois formaram a dupla de ataque do time sub-15 do Alianza. Um jogo em especial é recordado por César "Chalaca" González, então técnico das seleções de base do peru, que viu a dupla e a convocou.
— Lembro claramente de quando vi Paolo pela primeira vez — ele diz. — Foi durante um campeonato de menores no Okinawense, um clube aqui de Lima. O Alianza sub-15 venceu o Sporting Cristal (outro time tradicional do país) por 3 a 2. Paolo meteu dois gols e, o Farfán, o outro. Convoquei ambos — complementa, orgulhoso do feito.
Nos treinos, jogos e competições, Chalaca e Guerrero desenvolveram uma relação de amizade marcada por brincadeiras e episódios de descontração entre o pupilo e o professor que o levou à seleção.
— Uma vez, em 2000, viajamos a Tarija, na Bolívia, para a disputa de um campeonato. Eu estava na porta do hotel esperando os jogadores quando, de repente, atiraram em mim um balde de água lá do quarto andar. Olhei para cima. era o Paolo. Saí correndo atrás dele. Encontrei-o dentro do quarto, escondido no banheiro, atrás da cortina. Não tive dúvidas. Liguei a água gelada em cima dele. O Paolo saiu correndo e gritando. Todos riram. Ah, e fomos campeões do torneio — lembra Chalaca, aos risos.
Em 2001, a seleção peruana sub-17 conquistou a medalha de ouro nos Jogos Bolivarianos, disputados no Equador. Apesar do título, Guerrero foi repreendido pelo treinador. É que a equipe toda girava em torno da dupla Guerrero- Farfán. Após a vitória, o técnico notou que o camisa 9 estava triste. Perguntou por qual razão, já que o time havia vencido o jogo. Ele respondeu que estava triste porque Farfán marcara, e ele, não.
— Gritei com ele: "Aqui é Peru. Tu tens de pensar no Peru, não em ti". Ele ligou para Dona Peta e contou tudo à mãe. Quando voltamos a Lima, todos os familiares nos saudavam no aeroporto, exceto Dona Peta, que queria me pegar. "Por que você gritou com o meu filho?", berrava. Tive de correr para fugir dela — relembra Chalaca.
Apesar do atrito, o técnico e a mãe do atleta são amigos até hoje.
— Ela sabe muito de futebol — assegura o treinador, para quem a mãe que o acolheu nesse período de suspensão, desde aquela época, olhava para o pequeno Paolo "como uma leoa na selva olha para os seus leõezinhos".