Como o próprio técnico Renato Portaluppi já anunciou, Paulo Victor inicia a temporada como titular do Grêmio. Aos 32 anos, o goleiro revelado pelo Flamengo herdou a posição de Marcelo Grohe, que aceitou uma gorda proposta do Al-Ittihad, da Arábia Saudita, e terá a responsabilidade de substituir um dos principais ídolos que o clube teve nos últimos anos.
Ainda assim, o filho do ex-atacante Vidotti, companheiro de Sócrates e Casagrande no Corinthians entre 1982 e 1983, na época da Democracia Corintiana, não se assusta com o desafio. Ganhou, desde janeiro, a sombra de Julio César, ex-Fluminense, com quem faz revezamento nas primeiras rodadas do Gauchão.
Nesta entrevista a GaúchaZH, Paulo Victor fala sobre a conversa que teve com Grohe após sua saída para o mundo árabe, a disputa de posição com o novo companheiro, o jogo com os pés e também a mágoa que o grupo ainda carrega da Conmebol por conta da eliminação polêmica na Libertadores no ano passado.
Papo com Grohe
Foi durante as férias que Paulo Victor soube da decisão de Marcelo Grohe de trocar o Grêmio pelo Al-Ittihad, da Arábia Saudita, ainda que não lembre exatamente como recebeu a notícia — ele cita que ou viu na internet ou alguém comentou a informação com ele. Dias depois, Paulo tomou o celular e ligou para o amigo, que já estava do outro lado do mundo submetendo-se a exames médicos para assinar com seu novo clube. Do outro lado da linha, ouviu palavras de gratidão e incentivo.
— Ele me agradeceu o quanto pôde aprender junto comigo. A gente sempre está crescendo um com o outro. Essa troca de experiência é o mais importante para o goleiro. Foi notória a evolução que ele teve de um ano e meio para cá, das conquistas e o destaque na carreira. Já temos mais de 30 anos, sabemos que temos de melhorar a cada dia. Pude aprender muito com ele e acho que colaborei na trajetória dele também — conta.
Com passagem recente pelo futebol turco, já que atuou no Gaziantepspor em 2017, Paulo Victor conhece a vida que os goleiros brasileiros têm no Exterior. Por isso, tratou de passar algumas dicas ao, agora, ex-colega de Grêmio.
— É estar com a cabeça bem e ficar concentrado. Disse a ele para contar comigo em tudo o que precisar — relata.
Por ter sido revelado pelo Flamengo, Paulo Victor não teme a pressão por substituir um ídolo que passou quase duas décadas no clube.
— É uma responsabilidade boa. Venho de uma escola em que existe muita cobrança e fiz cerca de 200 partidas lá. Encaro com naturalidade, substituir um grande ídolo sempre é uma atribuição grande. Mas a maior que eu tenho é vestir a camisa do Grêmio pelo peso e história que ela tem — resume.
Jogo com os pés
Neste início de temporada, os goleiros do Grêmio têm jogado mais com os pés do que no ano passado. Dados do site Footstats apontam que a média de passes de Paulo Victor tem sido de 11,3 por jogo, e a de Julio César é de nove. Em 10 partidas do Gauchão 2018, Marcelo Grohe teve média de 5,7 passes por partida. A maior participação não é exigência da comissão técnica, mas sim consequência das situações de ataque e defesa. Como explica Paulo Victor, é importante jogar com os pés. Mas, para ele, isso vem depois da responsabilidade que tem com as mãos.
— Uma coisa é você usar o goleiro no jogo, e outra é usá-lo como recurso. O Grêmio não tem tanto a característica de fazer o goleiro jogar com os pés como fazem outras equipes. Se precisar, claro que vamos fazer, mas com toda segurança. Fui utilizado no Flamengo algumas vezes dessa forma. Mas o fundamental é a gente agarrar primeiro. O jogo com os pés pode ser implementado, mas o importante é defender o gol do Grêmio — explica.
Ainda que realize exercícios com o preparador Rogério Godoy para evoluir no jogo com os pés, Paulo Victor não faz disso uma obsessão. O goleiro cita Rogério Ceni como exemplo a ser seguido nesse fundamento, mas não tem planos de se aprimorar em cobranças de bola parada, algo em que o ex-goleiro do São Paulo era especialista.
— Não é o meu objetivo. Digo que a gente precisa estar evoluindo, mas prefiro dar um passe para gol, como pude fazer contra o Novo Hamburgo (cobrou o tiro de meta que resultou no gol de Marinho) do que fazer um gol de falta. Nosso objetivo maior é proteger. O goleiro é aquele jogador que, quanto menos aparece, melhor. Prefiro seguir assim — argumenta.
Rodízio com Julio César
Depois da saída de Marcelo Grohe, Paulo Victor ganhou um novo companheiro de posição no Grêmio. Livre no mercado após o término de seu contrato com o Fluminense, Julio César chegou ao clube para ser uma espécie de sombra do novo titular. Papel semelhante ao que Paulo Victor teve em 2017, quando desembarcou na Arena para disputar posição com Grohe. Como o próprio Renato já adiantou, Paulo sai na frente na briga pela vaga por toda a experiência acumulada no clube. Mas, neste início de Gauchão, o técnico tem feito rodízio para dar ritmo de jogo a seus dois goleiros.
— A concorrência vai existir sempre. Quando cheguei aqui, sabia do potencial do Marcelo. Mas brigava para ser titular sempre. Independentemente da situação em que ele se encontrava e da idolatria dele no clube. Abri mão de muitas coisas, até de parte financeira, para receber esta chance, para estar no Grêmio. Quando você trabalha, a oportunidade vem. Com trabalho, respeito e honestidade, aparece no momento certo — comenta.
O novo companheiro de posição é conhecido de Paulo Victor desde o Rio. Mas eles estavam em lados opostos: um no Flamengo e outro no Fluminense.
— O Julio é muito bom goleiro, não é à toa que a direção investiu nele. O calendário exige que você tenha dois jogadores para cada posição. O clube tem utilizado dois times desde a minha chegada, em 2017, e vem tendo sucesso. O Grêmio tem dois goleiros de altíssimo nível —completa.
Com a lesão Grohe, que havia fraturado as costelas no jogo de volta contra o River Plate, Paulo Victor teve sequência de sete jogos como titular nas últimas rodadas do Brasileirão. Com bom desempenho, o goleiro ajudou o Grêmio a confirmar o lugar no G-4 e a vaga direta na fase de grupos da Libertadores. Por conta disso, ele inicia o ano com ainda mais confiança no gol gremista.
— Foi a única sequência que tive em um momento decisivo. Era algo que eu queria bastante, que ainda não tinha tido em um ano e meio de Grêmio. Até a metade do ano passado, eu tinha jogado só três partidas. A gente sabe que é pouco. Por mais que a gente treine, o jogo sempre será diferente — explica.
Mágoa com a Conmebol
A polêmica semifinal da Libertadores e o gol irregular de Borré na Arena que classificou o River Plate para a final contra o Boca Juniors ainda ecoam no Grêmio. A recusa do Tribunal Disciplinar da Conmebol em reverter o resultado da partida de volta, vencida por 2 a 1 pelos argentinos, deixou mágoas no grupo de jogadores. Isso ficou evidente quando Paulo Victor foi questionado pela reportagem sobre quais foram as lições que a competição de 2018 deixou para esta temporada.
— A lição negativa foi o gol com a mão que eles validaram. Se busca tanto a honestidade no futebol, a imprensa cobra isso dos atletas e ali, onde a TV mostra e está tudo muito bem claro, não foi exercida essa honestidade. Essa é a maior lição. Fomos campeões em 2017 e chegamos a uma semifinal no ano passado. Isso tem de ser valorizado pelo elenco. O que ficou de lição foi esse lado da desonestidade, um gol ilegal marcado como legal — desabafa.
O goleiro evita citar o termo "roubado". No entanto, deixa claro que a decisão do árbitro de vídeo no campo causou revolta entre os atletas.
— Erro é humano, e isso vai acontecer a vida toda. Mas quando você tem um recurso que pode mostrar a situação real e esse erro é exercido, aí você já não encara mais como uma coisa natural. Se eu tirar alguma coisa de você sem você ver, não vai saber que fui eu que peguei. Mas se estiver vendo, com uma imagem que comprove, com certeza você vai ficar chateado comigo — compara.
Ainda assim, Paulo Victor pretende deixar o episódio polêmico no passado. O goleiro, campeão da América como reserva de Grohe, agora pretende adicionar mais uma conquista de Libertadores ao seu currículo. Mas, desta vez, como titular.
— A gente sempre quer vencer. Claro que sempre queremos estar jogando, mas o gosto sempre será o mesmo. É um privilégio ter vencido a Libertadores, o que muitos no futebol brasileiro não conseguiram ainda. Fica marcado na nossa história, mas sempre vou querer ser campeão. Independentemente da competição que seja — comenta.