É possível medir o significado de um abraço entre Renato Portaluppi e Luiz Felipe Scolari na história do Grêmio. O afago entre as duas bandeiras tricolores pesa 675 jogos e 333 vitórias. Ou, para quem prefere em quilometragem, a distância de 13 voltas olímpicas. Dois dos maiores ídolos da história de 116 anos do clube gaúcho, eles se encontram na noite desta terça-feira (20) para repetir, antes do jogo Grêmio x Palmeiras, o gesto carinhoso que marcou a partida do sábado (17), o empate em 1 a 1 pelo Brasileirão, que foi quase um amistoso perto do que está por vir nesta terça e na terça que vem, dia 27, no Pacaembu, pelas quartas de final da Libertadores.
Apesar de tantas partidas à frente do Grêmio, eles nunca vestiram o mesmo uniforme ao mesmo tempo — ao menos em jogos oficiais, já que estiveram juntos em um torneio amistoso, a Copa dos Campeões de 1995, em Brasília. Quando Felipão chegou ao antigo Olímpico, em 1987, Renato recém havia sido negociado com o Flamengo.
— Infelizmente ele saiu. Senão eu poderia ter trabalhado com um dos melhores jogadores do mundo — lamentou Scolari.
Renato também não poupou elogios ao ex-comandante gremista:
— Adoro o Felipão há muito tempo, uma pessoa espetacular, um grande treinador, tenho um carinho muito grande por ele.
Renato e Felipão são declaradamente gremistas. E isso fazem questão de frisar, mesmo que tenham vividos belas histórias em outras cores. Como jogador, Portaluppi virou Gaúcho no Rio, campeão por Flamengo, Fluminense, em Minas Gerais, quando foi bem no Atlético-MG e melhor ainda no Cruzeiro. Como técnico, ganhou a Copa do Brasil pelo Tricolor carioca. E mesmo que seja alvo constante de torcedores rivais ironizando suas declarações sobre o desejo de voltar ao Flamengo, faz questão de reforçar sua preferência. No dia em que ficou eternizado pela estátua na esplanada da Arena, declarou:
— Fui ídolo por onde passei e nunca neguei que sempre fui gremista. Se não existisse na minha vida, não sei o que seria. Tudo o que eu tenho na vida é por causa do Grêmio.
Felipão, também. Quando zagueiro nos anos 1970, não era lá muito brilhante, ficou longe da projeção de Renato. Mas como técnico, foi o responsável por devolver o Tricolor aos títulos nacionais e internacionais. Depois, virou ídolo também no Palmeiras, onde encontrou seu refúgio paulista (e recompensou com a conquista da sonhada Libertadores). Esteve no Cruzeiro e tornou-se um herói nacional ao comandar a Seleção na Copa de 2002, o penta. Cruzou o oceano e mesmo tendo ficado no quase em Portugal, deixou seu legado. Na volta ao Brasil, após o fracasso na Copa de 2014, teve na Arena o amparo em seu pior momento profissional.
— Fui torcedor do Grêmio, e a satisfação sempre foi enorme, pois fazia o que mais queria na vida. Era algo que gostava no futebol. Vivi momentos maravilhosos — disse o treinador do Palmeiras.
Para além da preferência clubística e de serem ambos do interior gaúcho, com começo de carreira na Serra, Renato e Felipão têm outras características semelhantes. A maior delas, como treinadores, é a gestão de grupo. Os dois são figuras respeitadas em qualquer lugar que trabalhem e fazem do bom ambiente entre jogadores e comissão técnica praticamente uma obsessão de seus trabalhos.
Murilo era goleiro do Grêmio em 1995, treinado por Felipão, e do Fluminense em 2002, comandado por Renato. Apesar de não ver semelhanças no estilo de jogo, reconhece em ambos o apreço pela força do grupo, pela união dos jogadores e por respeito mesmo entre quem disputa posição.
O ex-goleiro lembra, ainda, que trabalhou um Renato ainda em começo de carreira no Flu, vindo do Madureira. Inexperiente, o treinador penava em um clube buscando organização. Hoje, Murilo nota uma "evolução clara" no histórico camisa 7:
— O tempo fez bem a ele.
Sobre Felipão, brinca:
— Parece que não mudou nada. Até nos encontramos esses dias e ele parecia ser o mesmo. Nem a idade parece passar.
Se a visão de quem foi comandado por Renato e Felipão é essa, a de quem esteve junto na comissão técnica vai no mesmo caminho. Paulo Paixão era uma espécie de motorzinho de Scolari nos anos 1990 e esteve com Renato no Flu e também no Grêmio.
— Nenhum trabalho é igual ao outro. Mas não tem como negar a semelhança da gestão de pessoal dos dois. A capacidade de comandar grupo, a personalidade, a forma de tratamento são muito parecidas. Felipe sabe puxar a orelha e já ao mesmo tempo fazer um afago. E o Renato tem uma evolução grande, é muito inteligente, soube filtrar as informações e aprender — elogia o preparador físico, que foge da pergunta para quem torcerá nesta terça:
— Vou ficar de olho na TV. Sou Bahia!
Na torcida, o abraço entre os dois treinadores também causa um efeito especial. O historiador Eduardo Bueno, o Peninha, apresenta uma definição que se encaixaria em praticamente qualquer gremista ao ver o abraço entre Renato e Felipão:
— São dois dos maiores treinadores da história da humanidade. Saber que ambos sao torcedores do teu time, por mais que tenham tido vínculo com outros clubes, dá um orgulho inacreditável. Não apenas o fato de serem dois treinadores astutos, vitoriosos e carismáticos mas também o fato de terem sido dois jogadores maravilhosos. Especialmente, é claro, a muralha intransponível, o murro (sic) de Berlim, o Felipão, um zagueiro que não recitava poesia, como uns que andaram por aí. O coração bate forte demais. E aí mesmo o Palmeiras sendo um inimigo ancestral e insidioso do Grêmio e sabendo que empenho pela vitória será grande, a verdade é que se trata de um duelo de gigantes. Ainda bem que os dois são nossos!
Pelo menos até o jogo começar.
Números pelo Grêmio
Renato Portaluppi
307 jogos
156 vitórias
84 empates
67 derrotas
6 títulos — Libertadores (2017), Recopa (2018), Copa do Brasil (2016), Gauchão (2018, 2019), Recopa Gaúcha (2019)
Luiz Felipe Scolari
368 jogos
177 vitórias
103 empates
88 derrotas
7 títulos — Libertadores (1995), Recopa (1996), Copa do Brasil (1994), Brasileirão (1996), Gauchão (1987, 1995, 1996)