O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, foi claro: dificilmente o futebol poderá ser retomado no Estado até que a curva da pandemia do coronavírus comece a diminuir.
Em entrevista a comunicadores do Grupo RBS no programa Sala de Redação, da Rádio Gaúcha, nesta quarta-feira (6), ele afirmou que a conclusão do Gauchão não será colocada como prioridade em detrimento às questões de saúde.
— Não vamos fazer conta de chegada. Vamos cuidar da vida e da saúde, estabelecer regras, e a federação toma a decisão se nessas condições será possível retomar o futebol. Não vamos forçar a barra e reduzir o nível de segurança para concluir o campeonato. Respeito muito o futebol, sei que movimenta a economia, mas não podemos colocar a conclusão do campeonato acima da saúde — disse o governador.
Eduardo Leite projeta que o pico da pandemia ainda não chegou ao Estado, e estima que o mês de junho, em razão da chegada do inverno, será o mais dramático no Rio Grande do Sul. Até mesmo por isso, acredita que o futebol terá de esperar para ser retomado:
— Não podemos permitir que haja exposição a risco de contágio nesse momento para além do que estamos com capacidade de atendimentos nas nossas estruturas hospitalares.
Uma das possibilidades levantadas na reunião com o presidente da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Luciano Hocsman, na terça-feira, foi a conclusão do Estadual em uma região menos afetada pela pandemia. Leite salientou, porém, que os técnicos em saúde do governo ainda estão analisando o protocolo de segurança repassado pela FGF para saber se é possível retomar a competição, ainda que em sede única.
— Vamos analisar o que cada esporte proporciona de contato. Futebol é um esporte de contato. Não tem como jogar com distanciamento. Isso também terá de ser observado pelos especialistas que estão observando essa característica. Até porque, no final das contas, vamos ter dezenas de jogadores e clubes estabelecendo esse contato e se expondo ao risco de levar para suas famílias, eventualmente, a possibilidade de serem contaminados — ponderou o governador, que deixou por conta da federação a viabilidade financeira desta medida:
— Do ponto de vista econômico, quem define é a federação. Nós vamos estabelecer se isso pode ou não pode. Mas quem decide se vai retornar é a federação.
Por fim, Leite foi questionado se está de acordo com o pensamento do prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, que estima a volta do futebol apenas para o final de 2020 ou início de 2021. O governador disse ter uma observação "muito parecida com a do prefeito", seu companheiro de partido.
— Não vamos forçar a mão para alguma atividade se não tiver segurança — frisou.
VEJA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DO GOVERNADOR AO SALA DE REDAÇÃO:
O que o senhor sabe a respeito da condição dos clubes do Interior para retomar o Campeonato Gaúcho?
É importante colocar que a posição do governo é assegurar proteção à saúde das pessoas, sem deixar de olhar para a economia. Nisso se insere os clubes, que têm receitas e sem elas precisam demitir. Em uma atividade econômica, muitas famílias têm suas rendas a partir dessa atividade. Mas não podemos permitir que haja exposição a risco de contágio nesse momento para além do que estamos com capacidade de atendimentos nas nossas estruturas hospitalares. O que conversamos ontem (terça-feira, 5) com o presidente Luciano (Hocsman, da FGF)? Ele nos trouxe o protocolo que entende que possibilitaria o retorno do campeonato. Disse a ele que a minha preocupação como governador não vai ser viabilizar o campeonato ou não. Olho para as atividades, como estão migrando para um modelo de distanciamento controlado, por meio da regionalização do Estado. Temos uma região com mais restrições do que outras. Talvez esse seja o ponto mais complexo para a permissão de retorno. Os clubes do Interior dependem desse calendário de jogos, que lhes permita ter alguma receita. O que acontece é que o campeonato pressupõe uma uniformidade de procedimento no território estadual, e todo o nosso modelo vai num sentido contrário, que é mais restritivo em algumas regiões e menos sem outras. Isso ressalvaria que algumas regiões podem ter jogos e outras não, e isso é o que mais dificulta a retomada do campeonato.
Existe a possibilidade de o campeonato ser finalizado em uma região apenas?
Em tese, sim. Não saberia dizer do ponto de vista econômico da federação e dos clubes. Isso tem de ser analisado pela atividade em si. O que acontece é que amanhã (quinta-feira) vou receber da minha equipe da secretaria da Saúde e do Planejamento os protocolos que nos foram encaminhados por cada uma das atividades econômicas do Estado, que são mais de 80. Vai desde restaurante a atividades industriais, que exigem protocolos diferentes e estão em bandeiras diferentes, de acordo com a região. Nós vamos discutir os protocolos para eventos esportivos. Vamos analisar o que cada esporte proporciona de contato. Futebol é um esporte de contato. Não tem com jogar com distanciamento. Isso também terá de ser observados pelos especialistas que estão observando essa característica. Até porque, no final das contas, vamos ter dezenas de jogadores e clubes estabelecendo esse contato e se expondo ao risco de levar para suas famílias, eventualmente, a possibilidade de serem contaminados. Isso os especialistas vão nos trazer o protocolo que deverá ser observado caso sejam viabilizados os jogos.
Em caso de sede única, a ideia seria que os jogadores se instalassem no mesmo local. Isso seria possível?
É uma possibilidade que foi levantado pelo presidente (da FGF, Luciano Hocsman). Mas, pelo que entendi, teria pouca viabilidade econômica para concluir. Essa decisão não é do governo do Estado. Nós vamos observar os protocolos de segurança. Partimos da seguinte premissa: eventos culturais e esportivos só poderão retornar no pós-pandemia. Nesse caso, a federação e os clubes se dispõem a não ter torcida. Aí transforma-se de um evento para uma atividade diferente, sem aglomeração, com número reduzido. Ainda assim, pressupõe contato. Por isso que nós temos um grupo de especialistas analisando os protocolos de cada atividade, inclusive o futebol. Se for possível retomar, ter o campeonato no território todo parece impossível. Não tenho como assegurar que a cada semana as bandeiras das regiões não troquem de acordo com os dados de internação. Não tenho como assegurar que durante os 40 dias de competição possa ter futebol. Não temos essa segurança. Mas, se quiserem fazer em uma única cidade, com isolamento, tem de se identificar se é suficiente para reduzir o contato. Do ponto de vista econômico, quem define é a federação. Nós vamos estabelecer se isso pode ou não pode. Mas quem decide se vai retornar é a federação.
A segurança sanitária possível seria que o Estado todo estivesse na mesma bandeira. Caso todas as regiões fiquem no amarelo significaria a volta do futebol?
Para que o campeonato voltasse a acontecer na normalidade, fora a questão da torcida, que não há qualquer condição de se pensar nisso, teria haver uniformidade de risco em todas as cidades. E isso não se projeta para as próximas semanas ou meses. Projetamos que vamos viver momentos mais críticos em determinadas regiões do Estado. Essa uniforme é absolutamente improvável que venha a acontecer nas próximas semanas ou meses. Por isso, parece difícil retornar o campeonato dessa forma. Vamos analisar amanhã (quinta-feira), colocar a nossa posição, mas a federação é que toma a decisão se os protocolos serão possíveis de serem aplicados. Não vamos fazer conta de chegada. Vamos cuidar da vida e da saúde, estabelecer regras, e a federação toma a decisão se nessas condições será possível retomar o futebol. Não vamos forçar a barra e reduzir o nível de segurança para concluir o campeonato. Respeito muito o futebol, sei que movimenta a economia, mas não podemos colocar a conclusão do campeonato acima da saúde.
De 0 a 10, qual a chance de retomar o futebol no Rio Grande do Sul até agosto?
A gente tem um protocolo aqui que faz a mensuração do número de leitos, de internações, tem muita ciência embasando. Eu fazer uma escala e 0 a 10 aqui, empiricamente, sem embasamento, seria irresponsável. Mas vejo pouca chance do campeonato retornar na forma como estava estabelecido. Acho muito pouco provável que se tenha qualquer condição. O máximo que teríamos são algumas regiões com bandeiras amarelas que pode jogar, mas na bandeira laranja não pode. Como vai permitir que possa acontecer um jogo em uma região e na outra não? E se um dos jogadores for positivado num teste ao longo do campeonato? Os colegas terão de estar em isolamento até que o testes sejam feitos e se tenha resultados. Isso parece dificultar bastante para que se cumpra toda a tabela. Por isso, parece difícil que haja o retorno até que se tenha curva declinante do coronavírus no Estado.
O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, disse que dificilmente teríamos jogos na Capital neste ano. Como está sendo o diálogo com o prefeito e em algum momento vocês conversaram sobre o retorno do futebol?
A gente tem conversado frequentemente, nossas equipes também. Mas eu tenho de ter o olhar para o Estado inteiro. Olho Porto Alegre no contexto da Região Metropolitana. O prefeito faz o olhar de Porto Alegre, cada um respeitando a sua estrutura e o seu foco. Sobre futebol, objetivamente, não chegamos a conversar em relação a protocolos. Mas tenho uma observação muita parecida com a do prefeito. Não vamos forçar a mão para alguma atividade se não tiver segurança. Estamos com aulas suspensas e educação é uma coisa importante, fundamental, mas as aulas estão suspensas. Não sabemos em que nível isso vai gerar uma evasão escolar, que pode gerar outros problemas. Estamos buscando poupar vidas. Se não houver o controle e a disseminação do vírus aumentar, teremos problemas econômicos também. As pessoas passarão a parar obrigatoriamente, e será mais inseguro, com mais incertezas, além da perda de vidas, que será traumático. O que se tem de problemas causados pelo distanciamento, temos certeza de que é menos pesado do que se tivéssemos retornado. No esporte também. Não conseguimos assegurar segurança para um campeonato que é distribuído pelo Estado. Além disso, nós não temos a certeza ainda, e os nossos técnicos estão analisando isso, de que seja prudente permitir o contato de mais de 20 pessoas em campo, mais equipe técnica, preparadores físicos, os demais jogadores que não estiverem em campo, os reservas, de uma atividade que vai expô-los ao contato, como já expôs, inclusive, dirigentes do futebol. Eles tiveram contato, se contaminaram e quantas pessoas acabaram sendo contaminadas por conta disso? Isso vai se replicando.
O pior quadro que se pode imaginar nós já temos ou ainda está por chegar ao Estado?
O que se projeta, o que temos receio, é o inverno. Está batendo na porta, porque está começando a esfriar. Junho, julho e agosto são meses em que temos maior mortalidade, morre mais gente, temos um número maior de internações, e não sabemos como o coronavírus vai se portar. Temos a expectativa de que aumente bastante o número de casos e de demanda hospitalar. Essa é a dificuldade. No futebol, como você faz um retorno agora? Se déssemos o ok agora, para que os clubes tivessem tempo de remobilização, de treinamento, começaria em junho. Em três semanas, não sei dizer se não estaremos em uma condição de bandeira vermelha, por exemplo. É exatamente por isso que está sendo discutido o adiamento das eleições. Ainda não se tem uma decisão, mas não há uma convicção de que o calendário será seguido, com as convenções partidárias em julho e a campanha entre agosto e setembro. Isso é o que a lei determina para o primeiro turno logo no início de outubro. Na política, é da natureza o corpo a corpo, conversar com as pessoas. É difícil projetar a escolha da população sem ter contato com os candidatos. Assim como é da natureza do futebol o contato em campo. É impossível fazer sem o contato. No caso do Estadual, será possível confinar os jogadores em uma região, sem contato com nenhuma outra pessoa por três, quatro semanas para concluir o campeonato? É difícil projetar isso.
Já mensuraram o que pode acontecer com clubes tradicionais e centenários caso o futebol não volte em dois, três meses?
É o que está acontecendo em todas as atividades econômicas. Vários negócios tradicionais, empresas, passam por grande dificuldade. Há um esforço do governo estadual, federal, para liberar empréstimos, capital de giro, isso não é uma exclusividade do futebol. As famílias brasileiras, gaúchas, estão sofrendo. No entanto, se impõe essa proteção à vida. Estamos migrando para um distanciamento controlado. Mas o setor das academias, por exemplo, essas atividades que têm muito contato com superfície, não é possível fazer com toda proteção necessária. O uso da máscara já é difícil, com esforço físico é mais complicado usar a máscara. Tem peculiaridades que tornam mais complexo e difícil o retorno seguro.
Como a gente se aproxima da segurança sem a vacina?
A única possibilidade sem vacina é o distanciamento até que se tenha vacina. As pessoas não tem imunidade contra esse vírus, a não ser aquelas que tiveram o coronavírus e sobreviveram. Sem ter essa imunização, estão desprotegidas. Muitas pessoas têm comorbidades como asma, obesidade, diabetes e estão em risco, porque esse vírus se aproveita dessas fragilidades. Diante do coronavírus, essas doenças se tornam problemas graves. Essas pessoas estão especialmente expostas. Por isso, o distanciamento faz circular menos o vírus. Mas não temos nem a convicção de que teremos vacina ainda.
Em qual mês se projeta o auge do coronavírus no Rio Grande do Sul?
Projetamos para o final de junho o momento mais dramático em função do inverno, especialmente.