Maior município em área do Rio Grande do Sul, Alegrete, na Fronteira Oeste, faz do uso dessas terras o seu principal motor econômico, por intermédio do agronegócio. Com a instalação nos últimos cinco anos do Centro de Inovação e Tecnologia para o Agronegócio (Cita) na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), o setor ganhou um aliado de peso, que atua na realização de pesquisas e projetos visando o desenvolvimento econômico e sustentável do agronegócio na região.
O cluster, que também recebe colaboração do Instituto Federal Farroupilha (IFFar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), conta com o apoio de diferentes empresas da área. Algumas delas criadas por ex-alunos das instituições, que deram forma às suas ideias ainda na faculdade.
É o caso de Marcelo Romanssini, hoje sócio proprietário da empresa Muv Inteligência em Movimento, que desenvolveu um sensor que, se acoplado a máquinas agrícolas, consegue identificar quando a vibração do equipamento sai do padrão e lança um alerta para o proprietário.
— O ímã fica encostado na máquina, mede a vibração o tempo todo e manda esses dados para a nuvem. A pessoa pode analisar esses dados de qualquer lugar e, se houver uma alteração, já dá para fazer a prevenção, o que custa muito menos do que conservar uma máquina estragada — relata Alessandro Girardi, professor da Unipampa e coordenador do Cita.
Para elaborar o equipamento, foram desenvolvidos software e hardware compatíveis. O maior desafio foi construir um sensor que pudesse ser colocado em um ambiente industrial, que não costuma contar com Wi-Fi, e que conseguisse ler e transmitir dados pela internet. Além da placa wireless, o aparelho tem sensor de temperatura e de movimento. Ainda em fase de protótipo, o equipamento deverá custar em torno de R$ 2 mil.
Durante a graduação em Engenharia Elétrica, Marcelo participou de um projeto que desenvolveu luvas inteligentes que reconheciam gestos. Nesse estudo, aprendeu sobre circuitos integrados, conhecimento que utilizou para fazer esses sensores.
— A gente está tentando levar uma ideia que nasceu no laboratório pro mercado e, hoje, a gente está bem próximo de chegar nisso com o nosso medidor de vibrações. É bem legal ver toda a trajetória no centro de pesquisa chegando até aqui — comenta o desenvolvedor.
Bombeamento de água com comando remoto
Ainda estudantes de Engenharia Elétrica, Kélton da Rosa Severo, Wellerson Killian e Marconi da Silva Giacomini também utilizaram o que aprendem na Unipampa e o conhecimento do dia a dia de familiares no campo para pensar em uma solução para um problema prático: ligar, desligar e verificar o funcionamento de máquinas que ficam instaladas no meio das lavouras de arroz, que, em Alegrete, costumam ter irrigação feita com bombeamento mecânico de água.
— Meu pai já trabalhou com isso e eu vivi na pele essa rotina de todo dia ter que ver se o motor estava funcionando, muitas vezes de madrugada, quando começava a chover, e era preciso fazer esse deslocamento até o local — relata Wellerson.
A dupla abriu a empresa Keppler e desenvolveu, então, um sistema que liga e desliga essas máquinas de forma remota e, além disso, consegue coletar diferentes dados sobre o funcionamento do equipamento e gerar relatórios com as informações. Uma das promessas é evitar o desperdício de água, uma vez que, quando está chovendo, a irrigação mecânica pode ser desligada.
Todas as informações são transmitidas por meio de Wi-Fi e o usuário consegue acessá-las por um aplicativo. É possível analisar até três meses de dados. O equipamento, que está em fase de protótipo, não será vendido – Kélton e Wellerson optaram por alugá-lo por períodos pré-determinados, a fim de irem atualizando a tecnologia regularmente. A ideia é começar a comercializar o serviço para produtores de arroz da região de Alegrete na próxima safra. A estimativa é de que sejam cobrados R$ 5 mil por período de safra, que dura cerca de cinco meses.
Rastreabilidade de alimentos
Mas nem só de iniciativas voltadas para o produtor rural vive a Unipampa. Diogo Kersten trabalha desde 2015 em um projeto de desenvolvimento de um aplicativo para rastrear produtos da agricultura familiar. Com ele, um cliente pode chegar ao supermercado ou à feira, apontar o celular para um QR Code que estará colado em uma fruta ou uma verdura e descobrir informações sobre o local onde aquele alimento foi produzido, quando foi colhido e como é o cultivo dele, por exemplo.
— Existe uma demanda nacional por essa rastreabilidade desde 2018, por meio de instrução normativa. Já existem produtos rastreados, como o gado, o coco e a alface, mas queremos trabalhar com a agricultura familiar, que tem trazido essa demanda para a universidade — explica Diogo.
Com o QR Code, o consumidor poderá também dar um feedback sobre o produto, por meio do aplicativo.
Por enquanto, o projeto está em fase de aperfeiçoamento. Novos recursos obtidos junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs) deverão ser usados para imprimir os QR Codes e para a aquisição de um drone que percorrerá as propriedades rurais. A ideia é lançar o aplicativo inicialmente para uso dos alunos para, então, serem feitos testes. Quando concluído, serão buscadas parcerias com produtores da região.
Vidro feito de cinzas de arroz
Analisando os componentes do alimento mais produzido na região, pesquisadores da Unipampa descobriram que as cinzas resultantes da queima da casca do arroz têm uma série de utilidades possíveis. Uma delas é a confecção de dióxido de silício, o principal elemento na fabricação de vidro.
— Aqui na região, são produzidas em torno de 400 mil toneladas de cinzas de casca de arroz por ano. A ideia deste projeto é substituir a areia que é utilizada atualmente na fabricação do vidro pela cinza da casca do arroz, que, hoje, é algo que vai fora — afirma o professor Jacson Weber de Menezes, responsável pelo projeto junto com a professora Chiara Valsecchi.
A areia utilizada atualmente para fazer vidros vem do fundo de rios, o que pode causar problemas ambientais e gera custos. Com a substituição, os produtores de arroz não teriam mais o problema de encontrar uma forma de descartar essas cinzas e as fabricantes de vidro teriam uma economia em obra-prima. O grande desafio, porém, está no fato de que, hoje, não há indústrias de vidro na região.
— Já levamos nossa receita para uma fábrica de garrafões de vinho da Serra e deu certo, mas o transporte das cinzas da casca do arroz até lá, que são muito fininhas, seria muito difícil. Uma possibilidade seria essas empresas virem para a nossa região — sinaliza Chiara.
Outra forma de uso das cinzas de casca de arroz é em equipamentos de sinalização viária, como faixas de pedestres, por exemplo, que precisam de uma tinta que brilhe quando o farol do carro aponta para elas. A tinta feita com as cinzas permite esse brilho.
Antenas de monitoramento ambiental
O Laboratório de Eletromagnetismo, Micro-Ondas e Antenas da Unipampa desenvolveu uma antena que pode ser usada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para fazer o monitoramento ambiental do Brasil. Isso inclui, por exemplo, monitorar queimadas e identificar a chegada de temporais para emitir alertas para a população.
Atualmente, o grupo que desenvolveu a antena se dedica a medir as ondas emitidas pelo equipamento, para entender sua força em cada direção. Isso é necessário para analisar em que pontos o aparelho ainda precisa de ajustes, para que ele tenha uma mecânica que atenda às necessidades e não haja “pontos cegos”.
— A antena é como uma lanterna, mas, em vez de luz, emite ondas de rádio. Se eu apontar a lanterna para o seu rosto, você vai enxergar a luz forte. Se eu jogar para o lado, você vai enxergar a luz de uma forma secundária. O que fazemos aqui é caracterizar isso e entender, por exemplo, para qual direção a antena concentra mais energia, gerar um gráfico e fazer ajustes — explica Marcos Heckler, líder do laboratório.
Além do funcionamento eletrônico, outro diferencial dessa antena é ser menor do que a usada atualmente pelo Inpe. No caso de antenas enviadas para o espaço, esse é um grande diferencial, segundo o professor:
— O tamanho é muito importante, porque isso reduz muito os custos de lançamento do satélite, por exemplo. Quanto maior, mais volume e mais peso, e todos os custos de lançamento têm vinculação com volume e peso.
O grupo foi convidado pelo próprio Inpe para fazer o projeto. Inicialmente, também recebeu apoio da Agência Espacial Brasileira para criar o protótipo.
O Inpe coleta dados ambientais em todo o Brasil, como temperatura, chuva, vento, velocidade e direção dessas intempéries. A presença dos satélites é fundamental especialmente em locais isolados, como alguns pontos do Amazonas, onde não há conexão de internet para fazer o monitoramento de outra forma. O grupo espera receber mais recursos para prosseguir nos testes.