Acabou sendo engolida pela confusão na Libertadores, pela vaga do Inter na Libertadores e pela novela da renovação de contrato de Renato, mas a divulgação de um vídeo de dirigentes dos 12 clubes participantes do Gauchão, mais representantes da Federação Gaúcha de Futebol, se refestelando na praia colombiana de San Andrés deveria ter recebido mais atenção. E, principalmente, indignação. Principalmente porque não é a primeira vez: recentemente houve um cruzeiro em condições semelhantes.
Não que as pessoas não tenham direito a conhecer o Caribe, juntar amigos e se divertir em balneários paradisíacos. Mas não precisava ser com um dinheiro comum, né?
Vejam bem: comum, não público. Mas que poderia ser dividido com o público. Principalmente com quem não tem o dinheiro do Gauchão. À Rádio Gaúcha, o presidente da FGF, Francisco Novelletto, afirmou que o pagamento foi feito por patrocinadores. E que, ok, têm direito a fazer o que querem com o que ganham. Mas não seria mais simbólico evitar o gasto na Colômbia e oferecer aos outros tantos clubes?
Por baixo, uma excursão para a badalada praia para o número de convidados envolvidos sai pelo menos R$ 100 mil. Para quem não vive a realidade do Interior e acha que esse valor não é alto, uma informação: com essa grana, um clube da Divisão de Acesso paga um mês de salário para todo o time e toda a comissão técnica. Os da Terceirona pagam até duas folhas.
A Federação sabe disso. Como sabe, também, que esse tipo de afago mantém os "eleitores" por perto e disfarça de presente o que, na verdade, é uma dependência.
Por isso, ainda mais do que a entidade, a atitude dos dirigentes deve ser reprovada. Muitos deles estavam nas divisões inferiores poucos dias atrás. Enfrentaram as dificuldades de montar times, pagar salários e prêmios, custear viagens e manter estádios sem o dinheiro que a TV dá aos representantes da elite. Passaram de chapéu na mão arrecadando medalhas e pedindo permutas para comerciantes locais.
Aposto já agora: os dois que serão rebaixados no Gauchão vão colocar a culpa na arbitragem, na imprensa, no governo, na crise. E não nas águas calientes de San Andrés.
Não esperem do Entrevero, porém, o discurso oportunista de terminar com Gauchão, extinguir clubes e jogar só na Capital, como vi depois da divulgação do vídeo. Muitos dos que pregam isso são os que que elogiam "estádio raiz" fora do Brasil e ficam de mimimi no Interior. Gabam-se que o time superou as adversidades dos gramados ruins, da torcida na tela e da pressão. Mas isso só bonito na Argentina e no Uruguai. Aqui é chinelagem, é falta de estrutura, é complô e aquela ladainha.
Esse discurso simplista não toca no que realmente importa. A mudança é maior do que esbravejar: "Termina o Gauchão", "Fecha o clube" (e desemprega 200 pessoas...). Fazer isso exige dialogar, ouvir os envolvidos (jogadores, técnicos, árbitros), criar coragem, negar presentinhos e ter empatia pelo outro.
O futebol tem solução. E existe data pra conciliar todos os interesses. Do Interior (que precisa aparecer na Capital) e da Capital (que precisa aparecer no Interior). Com menos jogos da Dupla e mais jogos dos outros.
E isso não passa pelo Caribe.