Um projeto que já dura 12 anos vem formando centenas de músicos em Uruguaiana, na fronteira oeste do Estado. A escola de música da Banda Municipal, vinculada à prefeitura da cidade, oferece aulas gratuitas para crianças e adolescentes das redes municipal e estadual, com atividades que vão desde a musicalização, para os pequenos, até leitura de partituras, teoria musical, harmonia e história da música aos mais velhos.
Entre trompetes, clarinetes, saxofones, bumbos e flautas transversais, cerca de 30 estudantes tocavam a música Concerto D'Amore, de Jacob de Haan, quando a reportagem de GZH visitou o pátio onde acontecem os ensaios. Antes, o professor titular e maestro da escola, Jediel Gonçalves Fagundes, checou a afinação de cada instrumento. Com alguns, não teve jeito.
— É o frio, né? — questionou o professor, no que o aluno assentiu.
O grupo faz parte da banda sinfônica, composta por 60 estudantes de níveis intermediário e avançado. Sob a batuta de Jediel, costumam se apresentar em eventos da cidade, como o desfile de 7 de Setembro e o Natal. O repertório inclui músicas eruditas e contemporâneas.
Hendrick Vinicius Gorges e Amanda Saldanha, 16 anos, tocam clarinete na banda. O adolescente iniciou há mais tempo – está há dois anos no grupo e, se dependesse da mãe, teria entrado até antes:
— A minha mãe sempre tentou me colocar nesse projeto. Aí, um dia ela viu que estavam aceitando novos integrantes e veio conversar com o Jediel. Conheci a banda e entrei.
O jovem já tocava outros instrumentos, mas nenhum de sopro. Escolheu o clarinete por achar que ele lhe propiciaria mais oportunidades no futuro. Seu plano é ingressar na carreira militar e tocar na banda do Exército. Acredita que o projeto lhe ajudou a pensar nessa perspectiva.
— É um projeto que influencia muito os jovens, porque a gente aprende aqui. Muitas, muitas coisas. Eu, por exemplo, não só aprendi a tocar o meu instrumento, como toda a teoria musical. Partitura, tempo da música, vozes, tudo a gente aprende — conta Hendrick.
Já Amanda está há sete meses no grupo. Entrou porque queria aprender um instrumento de sopro, já vislumbrando as possibilidades que teria com o clarinete no futuro.
— É algo que abre muitas portas pra gente, porque é garantido, qualquer concurso que a gente vá fazer tem esses instrumentos que aprendemos aqui. Isso nos encoraja a participar do projeto — observa a adolescente, que ainda não sabe em que órgão ou orquestra gostaria de trabalhar.
Por enquanto, Amanda ainda não participa de apresentações, mas sente que já aprendeu muito no tempo em que está na banda.
— É algo bem bom pra gente, porque isso geralmente é pago, né? E aqui a gente aprende de graça — comenta a jovem.
Cem alunos aprovados em concursos de música
Segundo Jediel, cem alunos e ex-alunos da escola de música já foram aprovados em concursos públicos e, hoje, participam de grupos como a banda do Exército e orquestras sinfônicas de diferentes municípios. A ideia de criar a escola partiu dele, junto com Emanuel Rodrigues de Ávila, justamente pensando no mercado invisível nesse setor.
— Eu e o Emanuel conversamos, na época, sobre a possibilidade de ofertar à juventude ociosa da nossa cidade um núcleo pequeno para que pudéssemos concentrar e formalizar músicos, com o objetivo de ocupar o cartel dos exames públicos que existem na área de música, tanto em caráter de carreira quanto em caráter temporário. No caso orquestras e o Exército, que não forma músicos, e sim absorve músicos prontos — pontua o professor.
Além dos participantes da banda, há alunos em processo de musicalização e níveis básicos, chegando a 170 pessoas atendidas em 2022. As aulas acontecem de duas a três vezes por semana. A chamada para novos integrantes acontece anualmente.
Para crianças de sete a 10 anos, é oferecida a musicalização, com aulas de flauta doce e violão. Nas aulas, o objetivo é desenvolver a disciplina para a prática de um instrumento, com dedilhados, história da música em caráter lúdico, teoria, percepção e notação musical, sempre em uma linguagem voltada para o público infantil.
Para os mais velhos, esse conhecimento é aprofundado, havendo disciplinas de estruturação musical, fundamentos de harmonia, história da música barroca, medieval, europeia, desenvoltura da música clássica, entre outros. A exigência, nessa faixa etária, é mais alta – os alunos precisam comprovar determinadas aptidões e alcançar média seis no final do ano, quando realizam uma apresentação individual e uma coletiva para a cidade.
Jediel, que hoje é o “homem banda” da escola de música – dá aulas, é maestro, escolhe quem ingressa e quem deve ser retirado, entre tantas outras atividades – tem muitos desejos para o projeto. Desde 2016, a Banda Municipal faz oficialmente parte da estrutura administrativa da prefeitura de Uruguaiana, mas, para o futuro, o docente espera que sejam contratados mais professores e as aulas de música façam parte da escola regular no município.
— Nós todos fomos alfabetizados na escola, e a música também é uma forma de alfabetização. Então, acreditamos na força da escola regular e estamos batalhando para tornar a escola de música regular e que ela alcance uma proporção maior — defende o maestro.
Na visão de Jediel, para além das possibilidades de carreira, a música permite a consolidação do caráter de um ser humano.
— A música impacta diretamente nas possibilidades cognitivas e nas relações. Ela refina os pensamentos através da estrutura da matéria que se desenvolve. De certa forma, acaba disciplinando. Chegando ainda na infância, a música melhora o ser humano como um todo, no processo cognitivo, na questão das expressões, na formalização da fala, na memória, na capacidade de se readequar, se reinventar, improvisar. Isso tudo é música — resume o professor.
O docente ressalta que, a médio e longo prazo, a formalização da socialização, a disciplina, a colaboração, a formalização do espírito de grupo do trabalho, a responsabilidade que se tem com cumprimento de horários e, principalmente, a disciplina pedagógica musical, influenciam nas disciplinas da escola. Para ele, até mesmo na hora de fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o estudante precisará de uma organização de pensamentos que está presente na música.