As trocas de treinadores no futebol brasileiro nem sempre marcam mudanças de modelo de jogo nas equipes. Muitas vezes ocorrem apenas pela busca de uma resposta anímica do elenco em situações de crise. Não que a demissão de Tiago Nunes após apenas 74 dias de trabalho tenha escapado do objetivo comum de remobilização no vestiário, mas a chegada de Luiz Felipe Scolari trouxe junto uma nova ideia de futebol para o Grêmio.
Apresentado na última sexta-feira, Felipão teve escassas sessões de treino com o plantel gremista. Ainda não é possível dizer que o Tricolor já tem uma maneira de jogar definida com o novo treinador, mas a partida contra a LDU, pela Sul-Americana, mostrou o caminho que a nova comissão técnica pretende trilhar. Se com Tiago Nunes a direção buscou apenas ajustes em relação ao que vinha sendo feito por Renato Portaluppi nas últimas temporadas, Scolari traz uma ruptura no modelo de jogo iniciado ainda por Roger Machado em 2015.
No Equador, na terça-feira, o Grêmio teve apenas 24% de posse de bola -seu menor índice na atual temporada. O fato de a partida ter sido disputada na altitude de 2,8 mil metros de Quito e da vantagem ter vindo cedo com o gol de Léo Pereira aos 18 minutos contribuíram para a proposta defensiva. Mas o próprio Felipão alertou em sua entrevista coletiva após o jogo para o processo de mudança que passa o time sob o seu comando.
— O Grêmio vem jogando no estilo do seu treinador de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, mas algumas coisas mudaram. Eu trabalho de outra forma. Não quer dizer que o estilo anterior era espetacular ou o meu melhor. Os dois estilos são bons, mas temos que ter jogadores com características para se adaptar a esses estilos. Vamos estudar a nossa equipe e trabalhar para ver se temos as características necessárias para fazer o estilo que queremos — declarou Felipão.
O percentual de posse de bola é apenas um indicador da proposta de jogo de uma equipe. No caso de Renato Portaluppi, o modelo usado na maior parte de sua trajetória no clube visava criar espaços nas defesas adversárias através das trocas de passes, algo que o time vinha tendo dificuldade de execução nos últimos meses do treinador na Arena. Com Felipão, a ideia será atacar de forma mais direta.
— Não dá para desassociar o modelo de jogo do Felipão do contexto do futebol brasileiro. Ele simplifica o jogo. Sem bola, continuam os encaixes que o Renato usava na marcação, mas com mais intensidade, algo que o time não tinha com o Tiago Nunes e nos últimos tempos do Renato. O Felipão é um técnico de jogo direto, não é de contra-ataque. Ele objetiva o gol, busca sempre chegar com poucos toques até a área adversária —analisa Leonardo Miranda, colunista tático do GE.com.
Na comparação entre os dois modelos, a maior diferença pode ser exemplificada pelo papel dos volantes. O Grêmio vencedor da Era Renato tinha nesses dois jogadores a tarefa de ditar o ritmo da equipe. Com Felipão, eles se dividem entre um protetor de área - função feita por Fernando Henrique, mas que deverá ser de Thiago Santos - e outro com chegada ao ataque atacando espaços e não carregando a bola. Esse novo Grêmio ainda terá como figura fundamental o centroavante, que, além dos gols, precisará ter a capacidade física para as disputas com os zagueiros ao ser acionado com ligações diretas.
— O Renato teve um encontro muito comum em times de vencedores, do técnico propor um modelo e ter os jogadores perfeitos para isso. Isso ocorreu com Maicon e Arthur, principalmente. Só que o Arthur saiu, depois o Maicon passou a ter problemas físicos e o time não se encontrou mais. Já o Felipão sempre gostou de ter um volante mais defensivo de pegada, como o próprio Thiago Santos, e outro de chegada. Esse nome o Grêmio não tem hoje no elenco. No ataque, todo time do Felipão tem esse cara que prende a bola. Precisa ter mobilidade para sair da área e gerar espaços. Não é um centroavante grosso — observa Miranda.
O futebol possibilidade diferentes maneiras para se buscar o resultado. Depois do ciclo vencedor de Renato, o Tricolor agora tentará alcançar o sucesso com uma nova forma de jogar.
Média de posse de bola do Grêmio nas últimas edições do Brasileirão
- 2015 (Roger)
52,5% (5ª maior do campeonato) - 2016 (Roger e Renato)
53,4% (3ª do campeonato) - 2017 (Renato)
53,3% (3ª do campeonato) - 2018 (Renato)
56,8% (1ª do campeonato) - 2019 (Renato)
56,7% (4ª do campeonato) - 2020 (Renato)
52,4% (5ª do campeonato) - 2021 (Nos 7 jogos de Tiago Nunes)
62,85% (1ª do campeonato) - * Palmeiras campeão brasileiro com Felipão em 2018: média de 49,4% de posse (10ª do campeonato)
Jogos de Felipão no Grêmio (2021)
- Grêmio 0 x 0 Inter (50% de posse)
- LDU 0 x 1 Grêmio (24%)
* Fonte: Sofascore