Experiência, inteligência e liderança. Estes foram alguns dos atributos que fizeram com que a técnica Pia Sundhage buscasse a zagueira gaúcha Mônica Hickmann para a disputa de sua terceira Copa do Mundo. Aos 36 anos e defendendo o Madrid CFF, a porto-alegrense já não nutria expectativas pela convocação e ficou surpresa ao ver seu nome na lista final para a Austrália e a Nova Zelândia.
— Eu já tinha colocado na minha cabeça, há uns dois anos, que passou (a fase com a Seleção). Vivi momentos maravilhosos. Agora, a geração estava mudando e ok. O desejo é sempre continuar ali, continuo trabalhando para sempre estar evoluindo dentro do clube e estar pronta se acontecesse. Mas eu já tinha entendido que o momento tinha passado. Então, eu tirei da cabeça e falei "vou pensar aqui no clube e se acontecer bem, se não, segue a vida". Então, expectativa zero mesmo — contou em entrevista ao Resenha das Gurias.
Antes de construir sua história com a Seleção Brasileira, no entanto, foi uma Copa do Mundo que despertou nela o sonho de ser jogadora de futebol. Em 1994, quando viu o Brasil conquistar o tetracampeonato, tudo começou.
— A nossa Copa do Mundo de 1994 foi o start para essa paixão. Desde essa época, eu vivia intensamente o futebol e comecei a querer entender como funcionava, como jogava, e os meus amigos na rua eram os meus professores naquele momento. Aos poucos, a minha história foi se construindo, passando por barreiras na minha rua, com os meus vizinhos, pessoas que falavam que não estava certo, que não era o meu lugar, mas eu nunca deixei de acreditar, nunca desisti de seguir tentando — contou em entrevista à CBF TV.
Os primeiros passos foram no Inter. Gremista na infância, recebeu um não do clube do coração e teve de recorrer ao maior rival. Foi aprovada e iniciou a carreira nas Gurias Coloradas. À época, na Escolinha da Duda.
— Fiz o teste com 14 anos e tentei primeiro no Grêmio. Não rolou, não deu certo, não me quiseram. E aí eu fui lá no Inter e o clube abriu as portas para mim, falou "tu vai ficar um tempo nessa categoria, que era a escolinha, e se tu provar que tem talento, em uma ou duas semanas tu sobe para o sub-17", o que seria participar da base do Inter — complementa:
— Eu pegava dois ônibus, saía de Gravataí, ia para Porto Alegre sozinha. Voltava, minha mãe (Ana) me pegava e me levava para a escola. Ficamos assim uns dois meses, aí ela chegou um dia para mim e disse "minha filha, tu tem de dar certo no mês que vem, porque não dá mais para a mãe pagar a mensalidade (da escolinha)". E aí, deu certo, foi no momento. Fui para o sub-17, algumas semanas depois subi para o principal e fui pouco a pouco, participava alguns minutos, às vezes jogava, às vezes não. Aí, entendi que podia, que esse era meu caminho — relembra a zagueira.
Ela sempre foi uma líder e hoje ela é uma líder da Seleção Brasileira
DUDA LUIZELLI
ex-dirigente do Inter
Desde o início, Mônica já era promissora. Duda Luizelli lembra que sempre foi uma líder e, por conta disso, não surpreendeu-se ao vê-la na lista final da técnica Pia.
— Ela sempre foi uma líder e hoje ela é uma líder da Seleção Brasileira. Não tenho nenhuma dúvida disso, até pela experiência dela. Ela é uma menina fantástica. E ela certamente, fora de campo, também vai ajudar muito a nossa Seleção Brasileira — fala a ex-dirigente do Inter.
Saída do Inter
Depois do Inter, Mônica transferiu-se para o futebol paulista e passou a defender o Marília. Foram três temporadas antes de ter sua primeira experiência fora do país, no Neulengbach, da Áustria. Lá que vieram seus 10 primeiros títulos: cinco da Liga Austríaca e cinco da Taça Austríaca, antes de retornar ao Brasil para colocar seu nome na história da Ferroviária.
Em 2013, o tradicional time grená iniciou a montagem de um elenco forte para buscar títulos significativos no cenário nacional. Na temporada seguinte, Mônica chamou a atenção do técnico Douglas Onça e chegou como reforço à Ferroviária.
— Fomos assistir a um amistoso em Botucatu, contra um time que chamava Ferroviário e também era uma das potências no futebol feminino, mas estava numa fase ruim, em decadência. E, durante o jogo, nós ficamos sabendo que a Mônica estava lá, e que queria ir embora, estava descontente. Conversei com meu auxiliar e com ela, pedimos que ficasse duas semanas treinando com a gente. E ela veio — complementa o técnico Douglas Onça:
Tem uma visão privilegiada do jogo
DOUGLAS ONÇA
ex-técnico da Ferroviária
— Falei com meus superiores e, depois desse período, pedi a contratação da Mônica, que era uma atleta com muitas qualidades, que pode ter um bom futuro com a gente, que joga com a cabeça erguida, que é inteligente, sabe distribuir a bola, é ambidestra, habilidosa, tem uma visão privilegiada do jogo. E ela acabou se firmando bem no nosso time.
Na temporada de 2014, afirmou-se como titular da equipe que conquistou o título brasileiro. De maneira invicta, a Ferroviária passou pelo Avaí Kindermann para confirmar sua primeira taça da competição.
Seleção Brasileira
À época, Mônica já era figurinha constante nas convocações da Seleção Brasileira. E, a partir de então, começara a chamar a atenção de times tradicionais no âmbito mundial. Foi assim que, em 2015, tornou-se a primeira brasileira a atuar pelo Orlando Pride-EUA — clube que a craque Marta defende atualmente. Depois, ainda foi a primeira brasileira no Adelaide United, da Austrália.
Agora, a expectativa é de que sua experiência seja um diferencial para que conquiste uma vaga no time da técnica Pia. De toda forma, tudo que já fez com a camisa do Brasil será trunfo dentro e fora dos campos.
Ela é fantástica, aquela pessoa que agrega e une o grupo
DUDA LUIZELLI
ex-dirigente do Inter e da Seleção Brasileira
— Ela pode agregar muito. Certamente, naquele período de treinos na Granja Comary, ela mostrou a importância dela, seja dentro ou fora de campo, pela experiência. Fico muito feliz, porque conheço ela desde pequena, eu diria. Ela é fantástica, aquela pessoa que agrega e une o grupo. Ela, com o violão na mão, vou dizer que quando se aposentar da carreira de jogadora, pode ser cantora tranquilamente. Então, fora de campo também é uma pessoa fantástica — afirma Duda Luizelli.