É em Florianópolis que Rafael Moura quer recuperar a confiança e voltar a atuar em alto nível. Recuperado da cirurgia no pé direito, o ex-atacante do Inter que estreou no último final de semana pelo Figueirense com gol marcado, recebeu ZH em sua casa, na última quarta-feira. Discorreu sobre o clube que defendeu desde a metade de 2012 com naturalidade. Ponderou sobre a criticada preparação física, falou sobre a eliminação na Libertadores, opinou sobre a demissão de Diego Aguirre, revelou questões do vestiário do Inter e fez apontamentos sobre o trabalho do departamento de futebol. À torcida, faz apenas um apelo: que tenham calma com Dourado, Artur, Andrigo, Alisson Farias e demais meninos, protagonistas da reformulação colorada:
– O time que a torcida queria está jogando. Eles têm de dar tempo ao tempo, deixar os garotos confiantes. Eles não a cancha, a costa larga para segurar bronca, ainda.
Por que o Figueirense?
É engraçado. Costumamos falar que as negociações que se arrastam dificilmente se concretizam, dão certo. Não tinha nada com o Figueirense, eu sabia das sondagens dos outros clubes. O Fernando (Pignatares, preparador físico de Diego Aguirre) achou que eu não teria condições de encarar a Libertadores por estar voltando de uma lesão, uma cirurgia, sem o mesmo ritmo dos meus companheiros, então optamos por eu ser emprestado. Quando o Clayton saiu, o Figueirense chegou em mim. Em 10 minutos decidi minha vida, ainda que não tenha sido uma escolha pessoal. As diretorias se acertaram muito rapidamente. Fiquei bastante satisfeito com o esforço que fizeram para eu estar aqui.
Era o lugar, talvez, que você precisava para recuperar a confiança no teu futebol?
Pela maneira com que fui recebido, pela maneira da contratação, pelo meu jeito de ser, por tudo. O grupo do Figueirense passava por dificuldade, ainda passa, na verdade, mas mostra o que o Figueirense pensa para os próximos anos. O presidente tem repetido muito que chega de o Figueirense brigar para não cair. O Argel e o Galego me falaram desse novo pensamento. Contrataram o Carlos Alberto, Dodô, Everton Santos, que estava no Paris Saint-Germain, são nomes que precisam de confiaça, assim como eu. Voltei de lesão para um clube que me dá carinho, respeito, levanta minha moral. E só tenho a retribuir dentro de campo.
Argel auxiliou tua vinda para cá?
Depois que acertei com o Figueirense, treinei uns 12 dias no Inter. Fiquei em contato com o Argel, com o Galego. Agradeço muito a forma com que me trataram e me ajudaram nesse sentido. O Argel chegou a me marcar, joguei contra ele quando ele era zagueiro. Ele chegou a me dizer que queria que eu marcasse os gols que fiz com ele na marcação. Infelizmente, não consegui.
Fora do Beira-Rio, como você avalia seus quatro anos no clube?
Houve uma relação de amor e ódio com a torcida. Eu entendo isso e já até me pronunciei a respeito. Apresentei nota, números que contestavam as críticas. Quando você é tapa-buraco ou solução para um jogo, a cobrança e a responsabilidade aumenta demais. Eu entrava com 20 minutos para acabar o jogo, em uma Libertadores, uma Copa do Brasil, e tinha de resolver. Claro que não conseguia. Mas não conseguia juntamente com o grupo. Eu não jogo sozinho. O torcedor ficava chateado comigo, mas não avaliava o contexto, o conjunto. No particular, quando os torccedores me encontravam na rua, diziam que gostavam de mim, me apoiavam, queriam que eu desse a volta por cima. Era um zum-zum-zum de arquibancada. Era oito ou 80: ou era muito legal, principalmente quando eu marcava os gols que eles queriam, ou não era, eu tinha de ir embora.
A eliminação na Libertadores do ano passado ainda mexe contigo?
Temos (os jogadores do Inter) um grupo de WhatsApp e vira e mexe o assunto volta. O River Plate se classificou em cima do laço, a gente tinha muito potencial para ser campeão, ganhamos forma durante a competição – o que acontece com os campeões, que vão se moldando ao longo da competição. Jogamos duas partidas ruins contra o Tigres. Nem tanto a partida do México, mas a partida em casa, no Beira-Rio. Poderíamos ter feito um placar diferente.
Poderiam ter dado mais em campo, treinado mais forte na parada da Copa América?
Treinamos bem, o grupo estava encaixado. Esse tempo foi prejudicial demais. Quarenta dias sem jogar, esperando uma competição, mexe com qualquer jogador. É como Copa América, Copa do Mundo. Todo mundo no vestiário sabia quem iria jogar. Não digo que esses se pouparam, mas também não queriam se machucar, ficar fora daquela semifinal. Esse tempo de incertezas, de preocupações, a gente via os companheiros lesionando. Baixamos o ritmo. Não chegamos bem preparados, o tempo foi nosso grande inimigo.
Os jogadores se resguardaram, tiraram o pé nos treinamentos?
Do que adianta ter leão de treino, estávamos no início do Brasileirão, o cara se mata no treinamento e em uma semifinal de Libertadores, todo mundo empolgado para aquela competição, jogadores, comissão técnica, direção... daí você lesiona? Não teve problema de planejamento, de preparação, do tal rodízio que tanto falavam. Baixamos o ritmo. Se na classificação contra o Santa Fe, se tivéssemos jogado na outra semana, passaríamos por cima.
Diego Aguirre foi crucificado injustamente?
Foi decisão da diretoria. Eles são os patrões, os chefes. Tomam as decisões. Tenho certeza de que não era o momento. Antes de um Gre-Nal, pelo trabalho que o Diego estava fazendo. Pelo projeto que se tinha. Por tudo. Mas isso é mania de brasileiro, né? Não se dá tempo para os treinadores trabalharem. Ainda mais que não é o treinador que monta o grupo, não é o treinador que contrata, que faz o bastidor acontecer. Daí, em um curto espaço de tempo, o time tem de ter "a cara dele". Quando muitas vezes os jogadores que foram trazidos sequer têm o estilo de jogo do treinador.
E a questão da preparação física?
Querem achar pêlo em ovo, o culpado. Foi batido muito nisso. Eu vejo que é um estilo do Fernando é diferente do nosso. Não sabemos se foi certo ou errado. Sabemos que não deu certo a nossa classificação. E o não dar certo passa pelo tempo, pelos jogadores, comissão técnica, diretoria. Todos erraram. Cada um de sua forma, à sua maneira. Fernando trabalha tão bem quanto o João (Goulart, preparador físico do Inter) e o Élio (Carravetta, coordenador de preparação física do Inter) trabalham. No início, todo mundo elogiou, que eram treinos diferentes, uma nova proposta. Mas hoje o Fernando sabe, os jogadores também: faltou diálogo. Fernando precisava escutar pessoas dentro do Inter, jogadores mais experientes. Era o primeiro trabalho dele no Brasil. Hoje ele entende mais o trabalho por aqui. No Atlético-MG, do lado do Carlinhos (Neves, preparador físico) tem sido diferente. E eles lá estão voando.
O Inter tinha uma queda de produção na metade do segundo tempo.
Poderia, sim, ter mais treinamentos, poderíamos ter mais capacidade física, ter dado mais naqueles 40 dias de pausa. Mas daí passa muito de cada pessoa, também. Vem de cada atleta. Não adianta o preparador passar um treino e o atleta não se dedicar. Às vezes precisamos fazer uma mea culpa. O Fernando passou um tipo de trabalho, mas será que eu me exercitei, me cuidei ao máximo, para atingir o que o Fernando queria? Às vezes um treino de cinco minutos é melhor que um treino de meia hora. Mas nesses cinco minutos, tem de ter intensidade. Se eu trotar, não me esforçar durante o treino, não adianta de nada. A culpa é do Fernando?
O Alex falou sobre isso. O fato de o Fernando não ter ouvido mais as pessoas, os mais experientes.
O Alex sabe, tem experiência. Os mais velhos do grupo sempre puxam a fila. Quem acompanha sabe que é assim. D'Alessandro, Alex, Dida, eu. A gente estava bem preparado. Não posso falar dos outros atletas. O Fernando exigia um treino, mas o atleta brasileiro é desleixado, prefere o jogo. Ele quer se desgastar no jogo. Mas hoje o futebol está tão igual, tão difícil, que se você não se preparar, não se doar nos treinamentos, vai faltar. Faltou consciência de alguns atletas e não exigência do Fernando.
Por que Anderson ainda não confirmou o que se espera dele?
O Anderson é um cara que me surpreendeu muito. E positivamente. Ele tem uma carga muito pesada. Uma fama, das antigas, que carrega até hoje. Eu conheci o Anderson trabalhando, morando em Porto Alegre. Um cara que dorme cedo, que se dedica nos treinos. Um cara que puxa fila, que faz o complemento físico quando acha que precisa. Só que o Anderson em Porto Alegre, de férias, aquele Anderson jogador do Manchester United, vai fazer festa. Mas assim como o Douglas Costa faz, o Lucas Leiva faz. Estão de férias. Eu, de férias, também faço festa. Só que o Anderson vinha para Porto Alegre, queria se divertir, e ficou com fama de baladeiro. Nunca vi o Anderson com cheiro de cachaça, de bebida. Já outros companheiros, sim. Ele está em um período de adaptação. Ele sofreu ano passado. Esse ano é um líder do vestiário, um líder técnico, em campo. Um dos melhores do Inter na temporada. Ele pensa muito rápido. Às vezes ele está tão à frente na jogada que o companheiro não entende. A pessoa Anderson é sensacional, extremamente profissional. Porto Alegre é um ovo. Você já viu Anderson em balada? Aquele cara que chega em casa às 7h, que vai a treino virado, fica bocejando nos treinamentos? Não, ao contrário. Você vê um cara que se dedica e paga um preço pela fama do passado.
O que houve no Gre-Nal dos 5 a 0?
O Grêmio jogou uma partida acima da média. Estavam a 110%. Pegaram um Inter baqueado pela queda da Libertadores, chateado pela saída do treinador, com a dúvida dos atletas de quem seria o novo comando, se seriam dispensados, se vão jogar. A briga política e a alteração técnica naquela semana foram desastrosas, mas não sabemos se seria dessa forma com o Diego.
Os líderes do vestiário tentaram reverter a demissão?
Foi uma surpresa. Ninguém sabia. Dificilmente para uma contratação ou dispensa os jogadores são consultados. Partiu de cima. A decisão foi, e sempre é, da diretoria.
Não houve qualquer questionamento da decisão?
Não tem como. Depois que está feito, anunciado, temos apenas de acatar a ordem. Somos funcionários. Podemos, sim, depois, em uma conversa mais franca, ampla, falarmos algo.
Muito se fala de problemas pontuais entre alguns atletas com a direção de futebol. Isso é verdade?
Não sou mais funcionário do Inter, é ruim de falar. O Pellegrini tenta acertar. É um advogado. Não é do meio do futebol. É um torcedor. Tem tomado decisões corretas e erradas, como qualquer profissão. O Inter hoje tem muita gente para tomar decisões. E muitas decisões são pessoais. Quando tem muita gente, em qualquer área, as opiniões divergem. Não sei se prejudica. Porque não entra no campo. Mas, sim, o ambiente poderia ser mais leve, mais favorável. O respeito sempre houve. Isso é bom deixar claro. É difícil você gerir 40, 45 pessoas. Quem não está jogando nunca está feliz. Não aceita algumas atitudes. O cargo de vice de futebol é difícil. Quem está de fora quer entrar, mas, no dia a dia, percebe que é diferente do que se vive na maioria das profissões. O Inter passa por um período de reformulação.
Diego Aguirre lamentou o "fogo amigo", críticas sobre o trabalho para a imprensa por parte do próprio departamento de futebol.
Depois que se está fora fica mais fácil de atacar, né? Poderia falar um monte de bobagem aqui, hoje. Mas não agregaria em nada. O que eu tinha para falar, disse em Porto Alegre. A diretoria sabe, os funcionários sabem. Minhas reivindicações, meus pensamentos. Não vou jogar a "m..." no ventilador. Agora, se o torcedor não está satisfeito com alguma coisa no Inter, que cobre. A direção, o jogador. Se a torcida está com raiva da direção, que faça o papel que sempre fez: cobre.
Você enxerga como algo natural a saída dos principais líderes do Inter?
Mudou muito a liderança, aquela que cobrava, que falava. Hoje temos uma liderança mais técnica, dentro de campo. Temos jogadores nesse estilo, como o Dourado, o Ernando. Que vão para a briga, mas dentro de campo. Diferente do que era o D'Alessandro, o Dida, o Juan, eu. O Alex, hoje, está muito sobrecarregado. Ele passa por um momento difícil tecnicamente muito por isso. O D'Alessandro sofreu o mesmo no ano passado. Você ter de resolver todos os problemas do grupo, conversar com a direção, sobrecarrega. O Inter está passando por uma reformulação, como houve em 2003, 2004, com a chegada do Muricy. É uma reformulação para o futuro, com jovens de muito valor: Sasha, Valdívia, Vitinho, Aylon, Artur, Dourado, Alisson Farias, Andrigo. São jovens de qualidade. Eles precisam ter a cabeça boa, puxar treino, ouvir e aproveitar o que o Alex, o que o Paulão, o Réver, o Anderson têm a dizer. Para, em um futuro, colherem os títulos dessa reformulação do Inter.
Cabe à torcida preservar esses meninos? Para não queimá-los?
A torcida tem de entender. Ela pediu isso. Queriam a reformulação, que os jovens jogassem. Os meninos da base. Todos os dias. Agora estão lá. O time que a torcida queria está jogando. Não está dando resultado? Vão chiar de novo, mas é a questão da paixão. Todo mundo que joga hoje no Inter era pedido da torcida. Pega a escalação de hoje, é quase unânime que eram esses os jogadores que a torcida queria. Por que estão reclamando? Eles têm de dar tempo ao tempo, deixar os garotos confiantes. Eles não a cancha, a costa larga para segurar bronca, ainda. É um grupo bom. É demais pensar em Série B, por exemplo. O time vai entrar no Brasileiro de forma diferente.