Dois anos e meio em Porto Alegre, 135 jogos com a camisa do Grêmio, três gols e o mais importante: seis títulos. Desde que Walter Kannemann chegou ao clube, a fase sem conquistas relevantes, que já durava 15 anos, acabou. O argentino levantou as taças da Copa do Brasil, em 2016, da Libertadores, em 2017, da Recopa Sul-Americana e do Gauchão, em 2018, além da Recopa Gaúcha e do Estadual neste início de temporada.
Pelas conquistas e pela dedicação em campo, o zagueiro virou ídolo da torcida e já é considerado um dos maiores estrangeiros da história de 115 do clube. GaúchaZH conversou com o jogador de 28 anos, que teve até mesmo sondagens para deixar o Grêmio no início deste ano, mas que garante estar feliz aqui e querer erguer mais troféus com a camisa tricolor.
Tu chegas ao Grêmio na metade de 2016 e logo o clube começa a conquistar títulos de expressão, o que não acontecia há 15 anos. Te consideras um cara de sorte?
Um pouco, sim, porque cheguei no momento certo, com jogadores de qualidade, num clube que tem vontade de ganhar, de ficar na história. Isso não é fácil. Hoje em dia, tem clubes que apontam isso, aquilo, e eu cheguei num clube que tinha vontade de vencer, de brigar lá em cima, de ser campeão. A verdade é que estou muito feliz por ter esta sorte.
Depois de quase três anos em Porto Alegre, está totalmente adaptado à cidade, ao grupo de jogadores, ao trabalho do Renato?
Sim. Quando cheguei aqui, achei muito parecido com Corrientes (província da Argentina), só que falam português. Assim como lá, aqui se bebe chimarrão, se come churrasco, é muito parecido.
Facilita ter mais um argentino no time, como é o caso do Montoya nesta temporada?
Faz quase três estou que eu estou aqui e não muda muito, mas sim, ajuda. É bom para falar um pouco de espanhol. Mas eu trato de ajudar mais ele do que ele a mim, porque estou aqui há mais tempo. Conversamos sobre a cidade, sobre o Grêmio, mas ele se dá bem com todos, não precisa muito da minha ajuda.
A dupla com o Geromel é a melhor da América?
Esse é trabalho (de avaliação) para vocês. Nós jogamos dentro de campo, tentamos fazer o certo, ajudar o time, e graças a Deus vem dando certo. Conseguimos ajudar o time, mas não só nós dois. Todos os zagueiros que estão no clube, todo o time, porque para defender, se tu não tens a ajuda dos teus companheiros, fica muito difícil. Então, não só nós dois, os goleiros, temos de agradecer a todo o time, porque é um sacrifício de todos e um êxito do Grêmio.
Lembro que vi um jogo da Libertadores entre Grêmio e San Lorenzo. Eu estava no México, vi ele e falei: "Esse garoto joga bem, porque tem cara de novinho". Quando cheguei aqui, descobri que tinha 30 anos
KANNEMANN
zagueiro do Grêmio
Como foi o início desta dupla de zaga? Tu já conhecias o Geromel? Como foi o primeiro contato com ele?
Não sabia muito. Lembro que vi um jogo da Libertadores entre Grêmio e San Lorenzo. Eu estava no México, vi ele e falei: "Esse garoto joga bem, porque tem cara de novinho". Quando cheguei aqui, descobri que tinha 30 anos (hoje tem 33). Mas só tinha visto este jogo e ele pareceu um grande jogador. Quando cheguei, foi muito fácil, porque ele é um cara muito legal, que não é complicado, muito tranquilo, gosta de brincar. É o que mais brinca, dizendo que sou argentino, isso, aquilo. Graças a Deus deu tudo certo e nós nos ajudamos dentro de campo, que é o que a gente precisa.
Acha que existe um complemento de características entre vocês dois, ele por ser um jogador mais técnico e tu, um atleta de força, de imposição?
Mais do que o complemento, eu acredito na ajuda. Nós nos ajudamos. Quando um sai para marcar, o outro fica atrás para qualquer coisa que aconteça. Estamos sempre perto, temos uma amizade dentro e fora de campo, e às vezes as coisas não vão dar tão certo, mas se eu trato de dar o melhor e ele também, fica tudo mais fácil. Mais do que tudo, não sei se é o segredo de estar dando tão certo essa parceria, é que um tenta ajudar ao outro. Seja jogando nós dois, outros dois, aqui não importa quem joga, sempre tratamos de nos ajudar.
Tu falaste que o Geromel é muito brincalhão. Para nós, ele passa uma imagem de ser mais sério.
Falo que ele tem só cara de mocinho. Depois de um tempo aqui, falei para ele: "Já te descobri, tu só tens essa cara de mocinho, de engenheiro eletrônico". Ele responde que tem que jogar com um argentino e ficamos brincando o tempo todo.
Já virou tradição a foto beijando a taça junto com o Geromel após a conquista dos títulos. Algumas dessas fotos é a tua favorita, que guarde em casa?
Essas fotos estão na internet. Se eu chego a botar uma com ele beijando a taça e ele vai à minha casa, vai me zoar pelo resto da minha vida. Então, não tenho isso. Mas gosto das fotos beijando a taça da Libertadores e da Copa do Brasil.
Alguns torcedores comentam que tu és o maior argentino da história do Grêmio. Como tu recebes isso?
Jogar no futebol brasileiro não é fácil. Vocês têm grandes jogadores... e um monte. Então, dar certo em um time tão grande quanto o Grêmio e ouvir isso dos torcedores me deixa muito feliz. Não é fácil chegar e se dar bem, jogar bem em torneios tão competitivos e com tantos jogos, ainda mais sendo estrangeiro. A gente sabe que, sendo estrangeiro, tem que dar algo mais do que os caras que nasceram aqui. Então, trato sempre de dar o melhor e fico muito feliz que o torcedor reconheça este esforço.
Tu achas que é mais difícil um argentino se adaptar ao futebol brasileiro?
Quando cheguei aqui, percebi que o jogo era mais rápido. Na minha humilde avaliação, na Argentina é um jogo mais tático, mais de briga. Aqui é um jogo mais rápido, pau a pau, como falamos, então temos de tentar nos adaptar, vermos as coisas que podemos fazer e buscar nos darmos bem.
Desde a temporada passada, surgiram várias especulações sobre uma possível saída tua do Grêmio. Chegaram a ti essas possibilidades?
Sempre trato de fazer o meu trabalho aqui no Grêmio. Trato de ir para o jogo e dar o meu melhor. Depois, muita coisa se fala hoje em dia. Não sabemos o que é verdade ou mentira. Os meios de comunicação são muito rápidos, e então fico focado em fazer o meu trabalho. Acho que se essas notícias aparecem é porque reconhecem o meu trabalho, mas fico de lado, trato de me doar ao máximo ao Grêmio e, depois, veremos o que acontece.
Iria pela motivação de jogar na Europa, de ver como é jogar na Europa, mas acho difícil. Estou muito bem aqui, muito feliz, mas o que acontecerá no futuro ninguém sabe
KANNEMANN
zagueiro do Grêmio
Estás com 28 anos. Pensas que esse é o limite para jogar na Europa? Falta isso ainda na tua carreira?
Não penso se é o momento ou não. Estou muito bem aqui, muito feliz. Se algum dia vier uma possibilidade de jogar na Europa, tem que ser boa. Iria pela motivação de jogar na Europa, de ver como é jogar na Europa, mas acho difícil. Estou muito bem aqui, muito feliz, mas o que acontecerá no futuro ninguém sabe. Sei que estou muito feliz aqui.
Se for o caso de um dia sair, o que falta em termos de conquista no Grêmio?
Ainda não tivemos a sorte de sermos campeões brasileiros. A verdade é que seria bom. Sempre é bom ser campeão. Se falta um título, seria o Brasileirão, mas se tivermos a sorte de conquistar a Libertadores, a Copa do Brasil, estaremos muito felizes.
Tu costumas assistir a jogos que não sejam do Grêmio? Tem alguma dupla de zaga que te agrade ver jogar?
Acho bons jogadores os dois zagueiros do Liverpool (Van Dijk e Matip), embora não tenham tido uma tarde muito boa contra Messi. Mas quem tem? Não é fácil encontrar. Acho que eles são bons, gosto de como se complementam e às vezes falo até com o Geromel sobre isso.
Como é jogar com o Messi?
Tive a sorte de jogar com ele (na seleção argentina). Acho que tem que esquecer que está jogando com o Messi, porque é um dos maiores da história do futebol. É impressionante o que ele faz, seus números e a constância que ele tem, mas se você começa a pensar nisso, se distrai. Imagina se tu tivesses a oportunidade de jogar com o teu ídolo, com Pelé, com Neymar... Então, acho que tem que esquecer que é o Messi ali e tratar de ajudar o teu time, fazer o máximo para ajudar a tua equipe e depois, quando termina o jogo, fica tranquilo e pensa que teve a possibilidade de jogar com um craque deste nível, porque vai ser difícil aparecer um outro igual a ele.
No final do ano, podes enfrentá-lo, porque o Barcelona está quase na final da Liga dos Campeões e o Grêmio segue vivo na Libertadores. Tu achas que o Grêmio vai passar de fase e crescer na Libertadores?
Tomara que tenhamos a sorte de se classificar. Sabemos que é um jogo muito difícil contra o time chileno (Universidad Católica), mas nós vamos jogo a jogo, vamos dar o nosso máximo. Hoje em dia, as camisas, o tempo, a quantidade de jogos não decidem nada. É o momento do jogo, mostrar quem está melhor e se dedicar ao máximo para conseguir se classificar.
O que tu costumas fazer além de treinar e jogar futebol?
Tenho pouco tempo, porque jogamos muito. Sou casado, tenho uma filha de dois meses e meio, e quando sobra tempo tento curtir com a família, faço um churrasco com amigos, tomamos um mate, em casa, tranquilo. Temos que aproveitar para descansar, porque é muito jogo, muita viagem. Quando temos folga, preferimos descansar ou dar uma volta por Gramado ou ir a algum bom restaurante aqui da cidade.
Churrasco tem que ser na parrilla?
Como qualquer churrasco. Na parrilla, no espeto, qualquer churrasco eu gosto.
Jogaste no San Lorenzo por muitos anos. Neste final de semana, o mercado que foi construído sobre o Viejo Gasómetro, no bairro de Boedo, encerra suas operações e em breve o clube poderá começar a reconstruir o estádio no local que é considerado pela torcida como a verdadeira casa. Como tu vês esta questão?
Acho muito legal. Não tive a sorte de curtir esse estádio antigo do San Lorenzo. Quando comecei nas categorias de base, já se jogava no Pedro Bidegain (Nuevo Gasómetro) e todos os torcedores, muito mais velhos do que eu, falam de quando a equipe jogava em Boedo (Viejo Gasómetro). A gente fica muito feliz, muito contente por voltar. Não sei se falta muito ou pouco, mas seguramente vai ser outro estádio novo, não será fácil para o clube, mas os torcedores estão muito felizes, muito contentes por ter voltado. Espero que dê certo e que os torcedores estejam felizes.
A Argentina vive uma crise econômica forte, com hiperinflação, e tem eleições em outubro deste ano. Como tu vês este cenário? Acredita que as coisas vão melhorar?
A Argentina vive uma situação difícil faz muito tempo. O segredo para mudar, não sei qual é. Tomara que apareça, mas acho que entre o povo, os governantes, temos que começar a fazer as coisas certas, pensar no futuro dos nossos filhos e não só no futebol, se o time vai bem, vai mal, se a seleção argentina vai bem. Creio que temos de trabalhar todos juntos para tentar melhorar o país e voltar os valores à flor da pele para melhorarmos a situação da Argentina.