O Grêmio viverá nesta terça à noite, às 21h45min, na Argentina, uma nova batalha contra o Estudiantes. Desta vez, não será em La Plata, onde ocorreu o histórico confronto em 1983, mas sim em Quilmes, cidade que fica a 40 quilômetros da tradicional casa do adversário.
O jogo de ida começará a definir uma vaga nas quartas de final da Libertadores.
O ambiente no Estádio Centenário, que recebe a partida desta terça, em nada deve lembrar a pancadaria que ocorreu há 35 anos no Jorge Luís Hirschi, de propriedade do Estudiantes, que passa por reforma. No dia 8 de julho de 1983, brasileiros e argentinos brigavam pela sobrevivência no triangular da semifinal que também contava com o América de Cáli e definiria um dos finalistas da Libertadores.
O clube que perdesse naquele jogo em La Plata estaria eliminado. No final, o empate em 3 a 3, ainda que cedido após o Grêmio abrir 3 a 1, com gols de Osvaldo, César e Renato Portaluppi, foi fundamental para que o time gaúcho pudesse avançar para a decisão, bater o uruguaio Peñarol e conquistar a América pela primeira vez em sua história.
O empate na Argentina, no entanto, veio depois de uma verdadeira batalha. Na chegada ao estádio, o ônibus do Grêmio teve vidros quebrados por pedras atiradas pela torcida do Estudiantes. Após abrir o placar com um gol de Gurrieri, o time argentino teve quatro jogadores expulsos.
O primeiro foi Trobbiani, após entrada dura em China. Depois foi Ponce, que empurrou o árbitro uruguaio Luis de la Rosa ao reclamar do cartão vermelho ao colega. Camino e Tevez também foram para o chuveiro mais cedo por agressões aos gremistas, o que causou a ira da torcida argentina. Tanto que uma pedra lançada das arquibancadas atingiu a cabeça do bandeirinha Ramon Barreto, que caiu ensanguentado no gramado e teve de ser atendido por um médico do Grêmio.
Mesmo com sete em campo, o Estudiantes teve forças para buscar o empate com outro gol de Gurrieri e um de Russo. Mas não sem abusar da pancadaria em campo. Talvez o caso mais emblemático tenha sido o do atacante Caio, que apanhou dos argentinos no túnel de acesso ao vestiário no intervalo e não conseguiu voltar para o segundo tempo.
— Tivemos de abrir mão da vitória para que pudéssemos sair inteiros de lá — lembra Caio, em entrevista a ZH.
Hoje, o clima será bem diferente. Mas a bravura do Grêmio, que tinha Renato em campo em 1983 e hoje conta com o ídolo na casamata, serve de exemplo. Veja os relatos e as dicas de quem estava na Batalha de La Plata para quem jogará em Quilmes.
Paulo Roberto, ex-lateral-direito
"Enfrentar um time argentino sempre é difícil. Mas, como o Grêmio vai decidir em casa, isso é uma vantagem. Até por tudo que tem ocorrido nos últimos anos, e também pela cobertura forte da mídia, nunca mais vai acontecer um jogo tão violento como aquele em 1983. Foi o pior da minha vida. Muito violento, temi até em não sair vivo de lá. Antes da partida já teve aquilo do ônibus quebrado e jogaram uma pedra no bandeirinha. O estádio também não era seguro, era só um alambrado e era um só corredor do vestiário para os dois times, apertado. Hoje isso não acontece mais. Pode ter catimba e faltas mais duras, mas não vai ser como daquela vez."
Valdir Espinosa, ex-técnico
"Foi uma partida totalmente diferente do que qualquer outra que participei. Nós não poderíamos perder e o empate ainda deixava a classificação em aberto. A pegada naquela época era maior do que hoje, alguns falam que é porque não tinha TV. A marcação era mais dura e o número de faltas era maior. Nós fomos surpreendidos, não esperávamos aquele tipo de pressão que extrapolava o campo de jogo. Teve também uma situação pela Guerra das Malvinas, quando um avião inglês pousou no Rio Grande do Sul, e nos tratavam como traidores. Será um clima bem diferente amanhã, sobretudo neste aspecto de envolvimento extracampo. Claro que será difícil. Ainda que o Estudiantes hoje não seja o melhor time da Argentina, tem peso e conquistas em Libertadores. Vou torcer para que o Grêmio supere as dificuldades que irá encontrar."
Caio, ex-atacante
"Foi uma pancadaria danada, tivemos que abrir mão de uma vitória para que pudéssemos sair inteiros de lá. Um verdadeiro clima de guerra desde nossa chegada, durante e após o jogo também. O estádio era acanhado, uma entrada só para o campo e para o vestiário, em que passavam os dois times. No intervalo, eu e os seguranças do Grêmio saímos para o vestiário, só que o nosso time ficou em um canto. Como estavam jogando pedras, corremos ao vestiário. Mas vários jogadores do Estudiantes já estavam lá embaixo e aí o pau comeu. Apanhamos mais do que batemos, foi uma situação muito complicada. Fui agredido no túnel, levei vários chutes e fiquei com o tornozelo inchado. Não pude voltar para o jogo e entrou o César. Agora, é outra época. Não tem aquela rivalidade toda nem a situação da Guerra das Malvinas. Era um clima que não tinha nada a ver com futebol."
Osvaldo, ex-meia
"A pressão naquele jogo era inacreditável. Chegamos ao estádio abaixo de pedradas e quebraram um vidro do nosso ônibus. Mas nosso elenco naquela época sabia que isso ia acontecer. Ainda assim, o clima era de muito nervosismo. Dentro de campo, conseguimos abrir uma vantagem de 3 a 1, mas eles conseguiram o empate. Foi uma guerra, a torcida queria invadir e o jogo ficou muito tenso. Hoje, isso já mudou muito. Tem o poder da televisão, dos celulares, todo mundo grava e coloca na internet. Antigamente não, a gente sofria em campo. Penso que hoje o Grêmio tem que saber segurar o jogo e sair para o ataque na hora certa. O time vem jogando certinho e está entrosado. Confio muito no potencial da equipe, mesmo com a saída do Arthur, que organizava o meio-campo. Depois de superar o Flamengo, uma nova vitória na Libertadores pode dar moral ao time."
Tita, ex-meia
"Em termos de pressão, comparo com a final da Libertadores em 1981, que joguei pelo Flamengo contra o Cobreloa. Em Santiago, parecia que o Chile todo jogava contra a gente. Naquele jogo com o Estudiantes, parecia que toda a Argentina estava contra o Grêmio.
A torcida deles estava transtornada e, como tiveram quatro jogadores expulsos, ficou pior ainda a situação. Aí eles foram para o tudo ou nada. Foi uma das piores situações que enfrentei em 21 anos de carreira como jogador. Não era só desestabilizar com catimba, ali tinha agressão clara, os torcedores jogaram uma pedra na cabeça do bandeirinha, que ficou todo ensanguentado. Pancadaria em todo lugar, faltas com maldade. Naquela época, isso era permitido. Hoje, não. Com tantas câmeras no campo, esta situação extracampo não acontece mais. Enfrentar argentinos sempre é difícil. Existe a rivalidade e a pressão da torcida.
O Grêmio precisa tomar cuidado."