Não é preciso procurar muito para achar alguém que fale alemão nas ruas do município de Santa Maria do Herval, no Vale do Sinos.
Moradora da cidade, Solange Hamester Johann é fluente e especialista no idioma Hunsrik, considerado o mais falado idioma germânico trazido ao Brasil por imigrantes e recentemente incluído entre os idiomas disponíveis para consulta no Google Tradutor.
— Aprendi português com sete anos. Em casa, inclusive, as orações eram feitas em alemão. Nós chegamos aqui em Santa Maria do Herval há 30 anos e meus vizinhos não falavam português — conta.
Além do Hunsrik, o Google Tradutor – ferramenta que traduz textos, imagens e voz para outra língua – incorporou mais 110 novos idiomas, representando mais de 660 milhões de falantes, ou seja, cerca de 8% da população mundial, segundo a empresa.
— Toda a nossa escrita é baseada no som da letra. Como tá escrito, tu lês. As crianças no final do primeiro ano (do Ensino Fundamental) leem fluentemente — explica Solange, contextualizando que o Hunsrik se aproxima em 60% ao inglês e apenas 30% ao alemão.
Aposentada da sala de aula, atualmente Solange capacita professores para lecionarem a língua Hunsrik.
De acordo com ela, existem entre 3 e 4 milhões de falantes de Hunsrik no Brasil. Comum nos vales dos Sinos, do Caí, do Taquari e do Rio Pardo, ela conta que em Santa Maria do Herval mais de 90% das famílias ainda falam o idioma.
A inclusão do Hunsrik no Google Tradutor é vista como um reconhecimento importante para uma língua que carrega a herança cultural e as raízes germânicas de uma parcela da população do sul do Brasil.
— Estamos em festa. Esta é a minha língua-mãe — conta.
Tradição
Neste mês de julho, o Rio Grande do Sul comemora o Bicentenário da Imigração Alemã, que marca os 200 anos da vinda dos imigrantes alemães. Foi neste momento, em 1824, que as línguas de origem germânica surgiram no Brasil como maneiras de comunicação, entre elas o Hunsrik, como também o westfaliano e o pomerano.
Em 2004, a linguista alemã Ursula Wiesemann, em parceria com a Sociedade Internacional de Linguística (SIL), lançou o Projeto Hunsrik Plat Taytx. Esta iniciativa visava criar um código escrito para a língua Hunsrik.
— Recebemos uma equipe de linguistas chefiada pela doutora Ursula Wiesemann, que ficou morando aqui conosco durante cinco anos para criar essa escrita — conta Solange, atual coordenadora do projeto.
O trabalho de Ursula e sua equipe resultou no registro da língua Hunsrik no Ethnologue, uma iniciativa da Unesco que cataloga as línguas existentes no mundo.
— A nossa língua, Hunsrik, é a oficial de Luxemburgo. É falada em dois Estados da França, na metade sul da Bélgica, e na Holanda. Quatro estados da Alemanha falam a nossa língua. Quando estou lá, me sinto em casa. Eu choro de saudades, porque falo com as pessoas e eles dizem 'mentira que tu é do Brasil, tu fala igual a gente' — compartilha.
O trabalho da SIL tem um alcance global, "trabalhando com 1,5 mil povos" no mundo.
Segundo a Secretaria de Cultura do RS, a legislação "declarou o hunsriqueano como patrimônio histórico e cultural do Estado". No entanto, apesar da forte tradição dos idiomas descentes germânicos nos vales, "a educação infantil é um problema", segundo a professora.
— As crianças não estão mais sendo educadas em casa. As crianças vão logo para a creche e, com isso, vai reduzindo. Mas ainda é muito forte e nós estamos de grão em grão vencendo etapas — explica.
Obras e materiais didáticos
Ao longo desses anos, o Projeto Hunsrik desenvolveu uma série de materiais com tradução para o idioma, como:
- Tradução do livro O Pequeno Príncipe (Te kleene Prins):
— Esse já nos levou quatro vezes para a Europa para feiras do livro exclusivas para escritores da nossa língua — conta Solange
- Dicionário Infantil
- O livro dos verbos
- Tradução do Novo Testamento
- Dublagem do filme Jesus