Palco da decisão entre Grêmio e Huachipato, nesta terça (4), pela Libertadores, Talcahuano ainda guarda as cicatrizes de uma tragédia semelhante à vivida em maio pelo Rio Grande do Sul. Em 2010, um tsunami sem precedentes matou centenas, desalojou milhares, devastou casas, destruiu indústrias e provocou meses de caos na região da costa sul do Chile.
— Tudo que estava perto da orla foi devastado. O meu barco foi parar em cima de um galpão. Muitas casas e edifícios foram declarados para sempre inabitáveis, e as construtoras, em crise, não tiveram condições de reconstruí-las. Foi um período caótico — relembra à GZH o educador físico Bernardo Isaac, 45 anos, nascido e criado em Talcahuano.
O tsunami de 2010 foi causado por um terremoto de 8,8 graus na escala richter, um dos maiores da história e que teve epicentro na cidade vizinha de Concepción. Contudo, segundo Isaac, o pior não foi a inundação causada pelas ondas gigantes, mas sim os meses de pânico que se seguiram à tragédia.
— A cidade viveu uma onda de saques, com semanas de toque de recolher. Além disso, haviam muitos rumores falsos de novos repiques do tsunami, que afetavam o psicológico do povo. Do nada, as pessoas saíam a correr, se atirando em cima de caminhões. Lamentavelmente, muitos morreram em acidentes por conta disso — completa Isaac.
Apesar das semelhanças, sobretudo pela inundação em grau elevado e pelo nível de devastação, o evento chileno de 2010 teve diferenças significativas em relação ao drama gaúcho. Além de ter sido causado por um tremor de terra e não pelo alto volume de chuvas, a tragédia no Chile teve proporções nacionais. No total, o terremoto provocou mais de 1,6 mil mortes em todo o país, sendo que mais de 500 ocorreram na região de Bío-Bío, onde estão situados Talcahuano e Concepción.
— Era um cenário de guerra. Quando cheguei, havia saques generalizados, e o exército tinha que dar tiros de metralhadora para conter os saqueadores. Por conta da situação, não havia hotel disponível na cidade. Então, fui convidado para me hospedar na casa de uma família local. No quinto dia de cobertura, presenciei um "repique" do terremoto. Tremia tudo — relembra o jornalista Daniel Scola, enviado especial do Grupo RBS à época a Concepción.
Meses após a tragédia, o jornal Bio Bio publicou: "não há dúvidas de que Talcahuano foi a cidade mais devastada pelo terremoto seguido de tsunami", sobretudo pela destruição total de rodovias, viadutos e ferrovias. O porto permaneceu inacessível por várias semanas, e várias residências ficaram sem luz, água potável e internet.
Rival do Grêmio nesta terça, o Huachipato sofreu poucos danos em seu estádio, situado longe do mar. Porém, por conta dos estragos na cidade, a equipe precisou fixar sua base por alguns meses em Concepción. Além disso, o clube perdeu boa parte dos seus uniformes, saqueados durante o auge da tragédia.
Porém, segundo José Tomáz Fernández, repórter do diário AS, do Chile, a equipe mais afetada de Talcahuano foi o Naval, um dos rivais do Huachipato, cujo estádio fica às margens do Oceano Pacífico.
— O El Morro, estádio do Naval, ficou debaixo d'água, assim como a Arena do Grêmio e o Beira-Rio — conta o jornalista.
Segundo o repórter Carlos Campos, do portal Sabes Deportes, de Talcahuano, a experiência dos chilenos com desastres naturais ajudou a região a se reconstruir.
— Nós, chilenos, temos uma cultura de nos colocarmos de pé frente a constantes tragédias, seja terremotos, tsunamis, inundações ou erupções vulcânicas. O povo sempre se recupera, e Talcahuano não foi exceção. Com esforço e força mental, as famílias puderam lentamente se recuperar — conta.
Já o educador físico Bernardo Isaac acredita que o encontro entre Grêmio e Huachipato, nesta terça, pode ser uma oportunidade para os chilenos dividirem com os gaúchos a experiência sobre como se recuperar de uma tragédia climática.
— Talcahuano demorou cerca de cinco anos para se reconstruir. Foi duro, mas, em situações assim, não podemos parar de lutar. Por isso, eu digo a todos os gaúchos: nenhuma tragédia nos tira aquilo que já conquistamos na vida. E a vida não acaba quando perdemos bens materiais. A vida só acaba se a gente se entrega e deixa de lutar pelos nossos sonhos. Sigam lutando que a vida de vocês se reconstruirá — finaliza.