Arthur já perdeu a conta de quantas vezes a cena lhe veio à mente. É segunda-feira, 2 de outubro, e ele acaba de chegar à Granja Comary, em Teresópolis, para apresentar-se ao técnico Tite. Muito mais do que marcar atacantes habilidosos, é a primeira experiência ao lado do treinador e de estrelas do porte de Neymar que o têm deixado ansioso.
– Vou cumprimentá-lo, agradecer pela oportunidade e, depois, aguentar a zoação dos primeiros dias – gargalha o volante que encantou o técnico da Seleção Brasileira e teve seu nome incluído na lista de convocados para os jogos contra Bolívia e Chile, os últimos das Eliminatórias para a Copa de 2018, na Rússia.
Não seria exagerado chamar de meteoro Arthur o goiano de 21 anos completados em agosto. Bastaram 39 partidas pelo Grêmio para que sua vida se transformasse.
– Foi tudo rápido. Nesses quatro meses, aconteceram mais emoções do que em 20 anos de vida – confessa, sob o olhar sorridente do pai, Ailton, e da mãe Lúcia, recém-chegados de Goiânia para visitá-lo.
Arthur já sabe que os jogadores serão levados de helicóptero até a Granja Comary. A zoação a que se refere é o ritual enfrentado por cada novato chamado por Tite.
– É uma tortura, uma prova de fogo, né? Tô lascado –sorri.
É uma tortura, uma prova de fogo, né? Tô lascado
Arthur
Sobre o trote na Seleção
Tem um gostinho especial em ser convocado agora, depois de tudo o que você passou aqui?
Tem, sim. Sabe por quê? Quando olho para trás, era outra realidade. Deito na cama e penso em tudo o que passei. É uma felicidade enorme. Porque eu provei os dois lados da moeda. Um, sem perspectiva no profissional. O outro, se tornar a revelação da temporada, com chance na Seleção Brasileira. Mas o futebol muda rapidamente as coisas. O garoto que estava desacreditado, agora vivendo tudo isso. É um gostinho a mais, sim, com certeza.
Quando você pensou em sair? Foi em 2015, quando estreou e logo depois se lesionou?
Foi pela falta de oportunidade, falta de sequência. Fiquei dois anos no profissional só treinando. Não ia a praticamente nenhum jogo. E todo jogador gosta de jogar, de ter a torcida vendo você jogar, é isso que nos motiva. E eu não tinha oportunidade por o Grêmio ser um gigante, toda hora estar contratando grandes jogadores, pelo nível técnico deles. Comentei com meu pai se talvez não fosse melhor começar a carreira em outro clube menor, que talvez não tivesse tantos jogadores de alto nível. E retornar ao Grêmio com cacife mais elevado para ter uma chance. No final, deu tudo certo.
E você explica essas dificuldades aos que estão subindo agora?
Com certeza, porque vi o quanto foi difícil para mim. Pensei que seria tudo diferente quando subi, que já ia jogar, que iria a todos os jogos e não foi assim. Você vai ficando um pouco desmotivado de só treinar. Não está na convocação para os jogos e, no outro dia, tem que estar praticamente sozinho no clube, fazer academia. E vai desmotivando, é normal do ser humano. Se não vou para o jogo, para que vou treinar? Isso é errado. Então, eu provei isso na pele e agora tento passar um pouco desta experiência para quem está subindo da base.
Quando o nome não estava na lista de convocados, o que você fazia?
Era muito difícil. Voltava para casa triste e perguntava: o que vou fazer agora? Assistia a um filme, pedia algo para comer, ligava para meu pai e minha mãe cabisbaixo, desmotivado.
Você saiu dos gramados de Bagé (onde jogou muitas vezes pela equipe de base do Grêmio) e pode ir para os da Rússia. É nisso que está pensando?
Com certeza. Meu pai frisa bastante. Se seu objetivo é X e você chegou, coloque mais um. E assim vai. É a evolução normal de cada atleta. No começo do ano, eu sonhava com Seleção, mas era um desejo distante e agora vi que nada é impossível. Como as coisas aconteceram rápido, então a meta agora é chegar à Rússia.
Você já falou com Tite?
Falei. No dia da convocação, ele me mandou mensagem de áudio e falou que ia ligar no outro dia. Fiquei todo bobo ouvindo a voz dele (risos). No outro dia, ele me ligou pelo celular e batemos um papo.
O que ele falou?
Me deu os parabéns pela convocação, disse que foi merecido, que me acompanhava há algum tempo, fiz por onde. Disse que o primordial foi a parte extracampo. Ele me acompanha, tudo o que faço ele dá um jeito de ficar sabendo.
Algo que chama a atenção é que, dentro de campo, você parece não ter medo de nada. Sempre foi assim?
É uma pergunta que me fazem bastante. É uma coisa que tenho bem clara na minha cabeça. Sempre tive um bom toque, boa visão de jogo. Mas, quem me deu esse toque a mais, dizendo que eu tinha uma tranquilidade fora do normal, protegia muito bem a bola, mas poderia explorar um pouco mais isso foi André Jardine, que passou pela base do Grêmio. Ele que destacou isso, eu não via até então.
Aos 11, 12 anos, você já era volante?
Jogava um pouco mais avançado, como meia-armador mesmo, não segundo volante. Quando fui para a base do Goiás, com 12 anos, tive um técnico chamado Lucinho, ex-jogador do clube, que me falou de meu passe muito bom, da tranquilidade fora do normal com a bola no pé, e seria muito útil de volante. Fiz praticamente a base inteira como volante.
E se percebe que você já é muito caçado em campo...
Futebol é muito intenso, que preza bastante pela marcação. Quando estou com a bola, já sinto alguém no cangote (risos).
No começo, Renato dizia que você sentia a falta de ritmo durante os jogos. Como melhorou isso?
No começo, era normal. Fiquei dois anos só treinando. E, por mais que se treine, nunca vai ser igual a um jogo, onde existe a pressão da torcida e sua mesmo, por saber que não pode errar. As emoções são diferentes. Tive acompanhamento de perto da nutrição, dos fisiologistas, da preparação física. O Grêmio tem uma estrutura maravilhosa. Tiramos de letra isso.
Já ganhou massa muscular?
Ganhei. Se não me engano, foram três quilos de massa magra desde maio, quando comecei a jogar. Tive acompanhamento, passei a tomar suplementação dada pelo Grêmio.
Você conquistou respeito...
O diferencial da nossa equipe, desde o primeiro dia que fui titular com o profissional, me passam confiança. Falaram no vestiário, até usando o meu nome. Não importa se é o Arthur ou Geromel, todos têm direito iguais. Com caras consagrados falando isso, já entro respaldado em campo. Isso é uma vantagem do nosso grupo. Todos se respeitam.
Qual a cena mais marcante que você já viveu contra jogador consagrado?
Lembro que o Robinho veio falar comigo aqui no jogo contra o Atlético-MG. A bola estava parada, e ele estava com as pernas abertas. Acho que era uma falta e dei uma caneta nele. Aí ele me puxou pelo pescoço e disse: "Tá maluco, moleque?". Disse que ia contar que tinha dado uma caneta nele. Me deu um tapa na cabeça e disse que eu estava jogando muito.
Tem alguma coisa que o assuste?
Pra ser bem sincero, o discurso na Seleção está me aterrorizando (risos). Assisti à convocação aqui em casa com meu irmão. Quando saiu meu nome, só faltou ele subir pelas paredes de tão feliz. Eu estava tranquilo, feliz demais por dentro, mas pensativo. Já estava pensando no que teria de falar. O mais difícil já passou.
Como imagina que será o encontro com Neymar?
Um ídolo mundial, um cara marcante dentro e fora de campo. Me identifico com ele nas brincadeiras, sou um cara extrovertido. Já ouvi de companheiros que ele é uma pessoa maravilhosa.
Como tem sido o assédio dos torcedores nas ruas?
Vou ao shopping de teimoso, né? (risos). Continuo fazendo o que fiz a vida inteira. Sempre gostei. Não me importo com o assédio, mas hoje em dia é mais complicado. Você está jantando ou falando no celular e chega alguém pedindo pra tirar foto. Também estou trabalhando com a canetinha nos autógrafos.
Você ficará no Grêmio em 2018?
Não posso dar certeza. Não assinei contrato com nenhum time. Teve algumas sondagens, não conversei com meu empresário. Deixo meu pai resolver isso. Fico focado no Grêmio. Deixo a vida me levar. Quando chegar um contrato para assinar na minha frente, com uma proposta boa para todas as partes, entraremos em acordo.
É o pai Renato
Arthur
Agora que você está dando certo, todos querem dizer que te lançaram. Mas quem é mesmo o responsável?
É engraçado, mas futebol é isso. É muito parcial, uma hora você não presta, é o bagaço da laranja e todo mundo joga fora. Depois de um ou dois jogos que você faz bem, já mudam de opinião. Ele é baixinho, mas é ágil. Não tem intensidade, mas com a bola no pé é um fenômeno. Vários apostaram em mim quando cheguei ao clube, mas quem me bancou foi o Renato. Não adianta falar que sou puxa-saco. Ele soube me colocar no tempo e na posição certa. .