Desta vez, não foi gol da Alemanha. Também não teve 7 a 1. Mas a necessidade de tirar lições do fracasso persiste. E não só para o Brasil, mas para todas as seleções sul-americanas. Desorganização, falta de planejamento, ausência de modelo de jogo, queda na formação de atletas e ligas fracas são apenas alguns dos fatores que ajudam a explicar o abismo existente entre Europa e América do Sul no futebol, ilustrado por uma Copa do Mundo sem representantes do nosso continente entre os semifinalistas.
— Essa diferença não deveria existir, mas há alguns motivos para isso. Os europeus têm um futebol mais organizado, com federações mais organizadas, menos confusão, menos dirigentes presos e menos dirigentes incompetentes. Isso ajuda. E com a imigração europeia, que ficou maior, a miscigenação forma mais jogadores de alto nível na Europa. Melhorou a qualidade do jogador de lá. Além disso, os europeus são mais fortes emocionalmente em jogos importantes e decisivos. Na América do Sul, há uma cobrança exagerada e absurda sobre o atleta, como se a Copa fosse uma coisa de vida ou morte — avalia o ex-jogador Tostão, tricampeão mundial com a Seleção Brasileira em 1970 e hoje colunista da Folha de S. Paulo.
O gol que selou a eliminação do Brasil, na Copa 2018, marcado pelo belga Kevin De Bruyne, é simbólico em relação aos motivos que estão fazendo o Mundial virar uma espécie de Eurocopa.
— O futebol sul-americano parou de produzir meio-campistas na plenitude da palavra. Faltam jogadores que atuem de uma grande área até a outra. O Brasil não tem alguém como De Bruyne, um jogador que saiba preencher espaço e também fazer a jogada de ataque. O futebol europeu é compacto, enquanto no Brasil, por exemplo, o jogo é espaçado. No futebol brasileiro, ainda vemos um jogo dividido entre quem defende e quem ataca. Isso está atrasando muito o futebol brasileiro — opina o jornalista inglês Tim Vickery, correspondente de futebol sul-americano da emissora britânica BBC.
Para Vickery, no entanto, a ausência de times da América do Sul nas semifinais da Copa 2018 não é um fenômeno isolado e vai muito além do gol de De Bruyne ou dos 7 a 1 de 2014.
— No último ciclo de Eliminatórias, com exceção do Brasil pós-Tite, o nível técnico foi o pior dos últimos 20 anos. Ninguém se classificou bem. O que aconteceu na Copa foi de certa forma uma amostra do que aconteceu nas Eliminatórias. Nas últimas três Copas, cinco dos seis finalistas saíram da Europa ocidental. É uma tendência que vem de vários anos — pondera, lembrando as finais de 2006 (Itália x França), 2010 (Espanha x Holanda) e 2014 (Alemanha x Argentina).
Alguns jornalistas sul-americanos acrescentam outros fatores para explicar a queda de qualidade do futebol da América do Sul no nível internacional, como, por exemplo, a falta de um planejamento a longo prazo.
— O problema não é qualidade técnica. A América do Sul segue produzindo muitos talentos. É mais uma questão de mentalidade e de processos. A exceção é o Uruguai, que está fazendo uma transição de geração sem mudar a identidade. Mas, em geral, é difícil para os times sul-americanos ter uma ideia de jogo. Argentina e Colômbia não têm uma identidade, não sabem como jogam. Os sul-americanos não têm um processo organizado de longo prazo, como ocorre com muitas seleções europeias que estão nas finais — opina o jornalista Julian Capera, da Rádio Caracol, da Colômbia.
O colombiano cita o exemplo da Inglaterra, campeã do Mundial Sub-20 em 2017 e semifinalista da Copa do Mundo no ano seguinte. Para Capera, ainda há nas seleções da América do Sul uma distância muito grande entre o modelo de jogo da equipe principal e o das equipes de base:
— Tem que haver uma comunicação direta entre o técnico do time principal e os treinadores da base, para que todas tenham uma mesma ideia e uma mesma identidade. A Inglaterra, que está na semifinal, vem sendo campeã na base e joga da mesma forma na seleção principal.
A supremacia da Europa não se limita aos Mundiais. Abrange também as competições de base e os campeonatos interclubes, possivelmente afetando o desempenho das seleções em geral. Afinal, os europeus venceram as últimas três Copas do Mundo, os últimos três Mundiais Sub-20 e os últimos cinco Mundiais de Clubes da Fifa.
— Uma série de fatores diferentes fez o futebol sul-americano fracassar nesta Copa da Rússia. Sofremos com a desorganização de muitos anos. A Argentina teve três treinadores em quatro anos. A equipe não tinha estilo de jogo. O Brasil ainda está em reconstrução. O Uruguai é organizado, mas não tinha muitas peças de substituição. Ao Peru, faltou experiência. Mas, nos fatores comuns a todos, temos ligas muito ruins em comparação com a Europa. Nossos talentos vão cada vez mais cedo para lá e fortalecem suas ligas e não tanto nossas seleções. Isso já se vê há vários anos, não só na Copa do Mundo, mas também no Mundial de Clubes — avalia o jornalista argentino Alejandro Panfil, do diário La Nación, de Buenos Aires.
A visão é compartilhada por Capera.
— Antes, os times sul-americanos, brasileiros e argentinos impunham resistência e conseguiam ganhar o Mundial de Clubes. Agora, se criou uma distância muito grande entre as equipes da América do Sul e os gigantes europeus, como Real Madrid e Barcelona — ressalta.
O jornalista Guillaume Maube, do jornal Sportswereld, da Bélgica, no entanto, discorda de que o futebol sul-americano esteja em queda, apesar dos maus resultados nas últimas Copas.
— Eu não vejo um declínio do futebol sul-americano. O Peru foi um time empolgante na fase de grupos, o Uruguai teve azar contra um time forte que é a França, o Brasil poderia ter vencido facilmente a Bélgica, se o Courtois não fosse o nosso goleiro, e a Colômbia poderia ter vencido a Inglaterra. Não se trata de falta de qualidade ou falta de visão. É uma combinação do que ocorreu nos jogos com um pouco de falta de sorte. O único país que realmente decepcionou foi a Argentina. Não acredito que o futebol sul-americano esteja "morto" — pondera.
Já Tim Vickery salienta que, se por um lado os gigantes da América do Sul estão em crise, as seleções menores do continente apresentam crescimento.
— É contraditório, pois 2006 foi a melhor Copa da história do Equador, 2010 foi a melhor da história do Paraguai, 2014 foi a melhor da história da Colômbia e 2010 e 2014 foram as melhores do Chile, à exceção de 1962, quando sediou. Então, não é um desastre. Os times menos tradicionais estão melhores do que nunca. O problema é que os melhores times caíram em relação às melhores seleções da Europa ocidental — opina.
Na América do sul, no entanto, já existe o temor que a Copa do Mundo vire na prática uma espécie de Eurocopa.
— Não só temo como isso já está acontecendo desde a Copa 2006. Tomara que mude — lamenta Panfil.