Passados nove meses de sua chegada à Arena, o capixaba Cícero, 33 anos, começa a viver seu terceiro ato com a camisa do Grêmio. No primeiro, foi visto como o jogador predestinado, trazido como um talismã para a conquista do título da Libertadores — foi dele o gol da vitória no jogo de ida da decisão contra o Lanús-ARG.
No segundo, nos primeiros jogos deste ano ano, caiu em descrédito ao fracassar na função de falso nove. O atual momento, em que tem obtido destaque na posição de volante, que sustenta ser a sua preferida, é de lua de mel com os torcedores.
Nesta semana, Cícero foi decisivo na vitória por 2 a 1 contra o Monagas-VEN, que garantiu ao Grêmio uma vaga nas oitavas de final da Libertadores. Já nos acréscimos, ele sofreu o pênalti convertido por Jailson. A pancada sofrida nas costas causou apreensão a quem viu pela televisão.
— Foi uma pancada muito forte na vértebra. Na hora, falei errado, disse que era na costela. Bati no chão e o corpo ficou dormente. Fiquei meio bambo — detalha o jogador.
Sua única queixa foi quanto à decisão do árbitro de não deixá-lo cobrar, já que havia sido retirado de campo para atendimento médico. Ali, Cícero viu desperdiçada a chance de aumentar seu número de gols na carreia, já expressivo para quem desempenha função defensiva.
— Já são 160. Era para ser 161, mas o juiz não me deixou bater o pênalti — brinca o volante que, nesta entrevista, fala sobre sua versatilidade, carreira, Renato, o histórico momento do time e o sonho de poder disputar um mundial de clubes pelo Grêmio. Em 2017, por problemas de inscrição, não foi aos Emirados Árabes.
Nesse ano, a sua versatilidade está aflorando ainda mais. Até como centroavante você já atuou...
No início deste ano, eu comecei atuando um pouco ali na frente, pela falta de atacantes. Não que seja minha posição de origem, vocês podem ver que, como volante, é outro o meu rendimento. Às vezes, a gente escuta uns burburinhos e acaba sendo muito julgado por uma situação que não é a sua. Gosto de atuar onde me sinto bem, pelo meio de campo, de volante ou como terceiro homem, na ausência do Luan. Graças a Deus, minha trajetória aqui está sendo muito boa. Eu tinha cinco meses e já havia participado de três títulos. Algo assim não tem preço.
Agora, pelas lesões de Everton e Alisson, surge uma vaga pelo lado esquerdo. Se Renato pedir, atuaria por ali?
Já atuei na beirada pelo lado direito. Não sou jogador velocista, mas, na inteligência, na leitura do jogo, consigo fazer essas funções. Já atuei pela direita do campo, no Fluminense. Você joga pela direita e traz com a esquerda para dentro para chutar em gol. Algumas vezes, já atuei pela esquerda na Alemanha. Mas, como falei, onde me sinto à vontade é vindo um pouco mais de trás.
Mas, como volante, a disputa é muito grande. Tem Arthur, Maicon, Jailson, Michel. Não seria melhor atuar em outra posição?
Eu respeito o momento. Os meninos estão aí desde a Copa do Brasil, estão no clube há mais tempo, fazem um bom trabalho. Cabe a mim respeitar e aproveitar as brechas. Isso é bom até para o time. Quando um ou outro não joga e você entra no lugar e mantém o mesmo rendimento, é tudo o que o treinador quer. O negócio é o time ter uma identidade e encaixar.
Depois de algumas críticas no início do ano, você agora começa a receber elogios. Como vê essa mudança?
Foi bom você frisar isso aí. Eu tenho reparado isso com o tempo. As coisas estão mudando. Eles estão vendo onde o Cícero realmente pode render mais e até para o próprio time. Essas coisas você tem que mudar dentro de campo. E o cenário está começando a mudar.
Qual é o peso de usar a camisa 10, que era do Douglas?
Foi na inscrição da Libertadores. O seu Verardi (Antônio Carlos, superintendente) me chamou para conversar sobre isso. Faltava um dia para fechar a relação, eu tinha jogado com a 27 na outra Libertadores e como gosto muito do 7 e do 8, pensei em pegar alguma camisa ligada a esses números. Como tinham dado a 27 para o Thonny (Anderson) e Douglas não pode jogar, pegaram a 10 e me inscreveram com ela. Esses dias até falei para o Douglas que ela está prontinha, esperando por ele. Ele é um 10 clássico, sabemos da inteligência dele. A gente engana e faz uns golzinhos de vem em quando (risos). É uma camisa pesada do clube, mas tento segurá-la. Talvez eu pegue a 77. É mais o meu perfil.
O Grêmio de hoje é melhor do que o do ano passado?
O Renato mantém o perfil de trabalho. Este ano, temos um grupo mais enxuto. Saíram peças e chegaram várias. Hoje, tem três atacantes de área, cresceram os jogadores de meio e beirada. Este ano, é mais encorpado. Mas o perfil de jogo não mudou, não.
A Libertadores deste ano está mais difícil do que em 2017?
Toda competição sempre se tornará difícil, ainda mais se tratando de uma Libertadores. O Grêmio é o time a ser batido pelo que fez no ano passado e no início deste ano. Você acaba tendo visibilidade maior. Temos que estar conscientes e preparados para estas adversidades. As equipes de mais tradição estão na Libertadores deste ano e a maioria delas está se classificando.
Vocês, jogadores, percebem que estão fazendo história dentro do Grêmio?
Temos um pouco dessa noção vendo a felicidade das pessoas. Muitos passaram por aqui e não conseguiram. Eu, com cinco meses, tive três títulos. Não temos esta noção toda do torcedor. Mas percebemos quando chegamos no estádio e vemos que está lotado, aquela alegria do torcedor chegando. Percebemos quando uma funcionária que trabalha na nossa casa fala da felicidade do marido. Quando saímos na rua, começamos a perceber isso que o torcedor está muito feliz.
Você trocaria um título da Libertadores pelo Brasileiro neste ano?
É difícil falar isso (risos). Libertadores é Libertadores. Estamos com o intuito de sempre ganhar um título aqui. Vamos brigar e firme pelos três. Libertadores te leva ao mundial. Infelizmente, não pude participar do último. Até brinco que o amuletinho não estava lá sentado no banco (risos). Quem sabe desta vez eu possa participar.
Quando você ficou sabendo que não participaria daquele Mundial?
A gente estava em cima do caminhão de bombeiros comemorando o título (da Libertadores). Você pega seu celular, tirando foto e aí entra uma mensagem do meu irmão perguntando se eu não iria ao mundial. Tomei um susto, mas, na hora, nem quis saber, era campeão da Libertadores, isso não é para qualquer um, tratei de comemorar.
Este é o melhor momento da sua carreira?
Os títulos podem fazer parecer que é o melhor momento da sua carreira. Mas, não é o melhor momento da minha. Eu estava ciente de que poderia contribuir com alguma coisa. Tive bons momentos no Santos, Fluminense. Em rendimento, aqui não é o melhor. Até poderá ser, mas onde você se sente bem, jogando na sua posição de origem. É ali que você se conhece e sabe que pode render. Mas o time está jogando muito bem. É preciso respeitar e esperar o momento certo e dar uma sequência no trabalho. Se precisar, até de zagueiro ou até de goleiro eu vou ajudar (risos).
Você já projeta aposentadoria, já pensa no que fará depois de encerrar a carreira?
Olha, sendo sincero, não penso nisso ainda não. Jogar futebol é bem demais. Graças a Deus, nunca operei nada, nem tive esse negócio de lesão muscular. Só uma torçãozinho de tornozelo, nada grave. Se deixar, vou ainda uns 10 anos (risos). Para ir além, tem que se cuidar um pouco mais. Lógico que não vai render fisicamente como tinha 20 e tantos anos. Vou no meu dia a dia. Se você mantiver um nível bom de concentração e treinamento, dá para se manter por um bom tempo.
Como você vê o amadurecimento de Renato como treinador?
Ele é um cara que fala a língua dos jogadores, simplifica, não inventa nada, sabe como lidar com o grupo no dia a dia, sabe gerir o grupo, tudo isso conta. Trabalhei com ele no Fluminense 10 anos atrás e hoje se percebe um amadurecimento pessoal. Ele tem um grupo muito comprometido, que corre por ele. E ele faz pelo grupo.
Então é conversa fiada essa história de que ele não gosta de estudar?
Olha, eu não vejo ele muito com livro, não (risos). Mas nem precisa falar dos resultados, do êxito, dos títulos. Ele triplicou sua história com o Grêmio. O segredo dele é a simplicidade.
Em outra entrevista, você nos disse que o destino o havia colocado aqui para ganhar a Libertadores. Agora, a força do destino agora pode estar do seu lado novamente para mais conquistas?
Deus te ouça. Estamos aí, atrás da tríplice coroa. Já foram duas. Temos três oportunidades pela frente.
Essa questão da tríplice coroa mexe muito com vocês?
Não podemos ficar obcecados. Temos que trabalhar e deixar as coisas acontecerem. Quem sabe venha a tríplice, a quádrupla coroa. A gente não sabe, tem três competições aí.