Pela manhã, Jonathan Menin constrói túmulos no cemitério de Soledade, município da Região Carbonífera. À tarde, é um esforçado e ofensivo lateral-esquerdo do time da cidade, o Soledade Futebol Clube. A profissão do primeiro turno é a que garante o sustento ao homem de 25 anos. A atividade que realiza nos treinos após o almoço é a que alimenta seu maior sonho.
Assim como Jonathan, Nicolas Palma também deseja fazer do futebol seu meio de ganhar a vida. O chileno de 24 anos até teve um começo promissor: atuando nas seleções de base de seu país, dividiu o vestiário com nomes consagrados como Eduardo Vargas e Charles Aránguiz. Mas a carreira não saiu como desejava, e ele só rodou por clubes menores, até que, em determinado momento, precisou fugir da Venezuela em uma viagem que durou oito dias dentro de um ônibus. Jogar no Barra, um desconhecido time de Porto Alegre, cujos treinos são em Canoas e as partidas, em São Leopoldo, lhe soa como um recomeço.
Trata-se de uma história relativamente parecida com a do lateral-direito Daniel, apelido Baloy. Surgido no Inter entre duas as conquistas da Libertadores (2006-2010), ele despontou como aposta para a posição, sendo inclusive convocado para o Mundial Sub-17. Forte e técnico, teve suas primeiras oportunidades na equipe principal sob o comando de Tite, em 2009. Não chegou a ser unanimidade, mas cumpriu seu papel por três temporadas. Só que, depois de ir para o Avaí-SC, não conseguiu mais sequência. Andou até na Dinamarca. E, quando voltou, nunca mais teve espaço nas primeiras divisões. Aos 28 anos, joga no Real Sport Club, uma agremiação do Litoral Norte, com sede em Capão da Canoa e mando de jogos em Tramandaí.
Jonathan, Nicolas e Daniel são três das histórias que ilustram a realidade da Copa Wianey Carlet. Por decisão da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), a competição que ocupa o segundo semestre do calendário no Rio Grande do Sul, dando uma vaga para a Série D e outra para a Copa do Brasil, sempre homenageia alguma personalidade do esporte. O cronista, morto em setembro do ano passado, dá nome a um campeonato disputado por 22 times em partidas espalhadas por 18 cidades. Excluindo-se Inter, Grêmio e Juventude, que usam seus times de base, os outros 19 participantes abrigam pouco mais de 550 jogadores cuja média salarial fica próxima de R$ 1 mil.
A Copinha é fiel ao cenário apresentado pelo último censo da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). No final de 2017, o Brasil teve 24.841 registros de jogadores profissionais e 26.874 amadores (categorias de base), divididos em 722 clubes. Desses, 95% recebem menos de R$ 5 mil — e 82%, menos de R$ 1 mil. Um quinto desse total teve salário atrasado. E mais de 40% acabaram a temporada procurando emprego.
— Quem joga na Copinha deveria ganhar R$ 1,5 mil por mês. O Rio Grande do Sul é o único Estado que tem um piso salarial. Mesmo assim, o pessoal registra o contrato, e muitos não recebem. Então eles nos procuram, mas, como os clubes mal têm sede e patrimônio, acaba ficando por isso mesmo. Essas copas e a terceira divisão do Gauchão são uma brincadeira de mau gosto para o futebol brasileiro. Isso é brincar com a vida dos jovens, iludir as pessoas — afirma o advogado Décio Neuhaus, representante do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado.
Nos últimos dois meses, a reportagem de GaúchaZH fez contato com clubes e rodou por alguns dos municípios envolvidos na Copa Wianey Carlet para contar histórias da competição e descobrir quem são os sobreviventes do futebol gaúcho.
Às 8h, Jonathan Menin veste uma camiseta azul clara surrada, com manchas de poeira logo abaixo da inscrição W Menin. O W é de Wilson, seu pai, que caminha carregando tijolos, pedras e pedaços de madeira, junto a Jonathan e outros três homens. O sol já está alto e faz calor. O silêncio do cemitério só é quebrado pelo barulho das ferramentas usadas por eles para construir as capelas. A fartura de pedras da região possibilita ao local ter um aspecto bem particular. É tradição local erguer monumentos, como se fossem mini-igrejas. Em um deles, Jonathan sepultou a própria mãe, Ilva, que não resistiu a um câncer fulminante em 2015, episódio que o fez repensar a vida e começar a trabalhar com Wilson. Leia a íntegra.
Um dos colegas de Jonathan no Soledade é Pedro Afonso. Magrão, alto, olho claro, cabelo loiro, sotaque acentuado. Não tem como negar a origem alemã. Pelas feições e a posição em campo, poderia muito bem ser apelidado de Taffarel. Ri ao ouvir a comparação. É um sorriso de alívio, na verdade. Porque o 2018 do menino de Ibirapuitã, noroeste gaúcho, teve um drama que jamais imaginava passar. Leia a íntegra.
Nicolas Palma já vestiu a camisa da seleção do Chile. No Sul-Americano Sub-17 de 2011, no Equador, ele usava o número 18. No torneio, o veloz e promissor atacante entrou no segundo tempo do jogo contra o Brasil, que tinha os jogadores da dupla Gre-Nal Rodrigo Dourado, Cláudio Winck, Andrigo e Misael. A partida foi apitada por Néstor Pitana, o árbitro que comandaria a final da Copa do Mundo, na Rússia. Logo depois, Nicolas desfilou no histórico gramado do Estádio Nacional, em Santiago, estreando pela equipe profissional da Universidad de Chile. Fora lançado pelo técnico Jorge Sampaoli, em um jogo contra o Alianza Lima, do Peru. Leia a íntegra.
A Copa Wianey Carlet dá chance a quem sempre quis jogar e nunca conseguiu e, também, aos que querem retomar a carreira. O Real Sport Club, agremiação do Litoral Norte que tem apenas um ano como profissional, abriga ambos esses tipos de caso. Quem acompanha o dia a dia do Inter talvez lembre de Daniel Baloy, outro jogador que busca um recomeço nos campos nada glamourosos do torneiro gaúcho do segundo semestre. Leia a íntegra.
No vestiário do Colosso da Lagoa, em Erechim, Francisco Lodi conta a história de Davi e Golias. Aos 33 anos, ele é o presidente do clube Soledade. Depois de trabalhar como empresário de futebol, decidiu ir para o outro lado do balcão em sua cidade natal. Por ter atuado muitas vezes no mercado sul-americano, levou à região central do Rio Grande do Sul nada menos do que sete colombianos. Alguns deles ouvem Lodi narrar a fábula bíblica. Leia a íntegra.