Foi há 120 dias que o Inter deixou de ser uma alma penada a vagar por 2018. Naquele 12 de maio, um time improvisado conseguiu um improvável empate na Arena lotada, contra um Grêmio em alta — e ainda com Arthur. Reencarnou com um 0 a 0 defendido até o último acréscimo. E daquele sábado em diante, escalou a tabela. Atingiu quase 74% de aproveitamento desde então. Dos últimos 19 jogos, só saiu do campo sem pontuar uma vez. Chega ao clássico deste domingo, em casa, como primeiro lugar no Campeonato Brasileiro.
Se for analisada a perspectiva que havia no momento anterior, a equipe de Odair Hellmann já poderia comemorar: o grupo tem, na 24ª rodada, pontuação suficiente para se considerar livre do rebaixamento. Mais: com 14 jogos a menos, já somou mais pontos do que na última vez que disputou o Brasileirão, em 2016. Mais: antes do Gre-Nal do turno (no qual terminou com a melhor campanha de sua história), havia feito quatro pontos. Agora, vai para o clássico já tendo conquistado o dobro no returno. Mais: na projeção atual, só precisa de mais três vitórias para estar na Libertadores do ano que vem.
Essa inversão de expectativas começou com aquele pontinho. Que, mais do que dar um traço a mais na tabela, desembarcou no Beira-Rio carregado de simbolismo.
Odair Hellmann, por exemplo, estava perto de ter encerrada sua experiência como treinador do time principal do Inter — cargo ao qual havia ascendido no final de 2017. Por isso, para aquele clássico, armou uma equipe emergencial, fechada e defensiva. Aquele Gre-Nal marcou o novo momento de D'Alessandro. Uma inusitada lesão ocorrida em treino fechado tirou-o do jogo, do time, e também da braçadeira de capitão. E o relegou à reserva. O argentino, um dos maiores personagens do clássico, maior ídolo da torcida, reconheceu a mudança: sua realidade, agora, é mudar partidas, entrando no segundo tempo. Fora de campo, havia outros elementos naquela segunda semana de maio que mudaram o vestiário colorado. As ameaças ao vice de futebol Roberto Melo, com pichações e vandalismo em seu prédio, mais faixas de protesto dependuradas pelas ruas, atingiram todo o elenco. E o Inter se fechou por uma reação. Ficou enfurnado no resort Vila Ventura, em Viamão, e de lá só saiu para a Arena.
Depois do Gre-Nal, enfim, o clube pareceu respirar. Embalou duas vitórias, contra Chapecoense e Corinthians, e mudou de grupo. O futebol coletivo da equipe cresceu e apresentou duas novidades há bastante tempo aguardadas: um Rodrigo Dourado adulto, com futebol de alto nível e, agora, capitão; e Nico López, cobaia de um projeto inovador multidisciplinar, que atendeu todas as esferas e o transformou em uma das principais peças do time.
Isso tudo foi acompanhado de reforços. Zeca, Rodrigo Moledo, Lucca, Rossi, Jonatan Alvez aproveitaram esse turno entre Gre-Nais para se adaptarem ao sistema do Inter e buscar entrosamento com os colegas. Não vendeu ninguém na janela. E até as más notícias, como a lesão do goleiro Danilo Fernandes e a proibição judicial de contar com Paolo Guerrero, acabaram sendo supridas, tanto pelas atuações de Marcelo Lomba quanto pelos resultados conseguidos mesmo sem o atacante peruano. Fora de campo, trouxe o executivo Rodrigo Caetano, que retornou a Porto Algre com um discurso oposto àquele que vinha sendo praticado até então. Decretou o fim da "era da reconstrução", e o início do "recolocar o Inter na parte de cima da tabela".
Apesar da volta por cima, o discurso externo colorado está bem ensaiado. "Não conquistamos nada", "falta muito ainda", "temos de manter a cabeça no lugar", "hora de ter os pés no chão"... O máximo permitido é um pequeno desabafo, como o de Odair na entrevista coletiva de sexta:
— Acho engraçado que na quarta rodada, o time do Inter estava na zona do rebaixamento, se falava isso, eram manchetes grandes e ainda faltavam 34 jogos. Todo mundo dizia que o Inter ia para a Segunda Divisão. Não tem como em um campeonato assim falar em zona do rebaixamento, ainda mais na quarta rodada. Tem que falar na 33ª, 34ª. O Inter continuou com suas convicções de trabalho, táticas, jogadores comprometidos, com respeito entre eles, resultados surgiram, fortalecimento de convicções, reforços, a vinda do Rodrigo Caetano e o respaldo da direção.
Ou o de Roberto Melo, vice de futebol, ao comentar a mudança que se deu no time depois do clássico do primeiro turno:
— Que bom que a gente acreditou no trabalho, não desistiu, não se deixou vencer por aquilo que aconteceu, teve convicção no que vinha sendo feito. Enfrentamos de cabeça erguida, e as coisas começaram a acontecer. Exatamente um turno depois, nos encontramos em uma situação diferente. Tudo isso nos dá casca, nos deixa mais fortes. Sabemos que não conquistamos nada ainda, não estamos iludidos.
Consolidado na parte de cima, o desafio para o Inter, de agora em diante, parece ser outro: inverter a pressão do Gre-Nal. Transformar o clássico do segundo turno em uma simples partida do Brasileirão. Para que os efeitos de um eventual mau resultado não cause o efeito intenso do bom empate do primeiro turno.