Com curativos nos braços e no tronco, tapado com um lençol e tendo batimentos e respiração monitorados na UTI do Hospital de Caridade de Erechim, Eldor Stigger fez à neta Marina a única pergunta que lhe passava na cabeça naquele momento:
— O Pelotas já anunciou o novo técnico?
Aos 89 anos, ele era o integrante mais velho da excursão que levou 32 torcedores do Lobão a Erechim. Eles tinham quase 600 quilômetros pela frente quando o ônibus que os levava de volta para casa após a derrota para o Ypiranga tombou na ribanceira da RS-135, deixando 25 feridos – e até esta sexta-feira, quatro ainda internados. Pela idade e pelas lesões (teve fraturas em oito costelas, na vértebra T-9 e ainda perfuração de pulmão), inspira cuidados, apesar de seu quadro ser considerado estável. Está (muito!) lúcido, conversa sem tantas dificuldades e mantém o bom humor.
Ao ser informado que Luiz Carlos Winck havia sido o escolhido para substituir Antonio Picoli, abriu um sorriso e disse:
— Eu sabia! Se tivesse R$ 1 milhão, teria apostado que iam atrás dele.
Não que não goste do agora ex-treinador. Pelo contrário, teve gratidão pelos títulos recentes. Mas ele gosta, mesmo, é do Pelotas. E talvez a troca ajude o clube.
Sua relação com o lado azul e amarelo da cidade do sul do Estado começou em 1942, contou, ainda deitado na cama. Tinha 12 anos e jogava futebol no Sul-América, um time amador. Segundo ele, destacou-se e foi parar no Pelotas. Seu colega de time acabou do lado rival: era Joaquinzinho, que jogou depois em Corinthians, Fluminense e tem a lenda de ter sido oferecido ao Santos em troca de Pelé.
A carreira de Eldor Stigger, porém, não foi dentro de campo. Começou a receber um salário maior para ser mecânico e os veículos ganharam espaço em seu coração. Claro, espaço a ser dividido com o Pelotas. Abriu sua oficina e, ao longo dos anos, conciliou as paixões.
Na Boca do Lobo, foi conselheiro por mais de 20 anos. É figura frequente nas partidas do time na Avenida Bento Gonçalves. E, mais ainda, fora de casa. Aliás, é fácil encontrá-lo no setor visitante nas partidas longe de Pelotas.
Como essa para Erechim. A equipe não tinha jogado bem, perdeu, Picoli pediu demissão e ainda tinha um Estado inteiro para cruzar. Então veio o acidente.
— Meu colega de banco caiu por cima de mim, não estava de cinto. O cinto é para isso, não deixar as pessoas soltas. Eu estava usando. Mas ele não fez por mal, é meu amigo. Foi uma daquelas coisas que a gente não prevê — lamenta.
Aliás, Stigger também se interessou em saber como estavam os demais torcedores envolvidos no acidente. São eles que lhe fazem companhia em todas as viagens. Reage sorrindo quando é perguntado se ia sozinho: "Que nada, conheço todo mundo!". Foi informado de que outros três permaneciam internados: Sérgio Teixeira, José Luiz Sanches e José Luiz Portela – este com uma fratura no tornozelo.
— O Portela já estava ruim da perna, coitado. Tomara que agora arrumem tudo.
Ele, é claro, também quer ficar bom logo. Viúvo, pai de três filhos, avô de seis netos e bisavô de oito crianças, conta os minutos para deixar a UTI e voltar para casa. Marina, a neta fisioterapeuta que mora em Marau e permanece em Erechim acompanhando a situação, tem planos para ambos:
— O vô sempre me acompanha na hora de trocar carro. Ele gosta de escolher e me dar dicas. Vamos fazer isso. Mas também temos de comemorar os 90 anos dele, em junho.
Se a ideia já era fazer uma festa, até pela data redonda, o acidente só aumentou o desejo. O local, é claro, seria a Lobão, a churrascaria localizada no estádio do Pelotas.
— Meus amigos já me disseram que queriam fazer lá, vão ajudar a pagar e tudo. Seria divertido.
Mas antes precisa se recuperar, ir para casa. Ao ser perguntado sobre o que deseja fazer quando ficar bem, responde:
— Quero voltar ao normal. Ir para minha oficina, trabalhar, conversar com meus amigos.
— E o senhor pretende voltar a ir aos jogos? — questiono.
— O que o senhor acha? — ele devolve, respeitoso, e completa: — Vou deixar para o senhor responder.
Não precisa. O sorriso já entregou tudo.