Não se vive do futebol no interior do Rio Grande do Sul. A condição, comum em clubes da Terceirona, é a realidade de todas as atletas que disputaram o Gauchão Feminino de 2018 fora da dupla Gre-Nal. A precariedade é praticamente regra: as jogadoras não recebem para atuar nas partidas e ainda pagam transporte, alimentação, ambulância e segurança dos estádios. Há times que sequer treinaram: ou havia dinheiro para treinar ou para disputar os jogos.
Quando perdem, não podem culpar a preparação física, pois apenas dois dos oito clubes do Interior oferecem academia para as atletas. As comissões técnicas são improvisadas com profissionais que aceitam trabalhar sem receber. No João Emílio, de Candiota — cidade distante 420 km de Porto Alegre —, Cléo Moura é técnico, roupeiro, organiza a logística, recolhe doações do comércio local e ainda oferece a casa da mãe para que jogadoras que moram longe possam dormir antes dos enfrentamentos do fim de semana.
Os valores envolvidos na modalidade feminina diferem muito das cifras milionárias do futebol masculino. Não há salário para as atletas, mas algumas recebem uma ajuda de custo nas partidas. A quantia gira em torno de R$ 100 a R$ 300 e é utilizada no transporte até a cidade do jogo, alimentação e exames médicos após lesões. Com planejamento quase inexistente, os clubes se organizam financeiramente a cada partida: recolhem dinheiro das atletas e juntam com o que recebem de apoiadores locais para pagar as despesas, que vão de R$ 1 mil a R$ 5 mil, dependendo do local do jogo.
É na Região Metropolitana que vivem as 49 mulheres que pagam suas contas com o futebol no Estado. Das 304 atletas inscritas, apenas as da dupla Gre-Nal recebem para jogar. As coloradas treinam em campo emprestado pela Brigada Militar e fazem as partidas no Complexo Esportivo da PUCRS, em Porto Alegre. Já as gremistas utilizam as estruturas do Estádio Antônio Vieira Ramos, em Gravataí, para treinar e jogar — o alojamento em que moram também fica no campo do Cerâmica.
Mesmo na Dupla, que oferece estrutura completa às atletas, as jogadoras têm realidade distante da de seus colegas homens. Enquanto o Inter gastou cerca de R$ 7 milhões mensais com salários do time masculino, a modalidade feminina teve investimento de R$ 1 milhão no ano inteiro. Ao Grêmio, o time principal custou aproximadamente R$ 9 milhões por mês e, o feminino, R$ 1,5 milhão.
Não por acaso, a final do Gauchão de 2018 terminou em Gre-Nal — assim como no ano passado. A campanha da Dupla mostra a disparidade da disputa com o Interior. O Grêmio chegou à decisão com 67 gols marcados em 10 partidas e, o Inter, com 76. Placares de 12 a 0 apareceram dos dois lados quando as adversárias eram do Interior. A maior goleada foi das coloradas em cima do João Emílio: 15 a 0.
Outro ponto em comum na trajetória dos dois times foram os W.O. Em duas oportunidades, as adversárias da Dupla não apareceram para o jogo. O principal motivo exemplifica a deficiência do futebol feminino, principalmente do Interior: faltavam atletas para as viagens, pois nem todas tinham dinheiro para pagar o deslocamento até Porto Alegre ou Gravataí. Em uma das oportunidades, contra o Grêmio, o Black Show, de Guaíba, alegou que as jogadoras mais jovens não foram liberadas pelos responsáveis por conta de um temporal na cidade.
Este foi o primeiro ano em que o Gauchão foi organizado pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF). Antes, o campeonato era promovido pela Associação Gaúcha de Futebol Feminino. A nova administração pouco melhorou as condições dos clubes, mas tornou as regras mais rígidas, o que impediu que situações antes recorrentes se repetissem, como clubes disputarem dois jogos no mesmo dia para aproveitar o deslocamento até determinada cidade.
Há, porém, muito o que avançar. E é por isso que GaúchaZH mostra, em uma série de matérias, a realidade do futebol feminino no Estado, mesmo depois de a FGF se comprometer com a organização do torneio, que ainda está longe de ser parecido com o Gauchão masculino.
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