As transições de carreira de Lilian Bettoni e Deiver Meinen Ribeiro, que deixaram cargos em que trabalharam por 10 e 11 anos para mudar de ramo, se somam com casos de muitas outras pessoas que, na pandemia, refletiram e decidiram mudar o rumo de suas vidas profissionais. Isso porque a crise sanitária impulsionou e acelerou, por diferentes fatores, um movimento que já era observado anos antes, afirmam especialistas.
De acordo com a psicóloga e consultora de PUCRS Carreiras Ana Cecília Petersen, muitas pessoas já vinham repensando sobre o trabalho antes da chegada do coronavírus no Brasil, mas, a partir disso, tiveram mais tempo para pensar sobre a vida profissional, o que aumentou o desejo pela mudança. Ela comenta que tem atendido indivíduos na faixa dos 30 e 40 anos e que eles não se arrependem de suas trajetórias anteriores, mas desejam se experimentar em coisas novas e ter a oportunidade de trabalhar com algo que combine mais com seus valores.
— Cada vez mais vemos esse movimento do profissional refletindo se quer um trabalho que se encaixe em sua vida ou uma vida que se encaixe no trabalho. Mas antes da pandemia não se tinha um tempo para realmente refletir “será que isso realmente conecta comigo?” ou “será que isso realmente me dá prazer?”, porque se vivia muito no automático — destaca a consultora de carreiras.
A possibilidade de absorver mais conhecimentos por conta própria ao trabalhar em home office também é um ponto importante e se une ao fato de que, atualmente, as pessoas se sentem mais livres e menos julgadas pelas mudanças que decidem fazer. Ana aponta que muitas estão bem mais encorajadas porque sabem que realmente precisam fazer esses movimentos.
O medo de empreender, por exemplo, foi deixado de lado por quem tinha essa vontade antes da crise sanitária, afirma Raquel Christoff, especialista em transição de carreira. Em 2020, ela teve um recorde de atendimentos em comparação aos anos anteriores e garante que, diante das demissões em massa registradas em empresas no começo da pandemia, a maioria dos trabalhadores perdeu o receio de mudar, pois percebeu que também não havia segurança ou garantia trabalhando com carteira assinada.
Para Raquel, a pandemia acelerou processos de transição porque muitas pessoas se deram conta de que precisavam viver seus sonhos sem esperar mais tempo pelo "momento ideal":
— Chega um limite em que a pessoa, por mais que esteja há anos em uma empresa, tem essa sensação de que o tempo está passando e de que ela pode não estar viva amanhã. Esse sentimento fez com que as pessoas tomassem decisões que elas queriam há muito tempo. Elas decidiram se arriscar porque queriam viver de verdade.
Márcia Cristiane de Abreu, coordenadora do curso de Gestão de Recursos Humanos da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), concorda que o tempo de isolamento estimulou colocar em prática planos e sonhos antigos, fazendo com que os indivíduos repensassem suas formas de trabalhar e até suas áreas de atuação. Por isso, ela considera o momento de isoalmento como um período de avaliação e autoconhecimento em que as pessoas repensaram sobre prioridades.
— São nos momentos de crises que as pessoas buscam oportunidades de mudança — pontua Márcia.
Crise no mercado de trabalho
Além das mudanças por vontade própria, outras aconteceram por necessidade. Trabalhadores foram demitidos ou tiveram rendimentos compromeditos durante a pandemia, salienta o psicólogo e professor coordenador do Serviço de Orientação Profissional (SOP) e do Núcleo de Apoio ao Estudante (NAE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marco Teixeira. Ele afirma que o período gerou uma situação de crise no mercado de trabalho, forçando que muitas pessoas fizessem uma transição involuntária de carreira:
— Frente a um mercado retraído em termos de oferta de trabalho, as pessoas se abrem ainda mais para pensar em coisas diferentes, que talvez, em algum momento do passado, elas já tivessem pensado, mas não cogitavam porque exigiria um movimento voluntário. Na medida que a crise vem e força a transição, de certa maneira, ela faz a pessoa tomar essa decisão pela pessoa e faz ela buscar outra alternativa.
Em relação às mudanças voluntárias, Teixeira acredita que a exposição de novas possibilidades de carreira e modos de trabalho tenha gerado o questionado de “por que estou fazendo o que estou fazendo?”, deixando as pessoas mais abertas para a ideia de uma transição. Na visão do especialista, também é provável que esses indivíduos já tivessem algum nível de insatisfação com suas antigas atividades e com a forma que elas impactavam seus relacionamentos, momentos de lazer e qualidade de vida.
Principais motivadores
Para a psicóloga e consultora de carreira Ana Cecília Petersen, os principais motivos por trás da decisão de troca de carreira estão relacionados à busca por busca de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, ao desejo de uma função mais significativa, à vontade de trabalhar por prazer e à pretensão por melhores salários. Já a especialista Raquel Christoff comenta que, entre as pessoas que atende, a característica que mais se destaca é a frustração pela falta de reconhecimento diante do esforço e dedicação que empenham em seus cargos.
— Empreender não é o objetivo final das pessoas, elas querem algo a mais. E, na maioria das vezes, esse algo a mais é ter tempo com a família, liberdade geográfica e flexibilidade de horários, é ter a possibilidade de ser dono das suas próprias escolhas. Então, as pessoas não querem empreender para ganhar mais dinheiro, elas querem qualidade de vida — reforça Raquel.
Sete dicas para fazer uma transição de carreira
1) Faça um planejamento
Descrito como o passo mais importante pelos especialistas, um bom planejamento ajudará a ter maior controle dos riscos oriundos da transição de carreira. É preciso pensar com calma em seus objetivos e traçar metas para alcançá-los, além de entender suas necessidades diante da mudança: terá de fazer cursos ou especializações, por exemplo?
2) Se prepare financeiramente
Uma preparação financeira coerente com a mudança que será enfrentada é fundamental antes de fazer o movimento. Avalie corretamente o quanto de dinheiro você precisará para arcar com a transição, ciente do que precisa para chegar na nova área ou abrir seu negócio e de quais ações serão necessárias para isso realmente acontecer.
3) Não tome a decisão apenas por dinheiro
Decisões influenciadas somente pelo retorno financeiro normalmente fazem com que as pessoas queiram desistir diante do primeiro obstáculo para voltar a trabalhar com carteira assinada. Com outras motivações, é mais provável que você seja capaz de passar pelas fases difíceis e dar continuidade ao objetivo.
4) Amplie suas conexões
Conhecer e ter contato com pessoas da área para qual pretende migrar é de grande ajuda. Você pode pedir dicas para entender o perfil de profissional buscado pelo setor, saber onde buscar cursos e especializações, descobrir quais empresas estão contratando. Mentores e consultores de carreira também podem auxiliar neste aspecto.
5) Busque conhecimento
Além das conexões, o conhecimento é muito importante para conhecer as necessidades daquele mercado e o que precisa ser desenvolvido em termos de competências comportamentais para atuar na área. Cursos e capacitações gratuitas podem ser utilizadas para quem deseja economizar, assim como podcasts, notícias e vídeos do YouTube.
6) Fale com quem já fez transições
Conversar com pessoas que já fizeram mudanças semelhantes é um caminho interessante para saber como foi esse movimento. Com isso, você pode entender elas como iniciaram esse processo de transição, que recursos buscaram e quais dificuldades enfrentaram.
7) Inicie a transição de forma paralela ao emprego atual
Dar início planejamento do negócio ou transição em paralelo ao emprego atual permite que você tenha segurança de transitar entre os dois mundos antes de fazer a troca de forma definitiva. Estude, pesquise, faça todo o planejamento e somente depois encerre a carreira atual.
Fontes: Ana Cecília Petersen, psicóloga e consultora de carreira do PUCRS Carreiras; Raquel Christoff, especialista em transição de carreira; Márcia Cristiane de Abreu, coordenadora do curso de Gestão de Recursos Humanos da Ulbra; e Marco Teixeira, psicólogo e professor coordenador do Serviço de Orientação Profissional e do Núcleo de Apoio ao Estudante da UFRGS.