A importante vitória em Buenos Aires contra o River Plate terça passada não apenas deixou o Grêmio a um passo da final, mas principalmente mostrou que Renato Portaluppi conhece profundamente seu elenco e consegue vender a ele as suas estratégias. E elas foram muito bem executadas.
É que para uma estratégia "dar certo" em uma partida de futebol, primeiro é necessário saber bem as características dos seus atletas. Quem pode ser mais cobrado, quem precisa de carinho. Quem pode fazer funções táticas diferentes, quem só corre no mesmo lado. Quem pode encarar a pressão de uma partida decisiva e quem rende mais no segundo tempo.
Em segundo lugar, é necessário estudar os adversários. Saber seus pontos fortes, fracos, características individuais e coletivas. Saber como vão se comportar no contexto da partida e poder assim, tentar surpreender e causar o desequilíbrio.
Também precisa ter diálogo com a comissão técnica e com os analistas de desempenho. E aí então, planejar as estratégias.
UMA RETRANCA PROPOSITIVA
Renato constantemente reclama de times que jogam retrancados na Arena, tentando tirar vantagem do jogo mais propositivo que seu time joga normalmente. Mesmo assim, o Tricolor montou uma retranca no Monumental de Núñez sem abdicar de tentar machucar o adversário.
A entrada de Michel como "pivote" (aquele volante que fica entre duas linhas e "pivoteia" da defesa para o ataque e vice-versa) deu segurança para Maicon e Cícero se movimentarem a sua frente. O volante foi muito intenso na área do círculo central, mas também fez um importante escudo nas pontas da área, ajudando a fechar linhas de passe na defesa.
Já com a bola, Michel não foi tão assertivo como geralmente é o time do Grêmio. Suas tentativas de passes longos ofensivos foram todas erradas. Ele teve apenas um passe ofensivo certo e nenhum em direção ou dentro da área.
Outro jogador que se destacou dentro dessa estratégia de retranca foi lateral-direito Léo Gomes. Ele foi intenso dentro da área gremista e dando proteção ao setor. Há pouco movimento dele no ataque. Isso porque Léo ficou vigiando as subidas do lateral-esquerdo Casco e o meia Pitty Martinez do River. No 4-1-4-1 do Grêmio, ele, Michel e Ramiro fecharam o lado direito — justamente por onde mais caíram os camisas 20 e 10 argentinos.
CHUTÃO TAMBÉM VALE!
Estamos acostumados a ver um Grêmio mais propositivo, querendo controlar a bola e as ações da partida. Mas os grandes times precisam saber se adaptar a contextos de diferentes jogos e competições e poder usar suas ferramentas de acordo a elas. E, assim, sobreviver.
No vídeo acima, estão todas as reposições de bola no tiro de meta do goleiro Marcelo Grohe na partida. Veja que das 12 reposições, 11 foram do seu lado esquerdo, buscando o mesmo corredor lá na frente. Nenhuma vez o Grêmio saiu jogando de trás, como geralmente faz. Não trabalhou a bola na construção. Talvez para evitar perdê-la próximo ao seu gol. Não sair tocando de trás foi o primeiro passo da estratégia defensiva de Renato.
Outro jeito de "propor se defendendo" é através das bolas paradas. Ter a bola e provocar faltas ou jogadas laterais para poder ter a oportunidade de fazer uma jogada ensaiada ou alçar a bola com mais precisão na área adversária.
Eu havia avisado previamente que a bola parada defensiva era o ponto fraco Millonario, e o que se viu foi o Grêmio tentar constantemente colocar a bola na área adversária através destas jogadas. Entre laterais, faltas e escanteios, foram 13 bolas na área das quais 5 viraram finalizações. E uma resultou no gol da vitória. Ou seja, valeu a pena.
No jogo de volta na Arena provavelmente vejamos o Grêmio mais propositivo, dentro do seu tradicional 4-2-3-1, tocando a bola com qualidade e encantando seu torcedor. Mas fica a lembrança de que o futebol tem vários jeitos de se jogar e de se vencer. E todos eles são válidos quando feitos com propósito.