Uma ata impressa de reunião ocorrida em 2022 comprova que a Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, de Santa Cruz do Sul, escolheu O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, como uma das obras literárias a serem oferecidas aos estudantes. Nesta segunda-feira (4), a diretora da instituição, Janaina Venzon, havia afirmado à reportagem de GZH que o pedido do livro não tinha sido feito por ela e sua equipe.
A gestora fez e divulgou um vídeo criticando o uso do título em escolas. A manifestação culminou na censura da obra por parte da 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), depois revertida pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc).
A confusão se deu porque, segundo a gestora, a lista de títulos do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) Literário 2021 – Ensino Médio não aparece no sistema interno do Ministério da Educação (MEC), que só pode ser acessado por um login da direção da escola. Dividida por edições e especificações do programa, a lista mostra os dados da distribuição da edição de 2020, por exemplo, mas não a de 2021, na qual consta O Avesso da Pele. A ausência dessa informação foi demonstrada por Janaina por meio de uma fotografia de sua tela do computador:
A informação sobre as obras selecionadas em cada escola, contudo, é pública, e pode ser acessada pelo Sistema Integrado de Monitoramento do MEC (Simec). No comprovante de escolha no PNLD Literário 2021, consta que a Ernesto Alves de Oliveira incluiu a obra de Tenório entre suas opções, e que ela seria usada em atividade voltada para alunos do 1º ano do Ensino Médio. Nessa lista, também aparecem outros títulos ligados à temática do racismo, como Hibisco Roxo, de Chimamanda Adichie, e Torto Arado, de Itamar Vieira Junior.
Na ata impressa, é relatado que, no dia 17 de novembro de 2022, os professores de Literatura da instituição se reuniram para escolherem as obras literárias a serem adotadas pela escola. O documento diz que o colégio recebeu material das editoras para análise e que a opinião dos professores foi decisiva e que a coordenação e a direção contribuíram.
— Essa obra foi escolhida pelo objeto de conhecimento, por trabalhar com antirracismo, já que a escola estava mobilizada em 2023 com o assunto, tanto é que tínhamos murais na entrada da escola com todas as etnias, o respeito mútuo pelo cidadão, porque todos somos iguais, independentemente do gênero, da cor. Os professores não tiveram a cópia física do livro para lerem com calma, porque eles não têm tempo para ficar na frente do computador lendo — pontua Janaina.
A obra na íntegra é disponibilizada pelo PNLD, dentro do sistema interno do MEC, para avaliação das equipes diretivas e professores. O formato da leitura, contudo, é digital.
Conforme a diretora, entretanto, os docentes escolheram o livro pela capa e pela sinopse, e se surpreenderam com o vocabulário utilizado em um trecho de três páginas, no qual é contada a história de um casal formado por um homem negro e uma mulher branca, o preconceito que enfrentam e as implicações do racismo na relação, que envolve, entre outros pontos, o sexo. No entendimento da gestora, a passagem torna o livro inadequado para o Ensino Médio.
— Eu quero dizer ao Jeferson Tenório que eu não tenho nada contra a obra dele, mas fica difícil fazer um trabalho com o livro dentro de uma instituição com as palavras inadequadas. Alguns vão defender o livro, a gente super entende, e eu defendo o livro se for fora da escola. Mas, neste momento em que vivemos neste país, no mundo inteiro, onde nós precisamos resgatar os valores que se perderam e os pais contam com a escola nesse processo educativo, preciso nortear para o caminho do bem — defende a diretora.
No total, cerca de 200 exemplares foram distribuídos para a instituição.
Nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório é radicado em Porto Alegre e estreou na literatura com O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Ele também é autor de Estela sem Deus (2018) e O avesso da pele (2020), que venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário. Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, o mais jovem escritor e o primeiro negro escolhido para o posto. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol.