O sonho de boa parte dos acadêmicos é poder se dedicar exclusivamente a seu objeto de estudo durante a pós-graduação. Mas a realidade revela que, mesmo vinculada a uma universidade pública, a maioria precisa lidar com os universos estudantil e profissional simultaneamente. Não há bolsa para todos e o valor do auxílio ainda pode não ser suficiente para sustentar uma família.
Ainda assim, com muita força de vontade, paciência e organização, é possível alcançar o título em mestrado e doutorado. É o que garante o casal Luciano Pessoa de Almeida, 45 anos, e Silvia Mara Zanela Almeida, 48. A bióloga obteve a titulação como doutora em abril de 2020 e o engenheiro agrônomo, um ano depois.
— Escrevemos duas teses durante a pandemia, com todos dentro de casa — resume Luciano, entre o riso e a incredulidade.
Foi mesmo uma façanha mas, nos quatro anos de doutorado, a pandemia foi um entre muitos desafios. O casal ainda teve de equilibrar as atenções com empregos, casa, dois filhos, leituras, artigos, trabalhos de campo – e até com situações inesperadas, como o ataque de lebres a um campo de brócolis! Ah, eles ainda precisavam viajar para outro Estado para estudar.
"Como servidor federal, eu tive licença para estudar, mas não foi integral. Nos quatro anos de doutorado, eu tive dez meses de afastamento integral do trabalho. Foi no final, para escrever a tese."
LUCIANO PESSOA DE ALMEIDA
Engenheiro Agrônomo
Radicados em Chapecó (SC), o mineiro e a gaúcha cursaram doutorado na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), em Pato Branco, a cerca de 140 quilômetros dali. De duas a três vezes por semana, eles enfrentaram duas horas de viagem em uma rodovia cheia de curvas. Como não tinham bolsa de incentivo científico, tiveram de conciliar o estudo com os empregos. No caso de Sílvia, como professora na Universidade do Oeste Catarinense (Unoesc), em Xanxerê, a 50 quilômetros de casa. Mas mesmo lecionando à noite, nem sempre pôde conciliar os cronogramas.
— Quando comecei, ia para Pato Branco de ônibus. Acordava às 5h, 5h30min eu saía, e a aula começava às 8h. Eu retornava à tarde e, muitas vezes, nem ia para casa. Ia direto para Xanxerê. Acabava a aula às 22h30min e eu voltava para casa às 23h30min. Foi bem cansativo — lembra.
No ano seguinte, quando Luciano começou a estudar, as agendas sincronizadas de ambos permitiram que fossem para a UTFPR de carro. Mas nem isso tornou a vida do futuro doutor, que é técnico administrativo em educação na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), mais fácil.
— Como servidor federal, eu tive licença para estudar, mas não foi integral. Nos quatro anos de doutorado, eu tive dez meses de afastamento integral do trabalho, com vencimento. Foi no final, para escrever a tese. A maior parte do tempo, me liberaram 16 horas por semana, ou seja, dois dias. Era quando eu ia para Pato Branco para as aulas e para monitorar o experimento — conta.
"Aos finais de semana, às vezes, a gente não tinha energia para dar atenção para eles (filhos). Várias vezes chorei porque me senti culpada. Mas eu tive um orientador bem humano, que me incentivou bastante. Em casa, eu e o Luciano dividimos tudo e isso ajudou."
SILVIA MARA ZANELA DE ALMEIDA
Bióloga
E foi justamente o trabalho de campo, objeto da tese, que aumentou os quilômetros rodados de Luciano. O experimento sobre plantio direto de vegetais orgânicos começou em Chapecó, mas teve de ser transferido para Coronel Vivida, a 70 quilômetros de Pato Branco, e, finalmente, concluído na área de experimentos da UTFPR. Foi lá que as lebres consideraram as mil cabeças de brócolis apetitosas demais para serem ignoradas.
Na estrada, a preocupação do casal era com os filhos Henrique, então com 12 anos, e Vitor, que tinha sete. Muitas vezes, ficaram sozinhos.
O Henrique era o “dono da casa”. Tinha alguém que vinha para fazer o almoço, mas no resto do tempo, eles ficavam sozinhos. O Henrique tomava conta do Vitor. Nesse sentido, amadureceram bastante – relata Silvia, acrescentando que a mãe, Nely, ajudava no cuidado sempre que possível, especialmente quando era necessário pernoitar em Pato Branco.
Por mais que o amparo aos filhos estivesse garantido, a bióloga foi picada por um mal que atinge mães trabalhadoras: a culpa.
— Com essa correria, havia cansaço. Aos finais de semana, às vezes, a gente não tinha energia para dar atenção para eles. O Vitor era menor, queria brincar, jogar bola, ir na pracinha, caminhar, andar de bicicleta. Várias vezes chorei porque me senti culpada. Pensei em desistir mais de uma vez. Mas eu tive um orientador bem humano, que me incentivou bastante. Em casa, eu e o Luciano dividimos tudo e isso ajudou — afirma.
Como Sílvia e Luciano frequentemente precisavam usar os finais de semana para cuidar de seus experimentos, a saída foi levar os meninos junto. Henrique e Vitor aprenderam a manejar implementos agrícolas, ajudaram a espalhar adubos nos experimentos do pai e a medir mudinhas de guabiroba na Floresta Nacional de Chapecó, campo de estudos da mãe.
O desafio final foi concluir a tese durante o isolamento da covid-19. Silvia e Luciano seguiram trabalhando e estudando remotamente, confinados com os filhos, em adaptação com a nova rotina de estudos em casa. Ao final, deu certo.
* Tatiana Py Dutra/Especial