Sobras da merenda escolar são coletadas e colocadas em um biodigestor. O equipamento transforma os restos de comida em gás de cozinha e biofertilizante. Depois, ambos são utilizados no preparo e cultivo de alimentos. Esse é o ciclo que se repete há mais de um ano em escolas de Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, em um trabalho que faz parte do Lixão Zero, um projeto do município que trabalha a sustentabilidade no ambiente escolar.
A iniciativa evita que toneladas de dejetos sejam depositadas no lixo comum, contribui para a educação ambiental de alunos e ajuda até mesmo a administração pública a economizar na compra de gás de cozinha para as escolas municipais.
O projeto de Venâncio Aires chamou a atenção do Ministério do Meio Ambiente, que lançou, no mês passado, o Escolas+Verdes, um programa para a instalação de biodigestores — equipamento que transforma resíduos orgânicos em gás e fertilizante — em 200 escolas públicas de todo o país. O modelo que será seguido no programa é o da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Alfredo Scherer, que atende 238 estudantes da pré-escola ao nono ano.
— A sustentabilidade, que antes era só trabalhada em sala de aula como conteúdo, agora é praticada aqui na escola, com os alunos vivenciando isso no dia a dia — diz Ionara Bencke, diretora da escola.
Por limitações de espaço, a Alfredo Scherer não tem uma horta própria no momento. Assim, o fertilizante produzido é destinado à comunidade. Esse trabalho feito no ambiente escolar tem até mesmo inspirado famílias a manter composteiras — recipientes onde se coloca o lixo orgânico para que o material se transforme em fertilizante e adubo natural — em casa. Essa atenção com o lixo orgânico na comunidade começou com a instalação dos biodigestores, acrescenta a responsável pela escola.
— Fizemos trabalhos sobre a separação do lixo e percebemos um cuidado maior com essa questão entre os alunos. Às vezes, alguém reclama que foi deixado um papel no lixo onde não deveria ter sido colocado. Percebemos que, em muitos casos, a falta de conhecimento sobre o assunto faz com que não se reaproveite o lixo orgânico — comenta.
A diretora estima que 1,5 tonelada de resíduos orgânicos deixou de ser descartada no lixo comum desde o início projeto, em 2021. Além de apoiar a sustentabilidade, o trabalho contribui na parte financeira: segundo a diretora, hoje, metade do gás utilizado na cozinha da escola é produzido no biodigestor. Além do equipamento, as escolas de Venâncio Aires também têm um fogão de boca única, que é abastecido com o biocombustível por meio de uma mangueira.
Trabalho envolve a comunidade escolar
Trabalho similar é feito na Escola Municipal de Ensino Infantil (EMEI) Vó Helma, no bairro Brands, que atende 68 crianças. O fertilizante produzido no biodigestor ajuda no cultivo da horta localizada nos fundos da instituição. Beterraba, pimentão, pepino, alface, salsa, cebolinha e couve estão entre os alimentos produzidos no local, com apoio das crianças e sob supervisão dos professores.
O que sobra, a escola vende em "feiras" à comunidade: são produtos produzidos sem qualquer componente químico, apenas com o fertilizante do biodigestor. O dinheiro obtido com a venda dos alimentos é utilizado na compra de brinquedos para os alunos.
— Envolvemos as crianças em projetos diários no cultivo das verduras. Elas ficam satisfeitas com o resultado. Também envolvemos as famílias, que levam os fertilizantes para casa. É uma forma de mostrar à comunidade a importância do trabalho feito aqui — diz Janete Sulzbach Bilo, diretora da escola.
A responsável pela instituição explica que, por dia, entre oito e 10 quilos de alimentos sobram das refeições. No fim do dia, os restos de comida e leite são pesados e guardados em recipientes, que, por fim, são levados ao biodigestor. O equipamento abastece um fogão instalado na cozinha e é utilizado na produção dos alimentos. O fertilizante que sobra é disponibilizado para as famílias das crianças.
Segundo Janete, também é possível observar economia no gás: ela calcula que, com o biodigestor, a escola consiga economizar um terço do combustível utilizado para o preparo dos alimentos na creche. Outra estimativa é a queda de 50% na produção de dejetos. Assim, agora, a instituição só encaminha para o lixo comum o que é necessário.
— Tudo é reaproveitado na escola. Esse é o ciclo ideal, a melhor forma de se conduzir, e isso tem de fazer parte da vida das crianças desde cedo. É visível o brilho nos olhos delas quando plantam e colhem as verduras. É também um trabalho gratificante para os professores — pontua.
Como surgiu o projeto
O projeto de sustentabilidade teve início em 2019, quando a Prefeitura de Venâncio Aires recebeu recursos federais por meio de um edital de gestão de resíduos sólidos urbanos, do Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (CFDD).
À época, a administração pública participou da chamada pública com uma proposta com quatro metas que propunham a melhoria da gestão dos resíduos sólidos no município. O material foi avaliado em um processo no qual participaram 1,1 mil municípios ou consórcios de todo o Brasil.
Por fim, 21 propostas foram classificadas e contempladas com os recursos, entre elas o "Biodigestores nas Escolas", de Venâncio Aires. O planejamento era que as estruturas fossem instaladas em 2020, mas o plano teve de ser adiado para o ano seguinte devido ao fechamento das escolas na pandemia. De acordo com Carin Taiara Gomes, fiscal do meio ambiente de Venâncio Aires, o município concebeu a ideia durante estudos sobre boas práticas para gestão de resíduos.
— A biodigestão é antiga, mas uma novidade no ambiente escolar. Nossa pesquisa indicou que seria uma ótima oportunidade de instalação por eles serem compactos, darem conta dos resíduos produzidos nas escolas e também possibilitar a presença de um laboratório fora da sala de aula — explica.
Segundo Carin, o investimento no projeto foi de cerca de R$ 300 mil. No momento, 12 biodigestores foram instalados e 10 deles já estão em funcionamento. A ideia é que, no total, 22 escolas do município sejam contempladas com a tecnologia até o fim deste ano. São 32 instituições municipais de ensino, mas nem todas atendem aos critérios para colocação dos biodigestores, como o espaço físico e a posição solar.
Como funciona
Os biodigestores são equipamentos que transformam resíduos orgânicos em gás e fertilizante. As sobras de alimentos — frutas, arroz, feijão, carne, gordura — são colocadas no equipamento. Na sequência, a matéria orgânica se decompõe em uma câmara de digestão submersa em água, o que deixa o ambiente anaeróbico (sem oxigênio). Isso permite que os microrganismos "quebrem" o material orgânico e o convertam em biogás por meio de quatro estágios de fermentação que ocorrem de maneira simultânea.
Como o material orgânico se decompõe em um ambiente líquido, os nutrientes presentes nos resíduos se dissolvem na água, e criam um lodo rico em nutrientes. Esse material torna-se um fertilizante orgânico líquido que pode ser usado com finalidades de nutrição vegetal, como adubo de hortas, pomares e floreiras, por exemplo.
As escolas de Venâncio Aires têm dois tipos de biodigestores: o 7.0 e 2.0, da marca HomeBiogas. O 7.0 tem capacidade de 7 mil litros, e nele podem ser depositados, por dia, até 10 quilos de alimentos. O volume do tanque de gás é 2,5 mil litros e o do tanque digestor, 4,5 mil litros. As medidas deles são 400cm de comprimento, por 170cm de largura e 130cm de altura.
O biodigestor 2.0 tem volume total de 2,1 mil litros, com o volume do tanque digestor de 1,2 mil litros e volume do tanque de gás de 700 litros. A quantidade diária máxima de resíduos alimentares é de até 4 quilos. As medidas desse equipamento são 410cm de comprimento, por 115cm de largura e 125cm de altura.
Ambos se conectam por meio de uma mangueira a um fogão de boca única, que deve ficar próximo do biodigestor. Segundo o fabricante, a vida útil dos equipamentos é de 10 anos.