Em 11 de dezembro de 1983 nasceu o maior ídolo da história do Grêmio. Com 21 anos e visto como jogador de bom potencial, Renato Portaluppi ainda era uma promessa de craque. Embora tenha sido importante na Libertadores, teria de fazer mais para ser ídolo. Talvez o Mundial fosse o palco certo. Um gol. Ou quem sabe fazer logo dois gols para não ter erro. Bem, o resto da história todos sabem: virou estátua depois de se tornar campeão da América também como treinador. Único brasileiro com esta façanha.
Mas não foi fácil para tornar-se o herói da conquista mais importante em 120 anos do Grêmio. Antes de ganhar o mundo como jogador, o guri de Guaporé trabalhou em padaria e em fábrica de móveis. Surgiu para o futebol no Esportivo, de Bento Gonçalves, aos 17 anos. O técnico do time da Serra em 1979 era Valdir Espinosa, que o levaria para o Grêmio no ano seguinte.
Após dois anos na base, virou titular absoluto em 1983 e peça importante no título da Libertadores, fazendo o cruzamento certeiro para o gol de César contra o Peñarol. Bastou para virar alvo de clubes europeus.
A torcida e até a mãe de Renato fizeram campanha para ele permanecer. O vice de futebol à época, Alberto Galia, que viria a ser o sucessor de Fábio Koff na presidência, garantiu que o craque não seria vendido. E ele ficou. E entrou para a restrita galeria das lendas do clube. Mesmo após o título, a paixão falou alto.
— Dias antes de ir ao Japão, gravei matéria com ele em tom de despedida, dizendo que iria para a Itália — contou a GZH em 2020 João Bosco Vaz, repórter da RBS TV em 1983.
Renato já era imprevisível. E ousado. Às vésperas do embarque, prometeu a faixa em Tóquio:
— Tenho tanta certeza no título que mandei guardar no refrigerador lá de casa duas dúzias de champanhe.
Mas seu talento sempre foi acompanhado de polêmicas. Por pouco não ficou de fora da viagem. Com temperamento explosivo, foi multado em 40% do salário por entrar de carro no pátio do Olímpico em alta velocidade. Foi até o presidente Koff e fez a proposta: se marcasse um gol contra o Hamburgo, não pagaria a multa. Caso fizesse dois, ganharia aumento de 40%.
— Assim que acabou o jogo fui até o presidente para cobrar o aumento — lembrou Renato, aos risos, em entrevista em 2013, na comemoração dos 30 anos do título Mundial.
Já em Tóquio, também provocou o que poderia ter sido a derrocada gremista: desentendeu-se com Paulo Cézar Caju, contratado para aquele jogo. O ex-volante China recordou a situação em reportagem publicada em 2020:
— Antes dos jogos, fazíamos uma pelada. Éramos mais jovens e dávamos a vida nos coletivos. O Caju era mais experiente. Renato brigou com ele porque não estaria se esforçando. Caju respondeu que o jogo que importava era o do outro dia.
Naquela noite, Espinosa chamou o grupo para uma conversa e deu a escalação. Disse aos jogadores, porém, que poderiam mexer na equipe se achassem necessário. Garantiu que não importava só a opinião dele, que o título mundial era o que valia.
— Espinosa era muito bom nisso. Claro que a gente não mexeu no time. Caju e Renato se entenderam tão bem que o passe do primeiro gol foi do Caju — relembrou China.
Com toda a categoria e irreverência de sempre, Portaluppi sabia o que tinha de fazer em campo. Tanto que marcou os dois gols mais importantes da história do clube naquela final. Em dia iluminado, fez um com a perna direita e outro com a esquerda.
Ali, tornou-se o maior ídolo da história gremista. Que, anos depois, voltaria para o clube como treinador, ganharia mais títulos e viraria monumento na Arena. Coisas que só lendas conseguem.
"Renato correu risco de vida"
A manchete acima ilustrou uma matéria de Zero Hora em 23 de dezembro de 1983, 12 dias após a conquista do Mundial. A frase foi do médico Antonio Carlos Koff, primo do presidente Fábio André Koff. Foi ele quem atendeu Renato no Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves. O jogador precisou ser operado imediatamente por conta de uma apendicite aguda.
— A ruptura do apêndice pode provocar uma peritonite que, às vezes, é mortal — explicou o médico à época.
O craque gremista, àquela altura já consagrado e alçado à condição de ídolo, precisou ficar 30 dias em repouso. Até mesmo a festa de Natal que ele havia planejado, teve de ser cancelada.
— É muito azar. Este ano eu queria umas férias dignas de um campeão do mundo, mas a minha apêndice não deixou — reclamou o camisa 7, ainda no hospital.
Apesar da febre e dos oito pontos que precisou levar na barriga, Renato se recuperou bem e recebeu o carinho de amigos do Brasil inteiro. Precisou, no entanto, deixar para o amigo Paulo Roberto, então lateral-direito do Grêmio, a missão de cancelar a festa marcada para a casa nova.
— E tu acha que eu cancelei? (risos) O Renato era importante, mas depois a gente fez outra festa para ele — revelou Paulo Roberto.
O camisa 7 teve de substituir os espumantes e as garrafas de vinho branco que havia encomendado para a celebração por soro e comida de hospital. Tudo isso para que a saúde ficasse, novamente, 100%. E ele pudesse dar outras alegrias que sequer imaginaria para os torcedores do Grêmio tantos anos depois.